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“Sabemos que o fogo virá certamente, mas estamos preparados para apagar.” Quem garante é o produtor rural Pelerson Penido Dalla Vechia, da fazenda Roncador, em Querência (MT), de 157 mil hectares, que mantém uma equipe treinada de brigadistas de 82 pessoas entre seus 350 funcionários e tem ainda parceria com os brigadistas da ONG Aliança da Terra, que foram treinados com o apoio do Serviço Florestal Americano (US Forest Service), os chamados “smokejumpers”.

Marcas de incêndio na Fazenda Roncador. Propriedade tem equipe de 82 brigadistas para combater as chamas (Foto: Fazenda Roncador)

 

Entre os dias 18 e 20 de agosto, os brigadistas da Roncador deixaram de fazer a adubação da terra visando o plantio de grãos para combater três focos de incêndio nas margens da propriedade, que tem 72 mil hectares de mata e é uma das maiores do país. Penido conta que, no ano passado, a equipe enfrentou seu maior desafio dos últimos anos: levou seis dias para apagar um incêndio em uma mata da fazenda cujo acesso é feito apenas de barco, após quatro horas de viagem. “A equipe, a cada dia mais numerosa, saía de madrugada para combater o fogo e teve a ajuda fundamental dos brigadistas da Aliança.”

A Roncador é uma das 2.500 propriedades privadas que integram a plataforma Produzindo Certo, criada em 2019 pela Aliança da Terra para fazer um diagnóstico de como melhorar a sustentabilidade sócio-ambiental das fazendas e comunicar isso ao mercado. Aline Locks, CEO da Produzindo Certo, diz que a prevenção e o combate ao fogo são itens avaliados na plataforma que oferece assistência técnica para melhoria contínua de todos os processos, incluindo o combate a incêndios. A Produzindo Certo atua em 15 estados mais o DF, totalizando 6,3 milhões de hectares monitorados.

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A parceria não se restringe aos produtores rurais como Penido. Atinge também empresas interessadas em investir para garantir uma rede de fornecedores que atenda às exigências sócioambientais do mercado. A JBS foi uma das empresas que firmou parceria neste ano com a Brigada Aliança e está financiando cinco equipes que atuam em municípios críticos para incêndio: Araputanga, Cáceres, Poconé e Pedra Preta, no Mato Grosso, e Anastácio, no Mato Grosso do Sul. No total, são monitorados 2 milhões de hectares.

Os brigadistas bancados pela JBS, que não revela o valor do investimento, apoiam os produtores rurais da região do Pantanal, que foi uma das áreas mais atingidas por incêndios florestais no ano passado com a perda de 1,35 milhão de hectares. Neste ano, as áreas queimadas somam quase 262 mil hectares, bem menos que a devastação de 2020, mas acima da média histórica, segundo dados do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), órgão vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Integrantes da Brigada Aliança. Grupo tem parcerias com empresas e produtores rurais para combate a incêndios (Foto: Divulgação)

Nessa parceria com as empresas, os produtores não pagam nada e, além de ter ajuda dos brigadistas para o combate ao fogo, têm acesso a treinamentos para seus funcionários, visando elevar sua capacidade de prevenção e agilizar as reações aos incêndios. As orientações incluem construção e manutenção de aceiros, a gestão dos combustíveis, a identificação de áreas de risco e os equipamentos necessários para fazer o primeiro combate aos focos de incêndio.

Carolina Nóbrega, coordenadora da Aliança da Terra, explica que a Brigada Aliança surgiu por demanda de produtores do Mato Grosso que tinham grande índice de queimadas. Em mais de dez anos de atuação, os brigadistas acumulam cerca de 500 incêndios combatidos e mais de 133 mil horas/homem de ação.

Além das propriedades privadas, eles atuam também em Unidades de Conservação (UCs), em apoio às equipes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e em parceria com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás. A atuação é contínua: fora do período das queimadas, capacitam pessoas para a prevenção e o combate ao fogo.

Pesquisa

O trabalho dos brigadistas da Aliança e do ICMBio foi analisado em  um estudo do Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que demonstrou o custo e a efetividade do investimento em manejo dos incêndios florestais nos biomas Amazônia e Cerrado. Aline Oliveira, uma das nove pesquisadoras que assina o estudo publicado em abril deste ano pelo jornal científico Forest Policy and Economics, diz que o alerta surgiu com a redução orçamentária federal de 58% para as brigadas em 2019, em relação ao ano anterior, segundo dados do Portal da Transparência.

“Será que as brigadas não são efetivas? Foi a pergunta que nós fizemos, já que o fogo estava aumentando e o dinheiro para o combate estava sendo reduzido.”

A equipe de pesquisadores comparou, então, as despesas orçamentárias do programa de manejo de incêndios do setor público (ICMBio) e do setor privado (Aliança) no período de 2012 a 2016. Foi analisado o histórico das áreas queimadas por meio de imagens de satélites para verificar se houve redução de áreas queimadas após a instalação das brigadas.Nos locais em que não havia brigadas atuando no período determinado, o grupo observou áreas similares próximas que tinham a mesma vegetação e o mesmo clima.

“Constatamos uma redução significativa após a atuação das brigadas”, diz Aline, que é geógrafa, com mestrado em análise e modelos ambientais e pós-doutorado em meteorologia.

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Nas áreas das UCs, a redução foi de 12%, acrescida de mais 6% quando o local possui brigada permanente de combate ao fogo. O investimento nessas áreas foi de US$ 0,51 por hectare ano no bioma Amazônia e de US$ 5,32 no Cerrado. Já nas propriedades privadas atendidas pela Aliança, que tiveram investimento de US$ 15,89 por hectare ano, a redução atingiu 50%.

