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Área queimada na região da BR-163, no Pará, BR-163 (Foto: Emiliano Capozoli/Ed.Globo)

 

Saída das Forças Armadas, entrada da Força Nacional de Segurança, falta de respostas de diferentes Ministérios e redução no orçamento expõem a falta de planejamento do governo federal para combater e evitar irregularidades na Amazônia. Especialistas em questões ambientais e servidores públicos ouvidos por Globo Rural demonstram pessimismo em relação ao futuro das ações do poder público para protejer o bioma.

Com a finalidade de substituir a Operação Verde Brasil 2, encerrada na sexta-feira (30/4), o vice-presidente e coordenador do Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), Hamilton Mourão, anunciou, no início de abril, o Plano Amazônia 2021/2022.

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No documento, anexado à publicação do Diário Oficial da União (DOU) de 14 de abril, consta que a meta é reduzir “ilícitos ambientais e fundiários aos níveis da média histórica 2016/2020”, usando como base o sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), mas não menciona metas claras. 

Ao consultar o sistema, no intervalo indicado, os nove estados somam, ao todo, 43.593 quilômetros quadrados suprimidos, sendo Pará (40,2%), Mato Grosso (18,4%), Rondônia (14,8%) e  Amazonas (14%) os estados mais críticos na perda de vegetação.

Dados do Prodes referentes ao intervalo de 2016 a 2020 (Foto: Reprodução/Prodes-Inpe)

 

 

 

 

 

 

A publicação apenas informa que serão priorizados 11 municípios com altos índices de desmatamento e queimadas: Porto Velho (RO), São Félix do Xingu (PA), Altamira (PA), Lábrea (AM), Pacajá (PA), Portel (PA), Itaituba (PA), Colniza (MT), Novo Progresso (PA), Rurópolis (PA) e Apuí (AM). Mas a lista leva em consideração apenas o biênio 2019/2020, comum cenário contraditório quando se considera o período 2016/2020.

Plano de verdade tem meta, tem calendário, e o Plano 21/22 não tem essas características

Paulo Barreto, pesquisador sênior do Imazon

Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), ressalta que o planejamento já deveria estar em curso, à medida que a época de seca na região se aproxima. “Plano de verdade tem meta, tem calendário, e o Plano 21/22 não tem essas características. Fica difícil ter clareza, como será feito o trabalho, conversas com governos estaduais e municipais, não se sabe de onde vem o dinheiro. E tudo isso já deveria estar rodando”, avalia.

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Além da falta de clareza sobre o volume e a origem dos recursos destinado às ações, Barreto lembra que o presidente da República, Jair Bolsonaro, aprovou R$ 2 bilhões para o Ministério do Meio Ambiente e agências. O valor está abaixo dos R$ 2,6 bilhões inicialmente incluídos no Orçamento do ano passado, um dos piores da pasta na história.

O pesquisador do Imazon ainda nota que o Plano chama o Arco do Desmatamento de Arco da Humanização, sendo a Amazônia a região com os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do País. “O documento cita a regularização fundiária, que ainda nem foi votada, e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), que não está completo e carece de análise”, diz Barreto.

Um dos exemplos é o município de Rurópolis (PA), que está na lista dos prioritários, e tem mais de 3 mil cadastros na base, quase todos “aguardando análise” ou “analisado com pendências, aguardando retificação”.

Em relação ao CAR, Renato Farias, diretor executivo do Instituto Centro de Vida (ICV), alerta que o desmatamento ainda é possível mesmo dentro da área cadastrada. E o Plano Amazônia não esclarece como será feita a averiguação. “A questão principal é a efetividade das ações nos territórios. Muito tem sido falado de planos, mas está distante da necessidade e realidade”, lamenta.

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Segundo um analista do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que pediu anonimato, sob alegação de pressão institucional, o Plano do Conselho da Amazônia cita a recuperação da capacidade operacional dos órgãos fiscalizadores, mas perdeu-se esta capacidade “justamente por causa do desmonte”.

Na avaliação dele, militares ainda marcarão presença na região, de acordo com as diretrizes do Plano Amazônia 2021/2022. O sucesso, no entanto, depende das intenções do governo. “Se as Forças Armadas forem enviadas para combater o desmatamento, como política de Estado, teria um efeito muito bom. Mas isso não pode significar o desmonte das instituições competentes”.

Responsabilidades setoriais

O documento ainda apresenta responsabilidades setoriais, direcionadas aos Ministérios do Meio Ambiente, Justiça e Segurança Pública, Agricultura, Defesa, Casa Civil, Secretaria do Governo, Minas e Energia, Economia e Comunicações.

“Prever pessoal, material e instalações necessárias para a capacitação dos convocados, a fim de que estejam em condições de atuar na fiscalização e combate ao desmatamento ilegal e queimadas a partir de 15/04/2021” é uma das responsabilidades que constam para o Meio Ambiente, Agricultura e Justiça.

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Nenhuma das pastas afirmou à Globo Rural que a medida foi cumprida até o prazo.  O Ministério da Agricultura disse apenas que o questionamento da reportagem deveria ser “encaminhada ao Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), coordenado pela Vice-Presidência da República”, mesmo que diga respeito à sua própria atribuição. O Conselho da Amazônia também não respondeu aos questionamentos da reportagem.

Na última quinta-feira (29/5), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, autorizou o emprego da Força Nacional de Segurança Pública em apoio ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na Amazônia, mas a nota da pasta não cita o Plano 2021/2022, nem o Conselho de Hamilton Mourão.

Falta de consulta pública

 

Esse tipo de discurso tenta refazer o conhecimento dos povos sobre economia verde e torna isso marketing

Ananda Santa Rosa, membro da COIAB

 

Este desencontro de pastas e discursos também coloca em xeque o desenvolvimento da bioeconomia, de acordo com Ananda Santa Rosa, membro da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). Ela diz que a economia verde sempre existiu na Amazônia e tem sido cada vez mais falada, a exemplo do Plano 2021/2022, mas erra ao excluir os povos indígenas e comunidades tradicionais do alinhamento.

“Em nenhum momento, os indígenas foram chamados a participar [do Plano]. Esse tipo de discurso tenta refazer o conhecimento dos povos sobre economia verde e torna isso marketing”, reclama Ananda.

Segundo ela, o novo plano parece reconhecer que a Operação Verde Brasil 2 foi um fracasso e que precisa devolver autonomia ao Ibama e ICMBio. “É um absurdo estruturar um Plano daqui sem consultar os indígenas e sem compreender as alternativas econômicas levando em consideração nosso conhecimento e estudos”, diz.

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Source: Rural

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