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Aprovado em maio pela Câmara dos Deputados, o texto-base do projeto de lei (PL) 3729/2004 tem como objetivo a criação de uma Lei Geral para o Licenciamento Ambiental no Brasil.

No entanto, a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) alerta que a proposta é inconstitucional em diversos trechos.

"Se o PL for aprovado, isso vira uma regra geral para o cultivo de espécies agrícolas, pecuária intensiva e extensiva de pequeno porte e pesquisa agropecuária", diz Letícia Marques, co-head da área de Direito Ambiental do escritório KLA. Na foto, silos e um armazém ilustram exemplo de atividade que necessita de licenciamento atualmente, segundo o Conama (Foto: Divulgação/Kepler Weber)

 

O que se fala no Direito Ambiental é que, atualmente, as regras para o licenciamento estão pulverizadas em diferentes resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). A proposta do PL é regulamentar aspectos do licenciamento para todo o território nacional – como, por exemplo, a necessidade dos estudos prévios de impactos ambientais e a realização periódica de auditorias ambientais.

A fim de explicar os detalhes do projeto e seus pontos polêmicos, Globo Rural conversou com diferentes especialistas do Direito Ambiental para avaliar o texto-base. Antes das análises, você pode consultar um glossário com termos indispensáveis para entender a discussão.

 
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Glossário juridiquês
Infogram

 

 

Inconstitucionalidade

 

 

 

 

Para Silvia Cappelli, procuradora de Justiça do Rio Grande do Sul e membro da Abrampa, o PL que segue ao Senado tem artigos que vão na direção oposta da Constituição. Um dos principais argumentos, segundo ela, é a falta de presença da esfera federal na proteção do meio ambiente.

Pelo PL, vai haver muita liberdade. Essa situação vai gerar uma falha muito grande no controle do estado sobre as atividades

Silvia Cappelli, procuradora de Justiça do Rio Grande do Sul e membro da Abrampa

Silvia conta que a autonomia aos Estados já ocorre atualmente, devido à lei complementar 140/2011, que define as responsabilidade de cada esfera de governo. Incluse, os Estados já têm regras próprias vigentes para licenciamentos. Porém, segundo ela, o PL dá maior liberdade ao órgão licenciador definir as circunstâncias pelas quais um licenciamento deve se enquadrar.

“Hoje, a gente tem uma estruturação para dar requisitos gerais para o enquadramento dessas atividades. Pelo PL, vai haver muita liberdade. Essa situação vai gerar uma falha muito grande no controle do Estado sobre as atividades”, diz. “Uma lei federal tem que definir normas gerais e o PL não está definindo, porque abre essa discricionariedade para estados e municípios para fazerem o enquadramento que eles entenderem."

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Mauren Lazzaretti, presidente da Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), discorda. De acordo com ela, 90% dos licenciamentos são feitos pelos Estados e os parâmetros atuais estão dispersos. Com o PL, haverá um padrão mínimo, já que a lei geral “não pode entrar nas minúcias”.

“Defendemos o PL, mas isso não é flexibilizar, é compatibilizar porque hoje não é compatível. Você tem o mesmo rito de licenciamento para uma usina hidrelétrica e para um armazém, pela norma do Conama”, diz Mauren, que também é secretária de Meio Ambiente do Mato Grosso. Ele pondera, no entanto, que a Abema é contra alguns pontos do projeto, como dispensa para tratamentos de esgoto, e disse que está articulando conversa com o Senado.

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Rafaela Paiex Parra, sócia e head da área Ambiental do Araúz & Advogados, esclarece que todos os Estados e municípios serão atingidos pela nova lei, caso aprovada. “Acontece que o texto do PL deixa margem a cada Estado para definir regramentos no que toca a definição das atividades licenciáveis. Isso é o que gera insegurança”, avalia.

Ainda em relação à inconstitucionalidade do projeto de lei, Ana Marchesan, promotora de Justiça no Rio Grande do Sul, destaca o artigo 14º como exemplo, por condicionar o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA) ao licenciamento, quando, segundo ela, a ordem deve ser contrária – primeiro deve ser feito o estudo de impacto para depois verificar se é viável licenciar a atividade ou empreendimento.

