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Longe de ter a fama das uvas e maçãs, um fruto roxo nativo colhido nas alturas vem ganhando espaço na alimentação dos gaúchos e na produção em sistema agroflorestal (SAF) do litoral do Rio Grande do Sul. Mas não se trata da polpa da região Norte, consumida em várias regiões do país e do exterior, que vem da palmeira da espécie Euterpe oleracea, mais conhecida como açaí. O “açaí gaúcho” ou açaí da Mata Atlântica é fruto da palmeira jussara (Euterpe edulis), ameaçada de extinção.

Fruto da palmeira jussara, o açai da Mata Atlântica tem ganho espaço em terras gaúchas (Foto: Elias Evaldt/Arquivo Pessoal)

Foi justamente o desejo de garantir a preservação da jussara e gerar renda para produtores familiares que levou um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a ONG Centro Ecológico a iniciar um trabalho em 2004 para manejar a palmeira que nasce em meio aos bananais no litoral gaúcho.

“Aqui tinha muita palmeira, roubo de palmito e os frutos eram só comida de passáros”, conta Anelise Carlos Becker, produtora agroflorestal com formação em desenvolvimento rural. Ela diz que foram feitas análises do fruto que identificaram que a polpa é muito semelhante à do açaí paraense.

O gestor ambiental Cristiano Motter, que trabalha no Centro Ecológico, diz que a ONG assessora as famílias no trabalho de agroecologia desde 1991 e descobriu no manejo da palmeira uma chance de diversificar o cultivo de banana com outras espécies da Mata Atlântica. “Conseguimos registrar essas áreas do litoral gaúcho para que as famílias pudessem manejar a palmeira porque, se ficasse só na ótica de proibir o corte do palmito, não conseguiríamos proteger a espécie.”

Atualmente 22 famílias têm o registro certificado, cerca de 100 famílias fazem o manejo e outras 300 “namoram” o sistema, segundo Motter. O açaí é processado na agroindústria familiar Morro Azul, criada por Anelise e os pais em Três Cachoeiras para organizar a produção e agregar valor. A comercialização é feita pela Cooperativa Regional de Produtores Ecologistas do Litoral Norte do RS e Sul de SC, Econativa, que recebe a produção, processa na agroindústria e distribui a polpa na capital gaúcha, em feiras agroecológicas, em lojas especializadas e até em programas de alimentação escolar. No site da cooperativa, 1 kg de polpa congelada é vendido por R$ 35,90.

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A safra neste ano foi mais curta e a agroindústria processou apenas 20 toneladas, sendo 15 do tipo orgânico. “A gente esperava uma produção maior. Tinha demanda, mas a região foi impactada pela irregularidade do clima. Tivemos dois ciclones no ano passado, que derrubaram muitos frutos e a safra que vai de março a setembro acabou terminando em junho”, diz Anelise. O recorde de produção foi em 2017, com 40 toneladas.

Ela explica que o açaí sem certificação é aceito na agroindústria para incentivar a preservação da palmeira e também para estimular os produtores que manejam o fruto em seus próprios quintais a adotarem a produção orgânica. “O açaí é garantia de renda extra especialmente no inverno, quando a produção de banana fica reduzida.”

Açaí da Mata Atlântica, no Rio Grande do Sul, é plantadoem sistemas agroflorestais, em consórcio com frutas, como a banana (Foto: Anelise Becker/Arquivo Pessoal)

Além dos Beker, as famílias de Elias Strege Evaldt e Natan Fernandes estão entre as que descobriram a viabilidade de inserir a juçara no sistema agroflorestal em meio às bananas, bergamotas, laranjas, limões e abacates. Evaldt, que trabalha com agricultura orgânica desde 1997 no município de Morrinhos do Sul, conta que o pai e avô introduziram a palmeira há muitos anos em meio aos bananais para vender o palmito. “Foi um jovem agrônomo da universidade que veio fazer intercâmbio na região que me sugeriu colher os frutos para ter uma renda extra todo ano em vez de cortar a palmeira para tirar o palmito. Deu certo”, diz.

Ele conta que fez testes para extrair a polpa na propriedade da família, que tem 16 hectares, sendo 8 hectares de SAF com banana, jussara, bergamota e laranja. Depois, um grupo de produtores, com assessoria do Centro Tecnológico, visitou Iguape (SP) para conhecer o processo do açaí da Mata Atlântica e voltou disposto a investir no manejo. Por meio do Centro Tecnológico, adquiriram uma despolpadeira, que circulava entre as propriedades.

“A produção ganhou escala mesmo em 2008 quando a mídia passou a falar muito de açaí. Compramos mais despolpadeiras e depois foi criada a agroindústria.”

No ano passado, a família Evaldt colheu apenas 5 toneladas, embora tivesse potencial para o triplo, por falta de demanda pela polpa na cooperativa. “Em 2017, a região bateu recorde de produção, mas faltaram compradores, o que desanimou um pouco os produtores.” Já neste ano, com demanda em alta, as palmeiras dele só produziram 5,5 toneladas de açaí por causa dos problemas climáticos.

O jovem produtor, que tem licença para manejar a palmeira, adquiriu uma nova área de 4 hectares com banana há quatro anos e introduziu a planta entre as bananeiras. “Elas devem começar a produzir no próximo ano. Agora, quero testar o plantio em uma área apenas da jussara para ver como ela se comporta na monocultura.”

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Fernandes, que tem sua propriedade em Três Cachoeiras, conta que começou com dois hectares e hoje tem cinco hectares certificados no SAF. O carro-chefe da produção é a banana, seguida pelo açaí, que rende cerca de 1.500 kg por safra. “Nossas palmeiras são mais novas porque há uns dez anos tivemos 90% dos pés cortados por ladrões de palmito.”

O produtor conta que está selecionando as árvores que têm produção diferenciada, frutos maiores e precocidade para usar as sementes para mudas. A palmeira necessita de cinco a sete anos para começar a produzir. Segundo ele, um dos entraves para o aumento da produção em sistema agroflorestal é ter de justificar a necessidade de cortar algumas árvores para permitir um melhor manejo e cultivo. Entre os cortes necessários estão algumas palmeiras que ficam altas demais, dificultando a colheita.

Diferentemente do açaí paraense, o fruto gaúcho não é colhido normalmente com peconha (laço de corda, tecido ou folhas usado pelos colhedores para trepar nas árvores apoiando os pés no caule). Os gaúchos preferem usar escadas e uma ferramenta com haste e foice na ponta para cortar os cachos. O gosto, no entanto, é parecido. “Nosso açaí batido na hora é muito semelhante ao de Belém”, diz Anelise, que esteve na capital paraense em 2008 para conhecer o sistema de produção da polpa.
Source: Rural

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