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Tratada muitas vezes de forma paralela, a agricultura de precisão, com o uso racional de defensivos e fertilizantes químicos, e o uso de bioinsumos, com a aplicação de microrganismos naturais para combater pragas e doenças, têm caminhado para o surgimento de uma agricultura biológica de precisão graças a uma técnica nova, mas que resgata valores antigos quando o assunto é manejo agrícola: o metagenoma. 

Trata-se, basicamente, da análise genética dos fungos e bactérias presentes no solo onde determinada cultura está sendo cultivada.

Um grama de solo pode ter mais de 1 bilhão de microorganismos, como fungos e bactérias, com diferentes funções ecológicas (Foto: Divulgação)

 

Doutor em ciências do solo pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Diego Siqueira explica que esses microrganismos remontam a história evolutiva das espécies vegetais e se encontram no planeta terra desde antes do surgimento das primeiras plantas.

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“A primeira coisa que surgiu no planeta foram as rochas. E logo na sequência surgiram os microrganismos nos primeiros bilhões de anos. E esses microrganismos, o desafio deles era se adaptar à rocha para liberar o nutriente necessário para obter energia”, conta o pesquisador. Foi justamente essa adaptação que permitiu o surgimento dos primeiros seres capazes de realizar fotossíntese milhares de anos depois.

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“Quando a gente começa a entender o solo, na verdade, para cada solo e cada biota, já existe um conjunto de microrganismos que ocorre naturalmente. Há milhões de anos eles vêm se adaptando àquilo. E aí as plantas também têm uma melhor performance em determinadas condições porque também foram evoluindo”, completa Siqueira. É esta interação que é alvo da metagenômica.

Vanguarda

Embora ainda seja pouco difundida no país, a técnica tem sido usada por grandes empresas que atuam na produção agrícola e do setor de biológicos. “Hoje, mais de 80% dos produtores não fazem a analise básica de solo. E se o produtor não está fazendo nem a análise básica para saber qual o nutriente que está faltando, imagina saber qual o microrganismo”, lamenta o doutor em ciências do solo.

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A decepção de Siqueira tem motivo: “Quando você troca a cobertura do solo por algo que era natural por um cultivo agronômico antropizado você acaba favorecendo que algumas bactérias e fungos se proliferem mais do que outros. Mas quando você mapeia os microrganismos e vê o que está em desequilíbrio, você consegue corrigir isso para fazer com que as plantas produzam alimento de forma mais sustentável ainda”, explica.

Há três anos no mercado de bioinsumos, a Biotrop é uma das companhias que hoje investe nesta análise. Concluiu em julho um projeto com 48 produtores de soja de 50 regiões do Rio Grande do Sul, em uma parceria com a 3tentos, e acabou de iniciar o metagenoma da cana-de-açúcar em 3 mil dos 42 mil hectares cultivados pela Agrícola Nova América. “A ideia é que a gente consiga realmente construir um mapa genético da microbiologia dos solos nas culturas que são mais relevantes no nosso país”, revela a pesquisadora da Biotrop, Juliana Marcolino Gomes.

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PHD em genética e biologia molecular pela Universidade Estadual de Londrina, ela lidera o programa de metagenoma da Biotrop e explica que o objetivo da empresa é desenvolver uma agricultura biológica de precisão, tal como existe hoje na indústria de defensivos e fertilizantes químicos. “Muitas vezes você aplica um biológico, mas não está tirando o máximo que você pode tirar dele. Nesses casos você tem que fazer uma composição diferente de biológicos porque não é só uma questão de dose. E sabendo como está a parte biológica do solo, aí sim você consegue dizer qual biológico é necessário para cada cultura”, observa Juliana.

O mapeamento é feito com o uso de marcadores genéticos, o que ajuda a acelerar o processo, conta a pesquisadora. “Não é uma análise simples e corriqueira. O tempo que demora depende bastante do objetivo, porque, depois que é feita a análise genética em si, o que demora cerca de um mês, tem outro trabalho de metadados, quando cruzamos essa informação genética com outras que são relevantes daquele campo, como as informações físico e químicos do solo e agrometeorológicas, explica. Ao todo, o processo leva pelo menos três meses.

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“Quando a gente fala hoje de metagenômica, na verdade, duas grandes engenheiras agrônomas já falavam sobre isso há algumas décadas atras: Joana Döbereiner e Ana Maria Primavesi. Mas isso era feito de forma muito pontual. Você não conseguia ver todos os microrganismos de uma vez só. Era preciso estudar cada um separadamente”, explica o pesquisador da Unesp ao destacar que em única colher de sopa de sopa existem mais fungos e bactérias do que habitantes no planeta.

Revolução biológica

Ainda nas fases iniciais de coleta de dados, o gerente de produção agrícola da Nova América, Graciano Balotta, conta que a empresa pretende obter um “filme” sobre o comportamento da lavoura e do solo ao longo do tempo. “Vamos fazer várias coletas durante vários anos para começa a entender e gerar informações para que, de fato, o manejo biológico seja feito por meio da geração de dados”, revela o engenheiro agrônomo ao destacar que o setor passa por uma “revolução biológica”.

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“A agronomia sempre se pautou muito na física e na química e a grande revolução é a  biologia. E a Nova América acredita nisso, acredita na revolução biológica e na produção mais sustentável e é por isso que a gente buscou essa parceria”, pontua Balotta ao destacar, entre outras funções biológicas, a fixação de nitrogênio. O nutriente, obtido através da ureia, é um dos que mais comprometem o balanço de emissões do setor agropecuário.

“A gente tem uma expectativa de que com essas informações a gente comece a fazer o manejo de nitrogênio muito mais assertivo e até utilizando bactérias que ajudam na fixação natural do nitrogênio que está no ar. Então é muito ampla as possibilidades e a expectativa é muito grande”, comenta o gerente de produção agrícola da Nova América.

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Além das funções de nutrição e defesa vegetal, a Biotrop está investindo na identificação de microrganismos que auxiliem na fixação de carbono no solo e na tolerância das plantas ao estresse hídrico, conta Juliana. A ideia, explica a pesquisadora, é isolá-los para disponibilizar ao mercado soluções para mitigar as emissões, visando o mercado de carbono.

“Numa área que tem interesse em aumentar o estoque de carbono no solo, o que é super interessante pra gerar créditos de carbono, se eu sei os microrganismos que eu devo aplicar e consigo identificar na área se eu tenho necessidade maior ou menor de aplicação desses microrganismos eu consigo fazer esse reforço, essa suplementação, e adicionar essa funcionalidade no solo”, completa Juliana.
Source: Rural

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