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No dia 13 de maio, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento da chamada tese tributária do século (RE nº. 574.706), ação que questionava a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da COFINS incidentes sobre o faturamento das empresas e o consequente aumento indevido da tributação federal em toda a cadeia produtiva do agronegócio.

A discussão se estendia desde 1998, apesar da vitória dos contribuintes em março de 2017. O governo federal se valeu de último recurso para questionar a forma de apuração dos valores a serem ressarcidos aos contribuintes, bem como requerer a chamada modulação de efeitos, ou seja, a partir de quando a decisão passaria a valer: se desde 1998 ou somente a partir da publicação do resultado do julgamento.

 

Nesses quatros anos, inúmeras empresas do agronegócio obtiveram êxito em ações judiciais pleiteando a devolução dos valores recolhidos indevidamente com base no precedente do STF. Diversas companhias listadas na B³, inclusive, já haviam registrado parte dos créditos em seus balanços, melhorando os resultados divulgados.

Entretanto, a pendência de análise do recurso levou à suspensão dos processos, atrasando a devolução dos valores e tornando o julgamento de março de 2017 sem efeitos financeiros imediatos. A principal alegação do governo federal era de rombo aos cofres públicos, estimado em R$ 250 bilhões, caso a decisão valesse para todos os contribuintes e desde 1998.

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No julgamento, o STF rechaçou a tentativa do governo federal de reverter o resultado desfavorável de 2017 e ratificou que o ICMS a ser excluído pelas empresas da apuração da Contribuição para o PIS/Pasep e da COFINS não se limitaria ao efetivamente pago, como defendido no recurso, mas corresponderia ao total destacado nas notas fiscais de venda, portanto sem a dedução de créditos de outras operações, o que resultou em vitória para os contribuintes em virtude do aumento expressivo dos valores das contribuições a serem efetivamente recuperados.

Em relação à modulação, o STF adotou posição conciliatória: a exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições poderia ser pleiteada por todos os contribuintes somente a partir de março de 2017 (data do julgamento do RE nº. 574.706), limitando o impacto no caixa do governo federal, porém ressalvadas aquelas empresas que já questionavam judicial ou administrativamente a inconstitucionalidade naquela data. Neste caso, a decisão poderá abranger todo o período pleiteado, a partir de 5 anos anteriores ao ajuizamento.

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Assim, com a publicação do acórdão e edição de norma específica da Receita Federal do Brasil (RFB) para detalhamento do cálculo e dos procedimentos de ressarcimento ou compensação dos valores nos termos definidos pelo STF, empresas do agronegócio que não têm ações judiciais ou administrativas sobre o tema experimentarão uma redução da carga tributária com potencial realinhamento de preços de commodities negociadas no mercado interno, mas poderão recuperar valores relativos apenas aos últimos 4 anos.

Já para as empresas do setor que apostaram na tese e mantêm discussões judiciais desde 2006, quando a maioria do STF deu os primeiros sinais favoráveis, a recuperação de valores poderá alcançar os últimos 20 anos, estratégia jurídica que agora se mostra vitoriosa e bastante rentável.

Com o desfecho da tese tributária do século, outra igualmente relevante deve assumir os holofotes no STF: a ratificação do princípio constitucional da não cumulatividade da Contribuição para o PIS/Pasep e de COFINS para as empresas comerciais exportadoras

Ralph Melles Sticca

Passado o frisson inicial da decisão, há que se avaliar o seu real impacto na cadeia produtiva do agronegócio, de perfil eminentemente exportador e sujeita a regimes bastante específicos de tributação indireta, consoante detalhado em capítulo da obra recém-lançada “Agronegócio sem Fronteiras – temas atuais de gestão, financiamento e tributação” (Editora Max Limonad, São Paulo: 2021).

Em primeiro lugar, deve-se levar em conta a efetiva incidência da contribuição para o PIS/Pasep e da COFINS sobre cada um dos elos de mencionada cadeia produtiva. Por exemplo, a vasta maioria dos produtores rurais ainda se sujeita à tributação em sua pessoa física, em razão da menor incidência do imposto sobre a renda, portanto, mesmo que sujeitos ao ICMS, não são sequer contribuintes das contribuições, afeitas apenas às empresas.

Por outro lado, a partir de 2004, com a publicação da Lei nº. 10.925, setores relevantes do agronegócio foram beneficiados pela alíquota zero na venda de insumos (p. ex. adubos, fertilizantes, defensivos, inoculantes, mudas e sementes) ou pela suspensão da incidência na venda de produtos rurais para processamento nas agroindústrias brasileiras, que ao exportar seus produtos também não se sujeitam às contribuições, limitando o impacto financeiro do julgamento.

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Em segundo, deve-se considerar o ICMS efetivamente cobrado das empresas do agronegócio, que corresponde justamente ao montante a ser excluído da base de cálculo das contribuições. Isso porque, ainda que a alíquota máxima para operações internas seja de 18%, os principais Estados produtores concedem inúmeros benefícios fiscais para a circulação interna de produtos agropecuários, que vão desde a redução de base de cálculo ou créditos outorgados à isenção ou diferimento do ICMS, limitando ou eliminando o imposto a ser destacado na venda.

E mesmo nas operações interestaduais, cujas alíquotas máximas são fixadas em 7% e 12% – a depender dos Estados de origem e destino – o Convênio ICMS nº. 100/97 prevê redução de alíquotas efetivas para produtos agropecuários, igualmente limitando o alcance da decisão.

O entendimento assentado no julgamento aponta para dois outros desdobramentos relevantes para o agronegócio no STF: o primeiro, um cenário bastante favorável na disputa judicial em torno da exclusão do ICMS também da base de cálculo da Contribuição Previdenciária incidente sobre a receita bruta dos produtores rurais e agroindústrias (CPRB), em substituição à folha de pagamentos (RE nº. 1.187.264).

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O segundo, uma externalidade negativa na esfera criminal, a abertura de precedente para que o não recolhimento do ICMS, destacado e repassado ao consumidor, seja caracterizado como crime nos termos da Lei nº. 8.137/90, já que o imposto não integra o faturamento e, consequentemente, o patrimônio da empresa (RHC nº. 163.334).

Por fim, com o desfecho da tese tributária do século, outra igualmente relevante deve assumir os holofotes no STF: a ratificação do princípio constitucional da não cumulatividade da Contribuição para o PIS/Pasep e de COFINS para as empresas comerciais exportadoras, cujos créditos apurados sobre as despesas com frete e armazenagem nas vendas de commodities agrícolas vêm sendo questionados desde 2004 por interpretação restritiva e equivocada da Lei nº. 10.833/03 pela RFB e seus tribunais administrativos, com grande potencial de beneficiar toda a cadeia exportadora, em especial do agronegócio.

*Ralph Melles Sticca é advogado, sócio fundador do PSAA, Doutor e Mestre em Controladoria e Contabilidade pela USP, especialista em Direito Tributário pelo IBET e bacharel em Administração e em Ciências Contábeis pela USP. Professor de MBA na FGV e na USP e Presidente da Comissão de Direito Tributário da 12ª Subseção da OAB/SP.

As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do seu autor e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da Revista Globo Rural.
Source: Rural

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