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Os incêndios em matas, usinas, canaviais e fazendas de café e gado que se intensificaram neste ano no interior paulista, devido à seca prolongada e às três geadas, têm causado muitos prejuízos também para os pequenos produtores que moram em assentamentos rurais, onde não há brigadas de incêndio, treinamento, carros ou equipamentos para o combate ao fogo.

Há relatos de incêndios em assentamentos de Ribeirão Preto, Promissão, Cajamar e Batatais nos últimos dois meses, mas o caso mais grave foi o da Fazenda Boa Sorte, em Restinga. Na última quinta (9/9), o fogo deixou um grande rastro de destruição no assentamento que tem 2.979 hectares e 154 famílias e só foi controlado na madrugada.

Assentamento rurais foram atingidos por incêndio em pelo menos cinco municípios (Foto: Arquivo pessoal)

 

Segundo a Fundação Instituto de Terras de São Paulo (Itesp), que presta assistência técnica ao assentamento, o fogo causou danos em 30% das plantações de café e em 50% das hortas, pastagens e árvores frutíferas. Além disso, 70% da área de reserva legal foi queimada e morreram mais de 70 animais, entre suínos, galinhas, vacas e cavalos.

O incêndio também atingiu instalações de seis barracões de armazenamento de máquinas, insumos e defensivos agrícolas, 3 tratores, caixas plásticas e bandejas para mudas, aproximadamente 30 mil metros de mangueiras de conduzir água para residências e irrigações, fiação elétrica e 3 bombas de puxar água. Uma casa centenária que pertencia à antiga Fepasa e deveria se tornar um centro cultural também foi destruída pelo fogo.

A Prefeitura de Restinga diz que o local ficou sem energia porque muitos postes queimaram e faltou também água porque o abastecimento vem de poços artesianos operados com bombas.

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Ailton Pacheco da Silva, que mora no assentamento desde a ocupação em 1989 pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ficou sem renda. Suas três vacas de leite que produziam 30 litros por dia sofreram queimaduras graves, inclusive nas tetas, e uma delas não está reagindo aos medicamentos. “Veterinários vieram ajudar, apliquei remédio, mas ela não está reagindo. Nem levanta mais”, diz Ailton, que também perdeu a produção de sua horta. “O fogo cozinhou tudo. Nunca vi nada igual. As labaredas subiam e voavam a mais de 300 metros.”

Eron Domingos da Rocha, assentado e presidente da Cooperativa de Leite do Boa Sorte, diz que a vegetação já estava bem seca pela falta de chuvas e geadas. Além disso, o calor e o vento estavam muito fortes. “As áreas de mata que circundam o assentamento já estavam queimando no dia anterior, mas o fogo tinha parado na beira do rio Sapucaí. Aí labaredas enormes saltaram e invadiram o assentamento, sem dar tempo às famílias de recolherem ou soltarem os animais. Só deu tempo mesmo de salvar as casas e as pessoas”.

Segundo Rocha, os assentados que moram mais perto da reserva foram os mais atingidos porque o fogo se alastrou rapidamente da mata para as plantações e instalações. Os produtores receberam a ajuda de brigadas de incêndio da vizinha usina Batatais e também do Corpo de Bombeiros.

“Foi o pior incêndio da história do assentamento”, diz Rocha, um dos pioneiros, acrescentando que agora os produtores estão rezando para que haja chuva suficiente para iniciar em outubro o plantio de soja nas áreas possíveis.

Fogo queimou plantações e feriu animais em assentamentos rurais no estado de São Paulo (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Nesta semana, os assentados estão fazendo arrecadações para ajudar as famílias que perderam tudo. Quem também está ajudando é a Prefeitura de Restinga, que ofereceu abrigo no ginásio municipal, roupas, colchões e alimentação para as famílias que ficaram desabrigadas e ainda mantém uma campanha online de arrecadação de doações em dinheiro e cestas básicas para socorrer os mais prejudicados.

A Prefeitura diz que água e energia foram religados no dia seguinte, mas muitos perderam suas mangueiras de acesso aos poços artesianos e estão recebendo ajuda do município para repor o material.

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São Paulo tem 17.194 famílias em 275 assentamentos. Desses, 140 estão sob gestão do Itesp. O restante é de responsabilidade do Instituto Nacional da Reforma Agrária (Incra). O órgão federal diz que não foi comunicado de nenhuma ocorrência de incêndios nos projetos sob sua responsabilidade neste ano. O Itesp relata que, além de Restinga, houve queimada de grande porte em Batatais, mas não há estimativas de quantos hectares foram atingidos.

Questionados sobre a ajuda aos produtores dos assentamentos após grandes incêndios, o Itesp respondeu que presta toda a assistência técnica necessária e dá o suporte para que tenham acesso a crédito para voltar a produzir. “Alguns produtores possuem seguro da safra quando fazem o projeto de custeio pelo Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura), principalmente nas áreas de café. Porém, como já colheram, não possuem direito ao seguro, que está relacionado à produção e não à planta”, diz nota da assessoria.

Animal atingido por fogo em assentamento (Foto: Arquivo Pessoal)

 

 

Já o Incra respondeu que não dispõe de política específica para mitigação de danos causados por incêndio e que a contratação de seguro é uma opção do assentado, em relação direta com as instituições financeiras, sem interferência do instituto.

Kelli Mafort, da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que estima em 12 mil as famílias de assentadas ligadas ao movimento no Estado, diz que a falta de políticas públicas de educação, prevenção e combate ao fogo torna os assentamentos rurais mais suscetíveis a danos por fogo.

“Faltam aceiros nas áreas de reserva, onde o fogo se propaga rapidamente, os assentados não têm equipamentos, como abafadores, luvas, máscaras, nem treinamentos ou programas de educação ambiental para prevenir e combater incêndios. Além disso, não há coleta de lixo, então muitos colocam fogo para se livrar do lixo.”

Segundo a coordenadora, falta também acesso a seguro agrícola e poucos recebem assistência técnica.

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Source: Rural

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