A pesquisa também mostrou que 94% do investimento público em manejo de fogo nas UCs é gasto apenas com atividades de combate, apontando que, para ser mais efetivo, deveria haver um equilíbrio entre prevenção e supressão de incêndios nos dois biomas.

Na conclusão, os pesquisadores apontam que os resultados apoiam a necessidade de uma abordagem mais abrangente de manejo integrado do fogo. Além das atividades terrestres, deveriam ser incluídas análises de custo-benefício junto com inteligência territorial baseada em modelagem de computador de última geração, capaz de identificar em tempo quase real o risco de propagação do fogo. “Tudo isso ajudará a direcionar os esforços para domar os riscos cada vez maiores de incêndios florestais devido ao clima mais quente e ao desmatamento contínuo.”

Integrantes da Brigada Aliança em ação de combate ao fogo, em Mato Grosso. Pesquisa demonstrou efetividade das ações desses grupos na redução de focos de incêndio em propriedades privadas e unidades de conservação (Foto: Divulgação/Brigada Aliança)

 

 

Para Aline Silva, que, atualmente, trabalha em Coimbra com um grupo de pesquisadores que busca soluções para o combate ao fogo nas áreas de interface entre as indústrias e as florestas portuguesas, com o afrouxamento das políticas públicas de preservação do meio ambiente, vai ser muito difícil obter melhores resultados no Brasil.

Em 2019, o orçamento do ICMBio, que cuida da gestão de 334 Unidades de Conservação Federal, foi de R$ 883,2 milhões, valor que caiu para R$ 679,4 milhões em 2020 e para R$ 609,1 milhões neste ano, segundo dados do Portal da Transparência, do Governo Federal.

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Apesar da redução, a assessoria de comunicação do ICMBio diz que o órgão tem hoje 1.527 brigadistas, o maior número dos últimos anos e que as equipes são permanentes em 127 unidades espalhadas pelo país, onde foi identificada a necessidade maior pelo histórico de ocorrências.

Os brigadistas do ICMBio, segundo o órgão, são contratados e treinados para realizarem ações preventivas, como a confecção de aceiros, queimas prescritas, melhorias das estradas para deslocamento mais rápido das equipes, educação ambiental para conscientização de moradores, criação e treinamento de brigadas voluntárias e manutenção de equipamentos. No período das ocorrências de queimadas, combatem incêndios nas suas unidades e em outras localidades onde seja necessário.

Atualmente 24 brigadas estão combatendo incêndios na Amazônia e 26 no Cerrado. “Neste ano, a atuação das brigadas do ICMBio evitou dois grandes incêndios no Parque Nacional da Serra da Bodoquena, em Bonito (MS)”, diz a assessoria.

Agrobrigadas

Carolina, da Brigada Aliança, conta que há 12 bases espalhadas neste ano pelos biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal. Chamadas de agrobrigadas, cada equipe tem pelo menos cinco combatentes, carros e equipamentos. Segundo ela, há um aumento crescente de conscientização dos produtores sobre a necessidade de investir no combate às queimadas.

“O prejuízo para eles é muito grande. Além de perdas de pastagens, de produção agrícola, de maquinários e benfeitorias, ainda têm prejuízo para os anos seguintes com a degradação do solo, que pode levar de dois a três anos para se recuperar”. Ela lembra de um pecuarista de Goiás que teve um curral com animais inseminados destruído pelo fogo. “Ele perdeu o trabalho de uma vida.”

Foco de incêndio em área de vegetação na Fazenda Roncador, em Mato Grosso. Para representantes da Brigada Aliança, produtores rurais estão cada vez mais conscientes da necessidade de investir em combate ao fogo (Foto: Fazenda Roncador)

 

Penido, da fazenda Roncador, não contabiliza perdas nas áreas produtivas nos últimos anos, mas conta que os brigadistas fazem vigilância constante de moto ou carro na mata atras dos focos de incêndio, sejam naturais, causados por raios, por exemplo, sejam criminosos. Se um for indentificado, é dado o alarme e são formadas as equipes de combate. Ele conta que foram construídos aceiros por toda a fazenda, incluindo um muito grande na beira da estrada, para evitar a chegada do fogo.

Em agosto e setembro, a vigilância é reforçada. “Nesses meses de seca, a gente arranca os cabelos diariamente e fica todo mundo de olho em qualquer sinal de fumaça. Além da questão econômica, tem a questão ambiental.”

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Segundo Penido, o produtor rural não pode deixar a mata queimar, porque causa perda da biodiversidade e ele tem a responsabilidade de cuidar bem da área sob sua gestão. A fazenda Roncador tem nota 90 na questão ambiental, 93 no social e 100 no bem-estar animal na certificação da Produzindo Certo. Por conta desse desempenho, a soja obtém remuneração extra no mercado.

A JBS informou, em nota, que, além de financiar as cinco equipes da Brigada Aliança, está investindo em um projeto inovador para prevenção e combate a incêndios no Pantanal. “A iniciativa utiliza inteligência artificial através de uma plataforma integrada para gestão de incêndios que cruza informações vindas de satélites, imagens de câmeras posicionadas em torres instaladas em fazendas, dados meteorológicos e histórico de fogo no local para emitir alertas em tempo real sobre casos de incêndio, além de investimentos no trabalho de campo, com brigadas na linha de frente dos focos.”
Source: Rural

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