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“Vai contra uma marcha histórica do que agora é chamado ESG [ambiental, social e governança, em português], porque da forma que está colocado o estudo do ambiente, de forma holística, pode passar a ser feito depois do licenciamento. Temos que trabalhar com ações antecipadas”, ela alerta.

Dispensa para agropecuária

A Resolução 237/1997, do Conama, lista agropecuária, silvicultura e agroindústrias como atividades sujeitas ao licenciamento ambiental. No entanto, dependendo do Estado, a licença já não é necessária, conforme explica Letícia Marques, co-head da área de Direito Ambiental do escritório KLA.

“Se o PL for aprovado, isso vira uma regra geral para o cultivo de espécies agrícolas, pecuária intensiva e extensiva de pequeno porte e pesquisa agropecuária, que são as hipóteses que o próprio PL já diz que não estão sujeitas a licença. O que não se encaixar nessas atividades, provavelmente se encaixa na LAC [Licença por Adesão e Compromisso]”, ela diz.

Letícia ainda esclarece que a exigência do CAR vai continuar sendo feita, mas até a análise ser concluída, pode existir uma brecha quanto a deixar o meio ambiente descoberto.

Para Silvia Cappelli, da Abrampa, a dispensa do licenciamento será judicializada, “justamente porque é gritante essa eleição que se faz para algumas tipologias para dispensar o licenciamento”, alega ao dizer que isso torna o licenciamento um instrumento político, não ambiental.

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Tipologia

A tipologia é o que define as categorias de atividade ou empreendimento. Pelo PL, isso vai ser o suficiente para saber se será necessário licenciamento convencional, simplificado ou a LAC [ver abaixo]. Na visão de Mauren Lazzaretti, da Abema, o que importa é o conhecimento que já se tem pela atividade, sem necessariamente levar em conta todo o ambiente. 

"Se você não tem conhecimento, vai ser exigido o licenciamento convencional, mas temos uma série de arcabouços que já são conhecidos. Uma agroindústria de etanol de milho, já conhecemos a atividade, então já temos o monitoramento, mas não pode ser LAC, porque é de grande impacto", ela exemplifica. 

"No caso da construção de um armazém, você já tem a propriedade, já tem o licenciamento da área, não há necessidade de outro licenciamento para a instalação e atividade", defende Mauren.

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Silvia Cappelli diz que esse argumento é perigoso, porque dá preferência à questão econômica e não ambiental. Para ela, na prática, não basta saber se o licenciamento será para um armazém, mas deve-se ter conhecimento se a área é vulnerável e o tamanho do impacto ambiental específico para cada local.

“Não é a tipologia que define o impacto, mas sim o potencial poluidor e a extensão do empreendimento, e o Supremo [Tribunal Federal] já afirmou que essa dispensa é inconstitucional”, ela assegura.

Outra analogia feita por Silvia é no caso dos agrotóxicos. “Exige-se licença para aplicação [do agrotóxico] depois de aferido triplamente (Ministério da Agricultura, do Meio Ambiente e e Anvisa), mas na hora de colocá-lo no solo sequer se pede licenciamento para esta área”, questiona.

Licença por Adesão e Compromisso

Característica que agrada o setor do agronegócio, o PL também sugere que o licenciamento seja aprovado ou rejeitado dentro de seis meses. Caso não haja resposta do órgão ambiental licenciador, a permissão será automaticamente aprovada.

É mimimi essa história de LAC, inclusive já existe e já é realidade em diversos Estados

Rodrigo Justus, assessor técnico sênior em meio ambiente da CNA

Da forma como coloca a Resolução 237/1997, do Conama, atualmente o órgão ambiental tem até 12 meses para casos de empreendimentos que precisam do Estudo de Impactos Ambientais e seu respectivo relatório (EIA/RIMA) ou de audiência pública. As duas situações são comuns, por isso, licenciamentos podem demorar muito tempo para serem concedidos, à medida que dependem da conferência do órgão emissor, a exemplo da secretaria de meio ambiente.

Uma alternativa de celeridade apresentada pelo PL é a aderência autodeclaratória da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), segundo Rodrigo Justus, assessor técnico sênior em meio ambiente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA). Ele avalia que este é um instrumento para o empreendedor reconhecer o impacto do empreendimento e arcar com o compromisso de mitigá-lo.

