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Apesar de seus 7,5 mil quilômetros de costa marítima, o Brasil não é uma potência na pesca mundial, mas é um dos principais autores de uma proposta em discussão na Organização Mundial do Comércio (OMC) que visa proibir subsídios governamentais que mascaram os custos operacionais da atividade, levando à sobrecapacidade e à sobrepesca em várias partes do mundo.

A proposta atende os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Segundo dados de 2017 da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), metade dos estoques pesqueiros vem sendo explorada em níveis excessivos e outros 40% em sua capacidade máxima, não havendo espaço para aumento de produção em curto prazo.

Na foto, barcos de pesca na Praia do Forte em Salvador (Foto: Wikimedia Commons)

 

A proposta defendida pelo Brasil sugere tratamento especial e diferenciado (TED) às nações com menor grau de desenvolvimento econômico e predomínio da pesca de pequena escala, categoria em que o país se encaixa. A ideia é que esses países sejam menos afetados pelos cortes de subsídios do que aqueles onde predomina a pesca industrial de grande escala.

Essa discussão dos subsídios da pesca mundial se arrasta há quase 20 anos e teve novo capítulo em 15 de julho em reunião preparatória da XII Conferência Ministerial da OMC, em novembro próximo. Mais uma vez, não houve acordo entre os 116 países participantes.

“Países em menor grau de desenvolvimento econômico e com predomínio de pesca de pequena escala devem ser proporcionalmente menos afetados com cortes a políticas de subsídios do que aqueles já constituídos como potências pesqueiras e predomínio de pesca de grande escala, operações em mares distantes e embarcações industriais”, justificou à Globo Rural o secretário nacional da Pesca e Aquicultura, Jorge Seif Junior.

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Ele afirma que o Brasil oferece subsídios para reforma e modernização das embarcações de pequeno porte por meio do Programa de Revitalização da Frota Pesqueira Artesanal (Revitaliza) e para construção de novas embarcações de pequeno porte por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Há também subvenção com isenção integral do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias) na aquisição de óleo diesel.

Segundo dados da Secretaria da Pesca, desde 2014, os subsídios previstos na Lei Orçamentária Anual (LOA) para o óleo diesel da pesca somam R$ 85,1 milhões, com queda todos os anos. Para 2021, a previsão é de R$ 1,3 milhão ante os R$ 3,6 milhões do ano passado e os R$ 4,2 milhões de 2019.

Eduardo Lobo Naslavsky, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), diz que as políticas públicas de fomento à atividade pesqueira, incluindo recursos financeiros para aquisição ou reforma de embarcações, cumprem papel fundamental no processo de modernização setorial, gerando ganhos em eficiência produtiva e ambiental. Ele ressalta, no entanto, que, na prática, são feitos poucos financiamentos públicos ou privados para o setor que, diferentemente da Europa e Ásia, não é composto por grandes grupos econômicos.

“Os pescadores não conseguem ofertar garantias exigidas pelo sistema financeiro nacional. As indústrias de pescados, único elo entre o mercado financeiro e esse público rejeitado pelos bancos, é quem desempenha um papel similar aos das cooperativas agropecuárias, financiando desde a armação das embarcações até a reforma, sem recorrer aos recursos públicos ou subsídios governamentais.” 

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O oceanógrafo Martin Dias, diretor científico da Oceana Brasil, organização sem fins lucrativos para conservação oceânica, diz que o valor dos subsídios concedidos pelo Brasil, que nunca passaram de R$ 20 milhões, nem se compara ao das grandes potências na pesca. Ele avalia, no entanto, que o tema é controverso por mascarar os custos da atividade.

“O problema no Brasil é que não se tem noção dos estoques de pescados porque falta informação. As estimativas são feitas com base em modelos matemáticos e estatísticos. Como você não tem dados precisos, os subsídios são dotados de incerteza ambiental absurda porque continua bancando frotas a atuarem no mar e não sabe se está levando algumas espécies ao colapso. Um governo com uma política responsável de pesca deveria estar fazendo uma auditoria geral nos estoques de pesca do Brasil."

Ele acrescenta que, no ano passado a Oceana fez um relatório que analisou 118 estoques pesqueiros do Brasil e só tinha informação de 6% deles. O oceanógrafo conta que existem dois tipos de subsídios: os bons, que contribuem para a gestão da pesca, reduzindo a pressão sobre determinados estoques, e os prejudiciais, que mantêm embarcações e pescarias com uma aparente lucratividade, mas que na realidade estão sistematicamente em prejuízo pela escassez de pescado.

“As grandes potências oferecem altos subsídios para a pesca. A China, por exemplo, é pouco transparente, mas é a maior detentora de frotas que operam em locais distantes de sua costa, com cerca de 20 mil embarcações. Há casos de navios que ficam até quatro anos sem voltar para o porto.”

Os pescadores não conseguem ofertar garantias exigidas pelo sistema financeiro nacional. As indústrias de pescados, único elo entre o mercado financeiro e esse público rejeitado pelos bancos, é quem desempenha um papel similar aos das cooperativas agropecuárias"

Eduardo Lobo Naslavsky, presidente da Abipesca

Martins afirmou que um estudo com dados de 2018 feito pelo maior especialista em subsídios da pesca, Rashid Sumaila, da Universidade de British Columbia, apoiado pela Oceana, concluiu que China, Japão, Coreia do Sul, Rússia, EUA, Tailândia, Taiwan, Espanha, Indonésia e Noruega são os 10 maiores fornecedores mundiais de subsídios à pesca, com um valor total acumulado de US$ 15,4 bilhões. Individualmente, a China lidera com US$ 5,9 bilhões, seguida pelo Japão (US$ 2,1 bilhões) e União Europeia (US$ 2 bilhões).

