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Versatilidade, trabalho em equipe e inovação são os pilares que guiam a procura do ascendente mercado plant-based e de carne cultivada por talentos no Brasil. E, na visão de especialistas, o agro será vital para consolidar o “convívio de proteínas” no prato.

“Multidisciplinaridade, reinvenção e automação são as palavras-chaves. Cada profissional na sua caixinha não existe mais”, analisa Caroline Mellinger, pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos.

Essa interdependência se acentua, principalmente, porque a tecnologia está no DNA dos alimentos com proteínas alternativas à de origem animal. Começa no campo, avança pelos laboratórios e se completa em processos industriais interconectados antes de chegar às prateleiras com sabor e textura de impressionar até os carnívoros de carteirinha.

Alimentos a partir de proteínas alternativas envolvem trabalho cooperativo que começa no campo, avança pelos laboratórios e se completa em processos industriais interconectados antes (Foto: Getty Images)

 

“Já está claro que não é algo passageiro ou uma moda. As pesquisas de tendência apontam para um avanço ainda maior deste mercado no mundo todo”, diz Katherine de Matos, diretora de ciência e tecnologia do The Good Food Institute (GFI) no Brasil.

Segundo ela, o perfil desta indústria, com evolução permanente dos produtos, reforça ainda mais a procura por profissionais capazes de aprender rápido e trabalhar em conjunto. Ser arrojado, curioso e não estar preso a conceitos já existentes é outro diferencial.

“Tem que ter a cabeça muito aberta e inventar. Afinal, parte do trabalho é ir atrás do que ainda nem existe”, observa Luciara Peil, diretora executiva de P&D, inovação e qualidade da Seara, que já tem 12 produtos feitos de plantas no portfólio.

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Qualificação escassa

O crescimento acelerado do setor – no Brasil, o primeiro lançamento foi em 2019 – traz um grande desafio: ainda não há cursos nem especializações formais para qualificar quem quer trabalhar na nova indústria.

“É preciso estruturar novos cursos, inclusive no nível de graduação. Até porque os primeiros formados só chegarão ao mercado em sete anos, o que já é tarde para uma área que cresce tão rápido”, avalia Luismar Marques Porto, PhD em engenharia química, pesquisador e professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Enquanto isso não ocorre, a indústria investe em qualificação própria e atrai profissionais de outras áreas. “O conhecimento específico de plant-based vem se dando através de cursos internos e participação em feiras, por exemplo”, explica Luciara.

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Na BRF, que também tem uma linha plant-based e promete oferecer carne feita em laboratório no Brasil até 2024, um programa foi criado para garimpar talentos. “A ideia é vasculhar o setor acadêmico em busca de cientistas empreendedores. Isso é algo que será contínuo”, diz Sérgio Pinto, diretor de inovação.

Katherine, do GFI, ressalta que a demanda reforça a importância de universidades se conectarem para oferecer especialização. “Tem muita gente que vem da área médica, por exemplo, mas sem conhecimento aplicado em alimentos. Então, há um potencial enorme.”

“O tamanho da participação de cada profissão ainda será definido, mas quem se especializar mais assegurará, proporcionalmente, mais oportunidades”, pondera Carla Molento, coordenadora do Laboratório de Bem-estar Animal da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

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Por enquanto, só há movimentos isolados pelo país. Um deles é na UFPR, que abriu uma turma de introdução à zootecnia celular na pós-graduação e anunciou dois cursos de extensão voltados à carne cultivada – um deles focado em empreendedores. 

Também está em andamento na universidade paranaense um amplo estudo sobre os impactos sociais da carne cultivada. “Precisamos de técnicos, graduados, mestres e doutores em diferentes níveis”, ressalta Katherine, do GFI, organização que já financia, em programas próprios, 38 pesquisadores sobre o tema no mundo, três deles no Brasil.

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Carne de laboratório

Uma das áreas mais disruptivas do segmento de proteínas alternativas, a carne feita a partir de células e sem abater animais promete abrir espaço para profissionais que vão desde saúde, engenharia e tecnologia da informação até outras que sequer existem.

Porto, que também atua no setor privado em empresas de engenharia de processos e biotecnologia, cita a edição genética como diferencial desta indústria e aponta engenharias como química, tecidual e metabólica na dianteira de oportunidades de trabalho.

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Luismar Marques Porto, PhD em engenharia química, pesquisador e professor aposentado da UFSC

Ele ainda acrescenta que a produção de biorreatores – onde a célula vira carne – e a busca por eficiência, viabilidade econômica e produção em escala também abrirá vagas em várias áreas. 

Carla, da UFPR, cita também os setores ligados à nutrição celular. “A zootecnia celular demandará especialistas em genética e nutrição, além de empreendedores para assegurar os insumos e ingredientes para os meios de cultura (que alimentam a célula)”, avalia.

Porto vê, inclusive, uma aproximação da nova indústria de carne com a medicina. “O processo para produzir órgãos humanos é semelhante, em termos de tecnologia. E aí abre caminho para uma engenharia de órgãos, profissão que sequer existe”, destaca.

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Outra área que tem ganhado espaço é a de impressão 3D, que promete ajudar a moldar os pedaços de carne cultivados em laboratório – abrindo caminho para profissionais de áreas como design, robótica, biotecnologia e nanotecnologia.

“As equipes terão que ser cada vez mais multidisciplinares e formadas por quem pensa fora da caixa”, ressalta Luciano Paulino da Silva, pesquisador da Embrapa.

“O foco não é mais se é possível produzir carne cultivada, mas sim como torná-la acessível ao consumidor”, observa Sérgio Pinto, da BRF, que diz estar trabalhando para começar a vender o produto no Brasil a US$ 5 (cerca de R$ 30) o quilo já em 2024. 

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Conexão com o campo

E no campo, quais as oportunidades? Na carne cultivada, avalia Porto, o investimento em genética tende a ganhar força para obter células tronco de qualidade. Já na área vegetal, um caminho é produzir plantas específicas para servirem como “ração” celular. 

“A soja poderá produzir outras substâncias, na folha ou no caule, que vão enriquecer esse meio de cultura e alimentar a célula”, observa o PhD em engenharia química.

Pinto, da BRF, também cita a agroindústria e ressalta que, hoje, a companhia enriquece proteína vegetal fora do Brasil. “Vamos ver um convívio de proteínas, pois a demanda por alimentos é muito grande. O Brasil seguirá relevante no cenário internacional, mas há muitas oportunidades em aberto para as empresas nacionais trabalharem”, analisa.

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Tanto BRF quanto Seara confirmam a intenção de fortalecer a relação com produtores rurais, o que passa por incentivo para a diversificação. “Com o crescimento das proteínas vegetais, com certeza haverá um modelo de integração envolvendo o produtor”, observa Pinto.

Luciara, da Seara, reitera a ideia de estreitar os laços. “A proteína vegetal não substituirá a animal, mas ajudará a compor uma demanda que crescerá muito até 2050. Ainda precisamos construir esse relacionamento mais diversificado”, afirma.

Acelerar este movimento de “convívio de proteínas”, na visão de Porto, é crucial para que o protagonismo do Brasil hoje não seja ameaçado no futuro. “Ainda há tempo para estruturar esta cadeia e não perder o bonde. Mas, se esperarmos mais alguns anos, vamos ter que importar tecnologia e também pessoas”, alerta.

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Source: Rural

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