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O recado não poderia ser mais claro, afirma Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas (IPCC): é preciso reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) o mais rápido possível. No mais recente relatório sobre o clima, o IPCC reforçou o alerta e concluiu: a ação humana é, sim, responsável pela situação atual, que se mostra, por exemplo, na forma de eventos climáticos extremos pelo mundo. Mais do que tratar apenas das questões ambientais, é preciso mudar o sistema socioeconômico, diz o professor, em entrevista à Globo Rural. Mas nem tudo está perdido, pondera ele. Agindo com urgência, ainda é possível evitar os efeitos catastróficos das mudanças climáticas, que afetam o agronegócio e a produção de alimentos. No entanto, é preciso uma mudança de mentalidade.

Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e integrante do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) (Foto: Rogério Albuquerque)

GLOBO RURAL: O relatório mais recente do IPCC coloca a questão das mudanças climáticas como incontestável. Que recado os cientistas estão passando para a sociedade?
PAULO ARTAXO: O recado do IPCC não poderia ser mais claro para a humanidade, de que nós precisamos reduzir as emissões de gases de efeito estufa o mais urgente possível, o mais rápido possível e da maneira mais intensa que a sociedade e a economia puderem fazer.  Porque, se não fizermos isso, podemos deixar para as próximas gerações um clima muito menos ameno, por exemplo, para a produção de alimentos e para a própria sustentabilidade do nosso planeta. Então, a mensagem é muito clara, de que precisamos mudar nosso sistema socioeconômico o mais rápido possível para garantir uma mínima sustentabilidade para essa geração e para as futuras gerações do nosso planeta.

GR: Quais sãos as consequências socioeconômicas caso esse cenário se agrave nas próximas décadas?
ARTAXO: A necessidade de mudança de mentalidade é evidente, porque um sistema econômico em que empresas e governos fazem planejamento para dois ou quatro anos sem
que ninguém pense, na verdade, no destino da humanidade daqui a dez, 20 ou 50 anos, hoje já não é mais sustentável. A segunda questão é que estamos utilizando os recursos naturais do nosso planeta muito além da capacidade para garantir a sua sustentabilidade. Ao fazer isso, estamos comprometendo a segurança alimentar, a segurança energética da atual geração e das próximas. Por exemplo, uma empresa não pode pensar em destruir a Amazônia, porque a Amazônia, em parte, gera a chuva que alimenta a sua própria lavoura no Brasil central. Ao devastar a Amazônia, essas empresas estão dando um tiro no próprio pé e no clima futuro do Brasil.

GR: A agricultura brasileira neste ano enfrentou estiagem e geadas fortes. Isso já é um reflexo das mudanças climáticas?
ARTAXO: Não há dúvida de que o termo mudanças climáticas deixa claro que o clima está mudando. E, na verdade, você não precisa nem ser cientista para observar que o clima está mudando, e essa mudança é atribuída às alterações que o homem está fazendo no meio ambiente. O último relatório do IPCC deixa isso claríssimo. É um trabalho de 17 mil cientistas, ao longo de cinco anos de esforço, que mostra claramente que o homem é o culpado desses eventos climáticos extremos. E o IPCC faz previsões sobre o futuro desses eventos  climáticos extremos. Uma dessas previsões é a de que secas na agricultura vão ser quatro vezes mais fortes e mais frequentes ao longo dos próximos anos do que eram antes de a gente alterar a atmosfera.

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GR: Qual seria o papel do Brasil nesse contexto?
ARTAXO: O Brasil tem um papel central nas mudanças climáticas, por várias razões. Primeiro, pelas vulnerabilidades de um país continental em um mundo em que o clima está mudando. Em algumas regiões do Nordeste, a temperatura aumentou 2,4º Celcius e as chuvas caíram 30%. Não são projeções para o futuro. Isso está acontecendo hoje. Basta observarmos. A Embrapa tem muitos estudos sobre a vulnerabilidade do agronegócio brasileiro. Então, o forçante principal, como a gente diz, são a mudança climática e o desmatamento da Amazônia, porque a ciência já deixoumuito claro que muito da chuva e do vapor de água que é transportado para a região central do Brasil – Mato Grosso, Goiás, Tocantins, etc. – é fruto da evapotranspiração da Floresta Amazônica.

GR: Encontrar essa solução como país, como nação, passa pelo quê, professor?
ARTAXO: Primeiro, passa pela reestruturação e o restabelecimento da legislação ambiental que trata da manutenção dos nossos ecossistemas. A pior coisa que o Brasil pode fazer é destruir os ecossistemas que são chave para a sustentabilidade a médio e longo prazos. E não estamos falando só da Amazônia. Estamos falando do Pantanal, do Semiárido, do Cerrado brasileiro, e assim por diante. Se quisermos que o Brasil tenha um futuro, é melhor trabalharmos na manutenção dos serviços ecossistêmicos, tais como chuva, regulação de temperatura, que os ecossistemas naturais estão fazendo.

