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Edes Simões, produtor de soja e milho há 29 anos em Indiara, no sul de Goiás, concluiu que  estava perdendo produtividade no campo por causa da falta de chuvas na época de  desenvolvimento das plantas, especialmente na safrinha, e por isso decidiu investir em um pivô de irrigação. Ele instalou um equipamento automatizado em outubro de 2020 para irrigar 90 de seus 630 hectares.

O crescimento anual da área irrigada, que era de 250 mil hectares, deve atingir 350 mil hectares neste ano (Foto: Cristiano Borges)

 

“Foi um investimento grande, com recursos próprios, de cerca de R$ 1,2 milhão, porque tive de gastar também com um gerador movido a diesel, mas valeu muito a pena, pois praticamente dobrou meu lucro”, diz Simões, acrescentando que a produtividade do seu milho irrigado atingiu 120 sacas, em comparação às 58 sacas do grão de sequeiro. O gerador foi necessário porque a fonte de energia elétrica mais próxima fica a 11 quilômetros. 

O produtor também teve de improvisar para ligar o pivô, em vez de aproveitar a tecnologia  embarcada no equipamento, que lhe permite programar e ligar o sistema à distância pelo celular. “Como a internet é muito lenta na fazenda, o jeito foi enviar um funcionário de motocicleta para ligar o pivô manualmente.”

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Mesmo com esses percalços, Simões, de 70 anos, nascido em Ituverava (SP), já estuda investir em mais um pivô no próximo ano, quando pretende cultivar três safras ao longo do ciclo  agrícola. Também está em seus planos a instalação de placas solares para a geração de energia.

Produtor Edes Simões investiu R$ 1,2 milhão para irrigar 90 de seus 630 hectares (Foto: Cristiano Borges)

 

Quem já investiu em mais pivôs foi a engenheira agrônoma de 25 anos Luana Belusso, de Nova Ubiratã, no norte de Mato Grosso. Sucessora dos pais junto com o irmão, Nathan, em uma área cultivada de 2.500 hectares, ela decidiu instalar neste ano mais três pivôs para irrigar 270 hectares. Em 2017, a família havia comprado os primeiros pivôs, para cobrir 420 hectares. 

“A gente já tinha o projeto de ampliação e decidimos investir agora por causa da alta  rentabilidade das commodities e pelo interesse em plantar feijão para atender ao mercado interno. O plano é ganhar mais uma safra por ano.” O investimento estimado é de R$ 4,3 milhões.

Luana, que integra o movimento Agroligadas (formado por mulheres de várias cadeias do agro, visando aproximar o campo e a cidade por meio de ações de educação e comunicação), afirma que vale a pena investir na irrigação, pois a tecnologia permite produzir mais sem comprar novas terras. “Usando o pivô, a partir do final do vazio sanitário em Mato Grosso, já começo a plantar a soja. Antecipando, posso obter mais valor agregado em janeiro, quando há pouco volume do grão no mercado.”

Os investimentos de produtores entrantes como Simões e já irrigantes como Luana permitiram às empresas do setor elevar suas vendas de equipamentos de irrigação no ano passado em cerca de 20%. A projeção para este ano é de um aumento ainda maior, por volta de 35% a 50%. Este último percentual é a aposta de crescimento da Lindsay, empresa do Estado de Nebraska (EUA), especialista em pivôs, que está no Brasil desde 2002.

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“O setor de irrigação está vendendo mais que o de máquinas agrícolas. Graças à  lucratividade das grandes culturas, o produtor está investindo para produzir mais na mesma área e fazer seis ou cinco safras em dois anos”, diz Eduardo Navarro, CEO da indústria, que tem 25 revendas espalhadas pelas principais regiões produtoras.

“O mercado está muito aquecido. Até ano passado, o crescimento anual de área irrigada era de 250 mil hectares. Neste ano, a tendência é chegar a 350 mil hectares”, diz Renato Silva, diretor-presidente da Valmont, companhia americana pioneira em irrigação no Brasil desde
1978 e líder de mercado. A indústria, que tem cem revendas, está investindo R$ 60 milhões para elevar em 40% a capacidade de sua fábrica em Uberaba (MG), que deve produzir 2 mil pivôs por ano a partir de julho de 2022. 

“É o maior crescimento da última década. No ano passado, nossas vendas aumentaram de 20% a 25%. Neste ano, devemos crescer 35%”, diz Ricardo Almeida, CEO Mercosul da Netafim, empresa israelense que atua no Brasil há 30 anos e atende a 80 tipos diferentes
de cultivos, por meio de 2.200 revendas. A Netafim responde por 40% do mercado nacional de irrigação por gotejamento e microaspersão.

Almeida resume a três os fatores que levaram ao aumento de vendas do setor: bons preços das commodities; promoção da tecnologia por cooperativas e associações; e memória da estiagem. Ele lembra que a seca atrasou o plantio da soja e prejudicou a produtividade do milho safrinha em quase todas as regiões.

No ano passado, nossas vendas aumentaram de 20% a 25%. Neste ano, devemos crescer 35%"

Ricardo Almeida, CEO Mercosul da Netafim

O aumento de recursos do Plano Safra, que lançou o programa Pró-Irriga, com R$ 1,35  bilhão (29% a mais do que no ano anterior), tambémé um incentivo e passa a mensagem de que investir na tecnologia garante mais produtividade, sustentabilidade e segurança alimentar. 