Os subsídios à atividade pesqueira são diferenciados para a pesca local, em águas internacionais e em zonas de domínio econômico de outros países, por meio de acordos entre governos. Só para pescar em águas de outros países, os dez líderes gastaram US$ 5,4 bilhões em subsídios. Aplicaram mais US$ 800 milhões para pesca em alto mar. No total, segundo o relatório, os subsídios para a pesca no mundo somam US$ 35 bilhões, sendo US$ 22 bilhões do tipo nocivo.

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Na reunião ministerial da OMC de julho, presidida pela nova presidente da entidade, a nigeriana Ngozi Okonjo Iweala, o secretário de Comércio Exterior e Assuntos Econômicos do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, embaixador Sarquis José Buainain Sarquis, usou exatamente o valor dos subsídios nocivos do estudo para justificar a posição do país pela proibição.

“Os governos gastam cerca de US$ 22 bilhões em subsídios que aumentam a capacidade e reduzem artificialmente os custos da pesca. Em consequência, a porcentagem de estoques pesqueiros dentro de níveis biologicamente sustentáveis tem caído continuamente. Mais de um terço dos estoques pesqueiros nos oceanos estão sobrepescados. Essa deterioração tem um sério impacto sobre a subsistência de milhões de pessoas que dependem dos recursos pesqueiros.”

Ele ressaltou no discurso que o tratamento especial defendido pelo país deve ter caráter temporário e individualizado para evitar o risco de criar exceções que possam levar a uma maior deterioração dos estoques pesqueiros.

Restrito à zona econômica

Com uma frota pequena e artesanal, o Brasil só explora sua zona econômica exclusiva de 200 milhas náuticas e, com seu mar tropical e mais quente, tem bem menos peixes que outras áreas do mundo. O Chile, por exemplo, pesca de 3 milhões a 4 milhões de toneladas de anchovetas (tipo de sardinha usada para ração), segundo o diretor da Oceana, embora a qualidade de pescado nacional seja bem melhor. Ele estima entre 500 mil e 600 mil toneladas a produção brasileira.

Questionado sobre a falta de estatísticas do real volume da produção de pesca extrativa brasileira, o secretário Seif Junior disse que houve várias falhas de gestão em governos anteriores e relatou que está trabalhando para ter resultados consolidados em 2022. Ele apresentou como últimas estatísticas oficiais um relatório de 2011, feito no governo de Dilma Roussef, que aponta 800 mil toneladas por ano.

“O potencial pode ser de 20% e 25% acima desse número, decorrente de flutuações naturais de produtividade e, também, depende de reconstrução ou recuperação de estoques talvez sobre-explotados”, diz.

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Em relação às espécies em extinção, o secretário informou que está em vigor uma portaria de 2014 que lista 475, divididas entre quatro categorias: criticamente em perigo, criticamente em perigo e provavelmente extinta, em perigo e vulnerável. Segundo a  portaria, a captura, transporte, armazenamento, guarda e manejo de exemplares das espécies somente pode ser permitida para fins de pesquisa ou para a conservação da espécie, mediante autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

“Porém, algumas espécies podem ser liberadas ao uso desde que condicionado a um plano de recuperação que engloba medidas de ordenamento e monitoramento desses recursos pesqueiros”, prevê o texto.

Naslavsky, da Abipesca, disse que a entidade defende há alguns anos o estabelecimento de mecanismos de cooperação entre os setores público e privado para o levantamento das estatísticas. “O desenvolvimento de projetos públicos com financiamento privado é a saída para um acompanhamento pari passu da biomassa existente em nossas águas.” Ele considera imperativo o uso de tecnologias atuais, incluindo sistemas e equipamentos para coleta e análise de dados, redução de perdas e o uso sustentável dos recursos pesqueiros.

O dirigente não acredita, no entanto, que essa falta de estatísticas, aliada aos subsídios do governo, possa gerar um desequilíbrio ambiental ou sobrepesca também no mar brasileiro. “O país vem mantendo ao longo dos anos o mesmo volume de pesca e não se tem notado a extinção ou eventualmente a redução dos estoques.”

Segundo ele, diferentemente dos grandes produtores mundiais, o Brasil tem se descolado da comoditização dos preços dos produtos no mercado mundial, justamente por ter um setor de captura praticado com inclusão socioeconômica e com artes de pescas não predatórias.

Atum é exceção

Segundo o secretário de Pesca, Jorge seif Júnior, o atum, recurso pesqueiro mais consumido no mundo, é exceção. É a única espécie que o Brasil pesca fora de suas 200 milhas náuticas, em águas internacionais. O Brasil não pesca fora de suas 200 milhas, segundo o secretário Seif Junior. A atividade é coordenada pelo consórcio Conservação dos Atuns do Atlântico (ICCAT), do qual o Brasil é um dos membros fundadores, que estabelece cotas para os países na captura do pescado. Há tratativas em andamento também para a pesca de tubarões e cações.

O país também não é alvo de invasões rotineiras de embarcações de outros países. Há casos periódicos, segundo Seif Junior, que são reportados por embarcações de pesca, mas nada que se compare aos casos de Argentina, Chile e Equador, onde grandes frotas asiáticas atuam no limite extremo das 200 milhas operando sobre recursos migratórios.

“Neste ano, houve apreensão apenas de duas embarcações de bandeira venezuelana operando em águas próximas à divisa norte brasileira com a Guiana.” A fiscalização das águas brasileiras é responsabilidade da Marinha do Brasil.
Source: Rural

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