Esperamos que o Brasil corrija o seu rumo para que possa ser respeitado de novo nas mesas de negociações internacionais"

Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e integrante do IPCC

GR: Quer dizer, passa por política pública…
ARTAXO: Sempre passa por política pública. Nós passamos do ponto em que ações individuais poderiam contribuir para a questão da preservação dos ecossistemas e da destruição a longo prazo dos nossos recursos naturais. O que precisamos é de políticas
públicas baseadas em ciência, implementadas em longo prazo e como se fossem um programa de nação, não de um governo. Nem desse atual governo,nem de um próximo, nem de um passado. Precisamos agir como nação, olhar para o futuro e pensar que Brasil queremos para o futuro, e isso deve orientar as ações na questão ambiental, na questão climática e também na questão social.

GR: As políticas públicas devem ter uma implantação efetiva também?
ARTAXO: Toda política pública sem um plano concreto, viável de implementação, obviamente é uma política pública que vai morrer na véspera. O Brasil já tem, por exemplo, o Código Florestal, que foi desenhado para proteger uma fração pequena dos serviços ecossistêmicos que a natureza faz para manter o próprio agronegócio, para manter a própria manutenção da chuva, da precipitação, da regulação, da saúde das bacias hidrográficas brasileiras. Veja que, mesmo assim, há um boicote ao Cadastro Ambiental Rural, que até hoje ainda não foi implementado. Sem você saber quem está desmatando, o CPF, o CNPJ de uma área que está queimando na Amazônia, fica muito difícil. Agora, o que não se pode fazer é incentivar invasão de terras públicas e de terras indígenas protegidas pela Constituição brasileira, porque isso se trata de crimes ambientais.

Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP e integrante do IPCC (Foto: Rogério Albuquerque)

 

GR: Até que ponto é importante o setor privado ocupar esse espaço e até que ponto pode acomodar a ausência de uma política pública?
ARTAXO: É uma boa questão. É importante a mensagem, não poderia ser mais clara, de que, sem o engajamento do setor privado, não teremos saída para a questão das mudanças climáticas globais. É essencial o engajamento forte do setor privado. Vemos, recentemente, produtores de carne abrindo fundos para a preservação da Amazônia, o que é bom para o país e para a própria empresa. Porque a empresa começou a perceber que depende da chuva que é produzida pela evapotranspiração da Floresta Amazônica para o seu próprio negócio. Então, hoje, muitos empresários já perceberam e estão diminuindo suas vulnerabilidades e os riscos ambientais, implementando políticas de governança em suas empresas, levandoemconta sua responsabilidade social, e assim por diante.

GR: Como o senhor vê a questão do boicote a produtos brasileiros que estejam associados aos desmatamento? 
ARTAXO: Muitos empresários já estão atuando contra essa questão. O que é muito positivo como um todo. E a COP 26, por exemplo, que é a conferência das partes que vai acontecer no final de outubro deste ano em Glasgow, na Escócia, pode, por exemplo, começar a transformar as reduções voluntárias das emissões de gases de efeito estufa do acordo de Paris em vinculações obrigatórias. Então, se o Brasil prometeu zerar o desmatamento ilegal até 2030, isso pode começar agora a ser uma política que seja um compromisso que seja muito mais sério que o atual compromisso. A dinâmica das mudanças globais está aumentando muito, basicamente porque os eventos climáticos extremos bateram na porta dos países desenvolvidos, Alemanha, China, Estados Unidos, e com isso o panorama está mudando muito rapidamente.

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GR: É possível conciliar desenvolvimento econômico com uma produção em escala e sustentabilidade?
ARTAXO: Essa dicotomia entre produtividade agrícola e meio ambiente, na verdade, nunca existiu. Essa dicotomia não existe. Na verdade, o que existe é se você quer garantir a sustentabilidade do seu negócio a médio e longo prazos, é melhor você respeitar o meio ambiente, porque não há setor que dependa tanto das questões ambientais como o agronegócio. Isso é óbvio. Depende da chuva na quantidade certa e na hora certa, depende de frentes frias, geadas, como a que tivemos recentemente, que podem trazer prejuízos enormes para a agricultura, e vai por aí afora. Então, na verdade, é um setor que depende da manutenção adequada do meio ambiente para o seu próprio negócio. Essa ficha está caindo, eu acredito, e acredito que vai haver uma mentalidade muito diferente do que havia dez ou vinte anos atrás. O mundo está se tornando mais competitivo, o mundo vai reagir, por exemplo, a ações corporativas que não respeitem o meio ambiente, a questão social, a questão da governança. E isso é uma tendência, eu acredito, não vai ter volta. Se o Brasil quiser manter suas práticas do século passado, as empresas que optarem por isso vão ter muito menos sucesso empresarial do que as empresas mais modernas, adaptadas a esse novo sistema, que, acho, é o futuro da economia brasileira. 

GR: Em que condição o Brasil chega à próxima Conferência do Clima? 
ARTAXO: Infelizmente, o Brasil perdeu muito espaço, confiabilidade e perdeu protagonismo internacional. Isso é muito ruim para os negócios brasileiros. Isso é muito ruim para a credibilidade do Brasil. O que precisamos fazer é retomar esse espaço perdido pelo Brasil, mudando a direção da política nacional, tanto ambiental quanto do clima, e também na política econômica. Esperamos que o Brasil acorde para o desastre que está fazendo e corrija o seu rumo para que possa ser respeitado de novo nas mesas de negociações internacionais.
Source: Rural

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