“Mesmo com o aumento, os recursos do Pró-Irriga devem acabar já no primeiro trimestre de 2022. Se a taxa Selic continuar nos atuais patamares, ainda será viável usar outras linhas que se balizam pelos juros do Plano Safra”, diz o presidente da Valmont.

Segundo o Atlas da Irrigação 2021, lançado pela Agência Nacional de Águas (ANA), 49,8% das águas disponíveis em reservatórios no Brasil são usadas para irrigação. Em segundo lugar, vemo abastecimento humano urbano, com 24,3%, seguido por indústria (9,7%), água para animais (8,4%), termelétricas (4,5%), abastecimento humano rural (1,65%) e mineração (1,7%).

O total de área irrigada no país é de 8,2 milhões de hectares, sendo 64,5% água de mananciais e 25,5% de fertirrigação com água de reúso. Arroz, café e cana-de-açúcar ainda são as culturas mais irrigadas, e São Paulo, Rio Grande do Sul e MinasGerais são os Estados mais irrigados. Mas vem crescendo o uso de pivô central para soja e milho, especialmente no Centro-Oeste.

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A agência estima que a irrigação proporciona um aumento de produtividade de duas a três vezes em relação ao sequeiro e que a área irrigada no país deve crescer 4,2 milhões de hectares até 2040. O uso da água, no entanto, deve crescer menos, devido à modernização do setor e à consciência cada vez maior de que água é um recurso precioso. 

Segundo a ANA, a área adicional irrigável no país é de 55,85 milhões de hectares, sendo 26,6 milhões sobre áreas agrícolas, 26,7 milhões sobre pastagens e mais 2,43 milhões em áreas que só têm disponibilidade hídrica subterrânea. Ou seja, apenas 22% da área antropizada atualmente com uso agropecuário no país pode ser irrigada, por causa das limitações na disponibilidade hídrica dos mananciais locais.

Para instalar um projeto de irrigação, o produtor precisa pedir a autorização para o uso da água, chamada de outorga, ao órgão público que gerencie os recursos hídricos da região. Simões, o produtor goiano que abre este texto, reclama da burocracia e diz que demorou cinco anos para conseguir abrir a represa e obter a outorga. Segundo os dirigentes das indústrias, a governança sobre as outorgas é bem estabelecida no país.

Para o setor, a crise hídrica enfrentada pelo país é mais um incentivo para o investimento em irrigação. “O setor é considerado erroneamente por alguns como gastador e vilão do uso da água, mas irrigar significa usar racionalmente a água no momento e no volume corretos para garantir uma maior produção de alimentos. Ou seja, irrigar é também uma questão de segurança alimentar”, diz Navarro, da Lindsay. 

O CEO afirma que o avanço da tecnologia permitiu uma redução de 20% no gasto com água e energia nas fazendas nos últimos anos. “Antes, o produtor usava o pé da bota para saber quando deveria irrigar. Hoje, sensores integrados a estações meteorológicas avisam quando a lavoura vai entrar em estresse hídrico.”

Os gastos de energia elétrica na irrigação, de acordo com as indústrias, também são  racionais, porque os equipamentos são ligados geralmente à noite, fora dos horários de pico, para evitar uma conta proibitiva. O setor incentiva os clientes a investir em fontes de energia renovável, como a solar, para reduzir os gastos com energia. A Valmont, por exemplo, adicionou a seu portfólio soluções de energia fotovoltaica.

A irrigação proporciona um aumento de produtividade de duas a três vezes em relação ao sequeiro (Foto: Cristiano Borges)

 

Luís Henrique Bassoi, pesquisador especialista em irrigação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), diz que a agricultura irrigada em todo o mundo utiliza muita água, por causa dos processos de crescimento e desenvolvimento das plantas, e a maior parte da água usada é devolvida à atmosfera por meio da evapotranspiração das plantas, fica armazenada no solo ou é drenada para rios, lagos, lençol freático, etc. “Uma outra parte da água constitui os tecidos vegetais dos produtos agrícolas. Quando consumimos alimentos, também ingerimos um pouco de água. Então, deixar de usar a irrigação é deixar de produzir alimentos.”

Para o pesquisador, no cenário de crise hídrica, poderá haver a necessidade de priorizar ou restringir o uso da água para um determinado setor, mas, se os usuários irrigantes tiverem o fornecimento de água reduzido, poderá haver uma menor produção agrícola por área.

Para Malu Ribeiro, diretora de políticas públicas da ONG SOS Mata Atlântica, é preciso que haja investimentos em tecnologia, regulação eficiente e instrumentos de gestão e governança para que a irrigação, uma tecnologia necessária, ocorra de forma sustentável.

"O principal instrumento para isso é a cobrança pelo uso da água. Quem usar de forma perdulária vai pagar muito alto por isso e pode não ter a outorga. Infelizmente, uma parte do agronegócio é retrógrada e faz pressão para não pagar pelo uso da água.” Para a diretora, nesse momento de crise hídrica, é inadmissível o aumento exponencial de equipamentos para irrigação.

No Brasil, a média de cobertura dos pivôs é de 77 hectares, mas há equipamentos que irrigam até 340 hectares. Uma tendência para os próximos anos é a integração das tecnologias de pivô e gotejamento. “Minha visão de futuro é a harmonização dos dois sistemas. Em Mato Grosso, o gotejamento já complementa algumas áreas de pivô central para garantir uma irrigação completa de áreas de grãos”, explica Almeida, da Netafim, que estima entre R$ 15 mil e R$ 25 mil o gasto por hectare para um projeto de irrigação por gotejamento para a maioria das culturas.
Source: Rural

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