Skip to main content

O presidente da Sociedade Rural da Argentina (SRA), Daniel Pelegrina, em entrevista exclusiva à Globo Rural, alertou que o fechamento das exportações de carnes por 30 dias é um erro, representa um retrocesso e causará danos irreparáveis a um setor produtivo que gera empregos e movimenta a economia do país. Pelegrina classificou de “incondizente” o diálogo com o presidente Alberto Fernández, sinalizou que há um forte racha dentro do governo, que impede o avanço de uma política agropecuária consistente, e fez a advertência de que os produtores rurais estão em estado de alerta. Leia os principais trechos da entrevista:

(Foto: Divulgação)

 

Globo Rural – A relação dos produtores agropecuários com o governo argentino vive seu pior momento?
Daniel Pelegrina – Quando iniciou o atual governo, levamos um documento com uma proposta de política agropecuária que nós acreditamos ser necessária para que a Argentina pudesse verdadeiramente desenvolver sua atividade agroindustrial, com muito valor e potência. Depois conversamos com o presidente várias vezes para reiterar sobre este caminho que a agropecuária necessita e sempre tivemos uma mesa de diálogo, que não deu resultado, não gerou frutos, porque basicamente vemos que as medidas que tendem a aplicar são contrárias às que nós levamos no documento, pois estabelecem incrementos das tarifas sobre a exportação, maiores restrições das exportações, como as que impuseram à carne bovina; ameaças à propriedade privada, como o caso da empresa Vicentin; estabelecem permanentes ameaças de um setor do governo – o kirchnerismo- que não gosta do campo. Então, o que nós vemos é que na coalizão de governo há pessoas que tentam nos escutar, pelo menos nos sentamos numa mesa tratando de buscar soluções, mas há outras que não gostam do campo, querem aplicar políticas erradas que já deram maus resultados na Argentina. Então, apesar de que já falamos com o presidente (Alberto Fernandez), com o ministro de Agricultura, (Luis Basterra) e com outros ministros, não vemos que este diálogo seja condizente.

GR – Vocês não têm o apoio do presidente ou somente daqueles que fazem parte do chamado “kirchnerismo puro”, como diz o senhor?
Pelegrina – Não. Nós queríamos que os sinais que venham da coalizão de governo sejam o contrário do que estão fazendo: que não vai haver restrições às exportações; não vai haver problemas com as carnes; não vai haver aumento de tarifas de exportações, ao contrário, vamos ver como reduzi-las. Queríamos escutar isso, mas escutamos tudo o contrário.

GR – Qual o impacto dessa relação tensa entre o governo e os produtores?
Pelegrina – É muito difícil saber o que cada ator econômico vai fazer no futuro. O que não temos dúvida é que este ambiente ruim não ajuda a aumentar os investimentos, faz com que os investidores sejam muito precavidos, a atuem com muita cautela sobre onde vai continuar com sua atividade. Nós, da atividade agroindustrial, somos obrigados a continuar em frente, não podemos paralisar nossas terras, nossas produções, mas sim podemos fazer nossos cultivos com menos tecnologia, deixar de reter uma novilha que seria uma matriz no futuro que permitiria aumentar a oferta de animais para abate. Essas decisões, que serão tomadas ao longo do tempo e são muito individuais, podem desacelerar, estancar o processo produtivo, que é o contrário do que queremos porque se nos dão condições, podemos produzir muito mais. 

GR – Por causa desta tensão, a Argentina pode deixar de aproveitar o ciclo atual de alta de preços das commodities?
Pelegrina – Claramente é uma oportunidade que a Argentina pode voltar a perder, como ocorreu no governo kirchnerista, quando também houve um ciclo longo de alta de preços internacionais das commodities e baixas taxas de juros. E, em lugar de fazer os investimentos para aproveitar para produzir mais competitivamente, aconteceu o contrário: reduzimos o estoque do rebanho bovino, passamos a ser um exportador secundário no mercado de carnes, perdemos muitos mercados. Isso foi o que aconteceu. Hoje se o governo continuar por este caminho é provável que possa suceder o mesmo, já que é um ciclo muito parecido. Esperamos que tenham aprendido essa lição e dizemos sempre isso ao presidente: já está à vista uma má política agropecuária que se aplicou e quais foram os resultados. Então, não repitamos esse caminho e chocamos com a mesma pedra.