“Empreendimentos em que não se conhece o impacto ou que têm significativo impacto ambiental, não poderão ser licenciados pela LAC”, enfatiza ao citar que vários Estados já adotam a modalidade. Assim, ele reforça que seria uma saída para licenciar alguns tipos de atividade mais rápido, e as equipes fiscalizadoras conseguiriam focar em licenças ou indeferimentos de maior porte.

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“É mimimi essa história de LAC, inclusive já existe e já é realidade em diversos estados, porque é inviável exigir licença para todas as atividades do Brasil. Os próprios estados já alegam que não têm capacidade de fazer essa fiscalização. A burocracia excessiva vai acabar”, declara Justus projetando a aprovação do PL no Senado.

Ele ainda adiciona que existem multas pelo descumprimento da LAC, e o empreendedor que não estiver cumprindo vai responder criminalmente, como por exemplo no caso de grandes confinamentos. “Essas multas não são discutíveis. Há impedimento de receber financiamento, bloqueios no Banco Central, penalidades”, cita.

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Apesar de concordar com a morosidade dos licenciamentos, Silvia Cappelli, da Abrampa, vê com muita preocupação a LAC, porque além de ser autodeclaratória pela internet, a fiscalização não será in loco, mas por amostragem. Neste sentido, Ana Marchesan dá o exemplo da Bahia, onde a modalidade foi implementada pela primeira vez.

“De 2012 a 2015 foram emitidas 1.901 LACs e só houve verificação em 8%, sendo que das 152 fiscalizadas, 135 apresentaram irregularidades”, conta Ana. De 2016 a 2018, foram 1.404 LACs emitidas, mas apenas 6% fiscalizadas, 89% com pendências e irregularidades e apenas 0,6% regulares. 

Para concessão de financiamento deve existir uma transparência real, não uma cosmética, dos impactos ambientais

Ana Marchesan, promotora de Justiça no Rio Grande do Sul e membro da Abrampa

A dispensa do licenciamento e a maior abrangência da Licença por Adesão e Compromisso também ressaltam a insegurança jurídica e com isso barreiras econômicas podem advir para os empreendedores brasileiros em função do PL, segundo Ana.

“Vários bancos de financiamento internacionais como o Banco Mundial, o New Development Bank, o Banco Asiático de Investimento e o BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] têm, hoje em dia, cartilhas que ditam todas as regras do ponto de vista social e ambiental e para concessão de financiamento deve existir uma transparência real, não uma cosmética, dos impactos ambientais”, ressalta.

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Parecer técnico

No momento dos estudos prévios de impacto ambiental, a regra do Conama atualmente sugere que, em paralelo ao órgão licenciador – Ibama na esfera federal e secretarias de meio ambiente para Estados e municípios -, órgãos correlacionados à localização do futuro licenciamento também sejam consultados.

No caso das Unidades de Conservação (UCs), a atribuição de verificação é do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidades (ICMBio), assim como a Fundação Nacional do Índio (Funai) no caso de sobreposição em terras indígenas, entre outros exemplos de órgãos que têm conhecimento técnico e científico para avaliar os impactos do licenciamento.

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Com o PL, esta consulta pode ser feita, mas não necessariamente será levada em consideração. Ana Marchesan alerta para a gravidade em retirar a participação efetiva desses órgãos e faz uma analogia sobre a liberação das vacinas. “O parecer técnico e científico para vacina é a Anvisa, e o PL rasga esse conhecimento para o meio ambiente. Vale uma lógica para a saúde, mas não vale para o meio ambiente”, resume.

Impactos socioeconômico e cultural também são reflexos que vão além do impacto na biota e precisam ser considerados, do ponto de vista de Silvia Cappelli. Para ela, são os órgãos especializados que têm conhecimento técnico-científico para pensar medidas mitigadoras e compensatórias. “No PL, o órgão licenciador vai levar em consideração estes conhecimentos se quiser”, ela diz indignada.

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“Se a gente conhece algum controle do Estado no quesito ambiental é o licenciamento, então mexer nele é algo estrutural na proteção do meio ambiente. Como o controle genérico das atividades se dá pelo licenciamento, se eu mudo, vai ter reflexo no crime, na responsabilidade civil”, Silvia conclui.

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Source: Rural

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