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Em 2020, durante visita ao Golfo Pérsico, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, divulgou um vídeo no qual comenta os resultados da passagem pela região.

“Apesar de a gente ver o quanto a gente pode avançar em relação ao comércio, vimos principalmente a mudança que esses países estão fazendo quanto à segurança alimentar. Todos, de uma maneira ou de outra, colocaram de maneira clara a intenção de parcerias estratégicas com empresas brasileiras que queiram vir para cá processar seus alimentos, trazer seus produtos do Brasil, mas, principalmente produzir alguma aqui nos países do golfo”.

Em cinco anos, Arábia Saudita reduziu em mais de 40% as importações de carne de frango do Brasil (Foto: Globo Rural)

 

A mudança de postura desses países ficou visível no último dia 6 de maio, quando a Arábia Saudita, segundo maior importador de carne de frango do Brasil, suspendeu a compra de onze frigoríficos brasileiros sem qualquer aviso prévio ou justificativa oficial, deixando as autoridades brasileiras “surpresas” e “consternadas”.

“A grande surpresa foi não só por conta do volume, com 11 plantas suspensas de uma só vez, mas também com os protocolos operacionais para essa suspensão” afirma o analista de mercado de carnes do Rabobank, Wagner Yanaguizawa, ao lembrar que o país já vinha reduzindo suas importações desde 2016.

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“De fato essa é uma notícia que o mercado já estava sabendo porque já foi anunciado há cinco anos. Há um planejamento interno da Arábia Saudita divulgado em 2016 com uma meta de se tornar autossuficiente na produção chegando a 80% até 2025”, lembra Yanaguizawa.

Se, em 2015, o país respondia por quase 20% das exportações brasileiras, em 2020 essa participação caiu para menos de 11,5%. Em volume, as importações sauditas de frango brasileiro passaram de 789 mil toneladas para 467,5 mil toneladas no mesmo período, uma queda de 40,7% em cinco anos.

Excedente de 20 mil toneladas

Segundo levantamento da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira (CCAB), os frigoríficos suspensos, entre eles sete da JBS, respondem por 65% do volume de frango atualmente embarcado do Brasil para a Arábia Saudita.

“No curto prazo isso é um problema, porque algumas dessas empresas chegam a ter mais da metade da sua produção voltada para a Arábia Saudita e, eventualmente, pode ter algumas com menos musculatura e com dificuldade adicional de redirecionar essa produção”, avalia o consultor de agronegócios do ItaúBBA, César de Castro Alves.

Ele estima que a medida gerará um excedente de cerca de 20 mil toneladas de carne frango no mercado interno brasileiro.

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“Entendo que o plano da Arábia Saudita realmente é de bater a estratégia deles de chegar a uma autossuficiência do que eles consomem de proteína o mais rápido possível. Eles tinham plano gradativo de chegar a 40% e chegaram. Depois de chegar a 60% e chegaram, agora a meta de chegar a 80% e certamente vão chegar”, ressalta o secretário-geral da CCAB, Tamer Mansour.

Chamado pelo governo saudita de “Visão 2030”, o plano inclui ter 50% da demanda de energia atendida por fontes renováveis e a criação de um polo estratégico para o comércio com países e continentes vizinhos.

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“A preocupação que começou a aparecer agora, na verdade, nós que estamos trabalhando com a Arábia Saudita, sabíamos desde 2018: de que há um plano e dentro deste plano. Cada dia mais eles vão querendo a sauditarização das indústrias e atrair mais investidores para dentro da própria Arábia Saudita”, destaca Mansour, ao lembrar que a ambição do país é se tornar um exemplo para os demais países árabes. “Eles cada dia querem importar matéria prima para industrializar e agregar valor dentro do país deles e eu entendo isso como um direito deles”, completa Mansour.

Comércio do passado

O coordenador do núcleo de estudos do agronegócio da ESPM, professor Ernani Carvalho da Costa Neto, ressalta que 75% da produção de carne de frango da Arábia Saudita, estimada em 800 mil toneladas, está concentrada em cinco empresas que atuam diretamente no país. A BRF, gigante brasileira poupada das suspensões comunicadas em maio, disputa os 15% restantes do mercado, junto com outras empresas.

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“Essas empresas não assumiram uma produção dessas de um dia para o outro. Isso vem dentro de um planejamento em que o país vai se preparando para este abastecimento interno e que está em execução”, destaca o pesquisador. Segundo ele, o Brasil mantém uma visão de comércio internacional ultrapassada, baseada somente na venda bens e produtos sem cooperação ou transferência de tecnologia.

“Esse é o comércio do passado. Na internacionalização de uma empresa, a gente tem diversas etapas e a exportação é o primeiro deles. Isso passa por ter parceiros na distribuição, depois por ter uma distribuição local, depois por uma joint venture para uma unidade de produção, até o último estágio que é ter uma planta própria”, explica o professor ao ressaltar que o Brasil teria condições suficientes de assumir esse papel, mas que falta um planejamento estratégico.

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“Um movimento desses tem que ser orquestrado, planejado. É muito importante o papel do Ministério da Agricultura no sentido de ajudar, de dar esse direcionamento, mas isso passa também pelos produtores aqui do Brasil realizarem isso”, conclui o pesquisador.
Source: Rural

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