GR – Mas esta pedra continua no caminho…
Pelegrina – Os sinais são negativos, mas isso depende mais da política. Sabíamos que nessa frente de governo haveria disputas entre um setor que é mais populista (kirchnerista) e contrária aos sinais de mais investimentos versus os que têm outras ideias, que propõem caminho distinto, representados pelo que chamamos de Peronismo Federal, encarnados pelos governadores e parlamentares, que têm sabem quais as oportunidades e potencialidades para desenvolver seus territórios. Esta ala pensa mais em inserir a Argentina na economia do mundo junto com o Mercosul e iniciar novos tratados comerciais. Querem progredir. E sabíamos que haveria esta disputa ideológica dentro do governo e o setor kirchnerista vem prevalecendo. Agora, em outubro, haverá eleições para deputados e senadores e quem sabe o foco está orientado para a campanha.

GR – A pecuária de corte foi um dos setores mais prejudicados no governo de Cristina Kirchner, quando também os preços estavam em alta. Agora o governo suspendeu por 30 dias as exportações para beneficiar os argentinos com carne mais barata. Isso funciona? Qual é a sua visão?
Pelegrina – A pecuária de corte é um claro exemplo de uma má política que culpa sempre os produtores rurais pela inflação dos alimentos. E todos sabemos que a inflação é gerada pela emissão monetária que o governo provoca para custear seu déficit. O culpado por gerar inflação não é o produtor e ao responsabilizá-lo por isso, se traduziu na perda de 12 milhões de cabeças de gado, o fechamento de frigoríficos e mais de 15 mil postos de trabalho. E com tudo isso, ficou demonstrado que o preço da carne subiu 50% acima da inflação por um período longo de tempo. Essa política não se traduziu em gerar um preço de carne mais barato porque o produto se tornou escasso. Caímos do terceiro posto mundial de exportação de carne para o 17º. Hoje recuperamos muito estamos entre o quarto e sexto maiores exportadores do mundo. Claramente não tem lógica econômica em tudo isso, porque se olhar desde a economia os resultados estão à vista. Então, tem que interpretar desde a lógica política, de uma coalizão de governo que está debatendo o poder na Argentina desde que iniciou este governo.

GR – O próprio presidente culpou os pecuaristas pela alta do preço da carne, agora culpa os produtores de trigo pelo aumento do preço do pão. Eles são culpados?
Pelegrina – Não, claro que não. Mostramos ao presidente que nenhum produto agropecuário supera 20% de incidência direta sobre os preços dos alimentos. No caso do trigo é muito menos, tem entre 8% e 10% de incidência. Quando aumenta o trigo no mundo, não pode incidir nos preços na Argentina. Há outra dinâmica da inflação aqui que está presente e não são os produtos primários. A inflação tem origem na macroeconomia desajustada, o déficit, o tamanho do Estado, e a partir daí, a solução que buscam através da emissão de moeda, indubitavelmente, gera mais inflação. Sempre dizemos, olham os sintomas da doença, essa febre que tem a economia, mas não a origem.

GR – O diálogo com o governo está encerrado?
Pelegrina – Não. Sempre seguimos um caminho do consenso e isso necessita diálogo. Estamos num momento em que não há resultado. Vamos continuar insistindo não só com o governo, mas com os políticos, governadores, líderes de outros partidos e parlamentares, para explicar a importância do campo para a Argentina. Para ter inserção internacional temos que buscar boas companhias e alianças e não temos dúvida de que o Mercosul é uma muito boa companhia e a partir daí, temos que juntos com o Brasil, Uruguai e Paraguai, aproveitar essa nova oportunidade de preços altos, taxas baixas e uma demanda mundial de alimentos que vai continuar crescendo.
Source: Rural

Leave a Reply