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(Foto: Creative Commons)

 

*Publicada originalmente na edição 425 de Globo Rural (abril/2021)

Imagine a lavoura como um campo de guerra. Nesse combate, as pragas e fitopatógenos (causadores de doenças em plantas), diante da fartura de alimento, sentem-se “confortáveis” em atacar as plantações.

Eles estão tão adaptados a esse campo de batalha que as armas químicas já não são eficientes como outrora, e aqueles que sobrevivem conseguem propagar seus genes de resistência para os descendentes, perpetuando as espécies. Assim, só resta recorrer à natureza, isto é, colocar os inimigos naturais para assumir o controle.

Insetos, ácaros e nematoides, que podem ser vistos a olho nu (macrorganismos), parasitam ou alimentam-se de pragas agrícolas. Os microrganismos patógenos ou parasitoides de pragas, que formam um batalhão ainda maior e em constante expansão, são agentes de 62% dos produtos biológicos já registrados no Brasil.

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Há ainda no controle biológico estratégias de armadilhas com hormônios e enzimas das próprias pragas ou de outros organismos – os chamados semioquímicos – para alterar seus comportamentos de reprodução e alimentação e, assim, inviabilizar o aumento demográfico.

Esses metabólitos são focos de estudos do Laboratório de Semioquímicos da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, comandado pelo pesquisador Raúl Laumann. Uma das linhas de pesquisa é a de misturar semioquímicos com agentes microbianos de controle numa técnica chamada “atrai-mata”.

Neste caso, os semioquímicos atraem os insetos de interesse para locais com armadilha sou outros artefatos onde se aplicam os agentes de controle biológico para, dessa maneira, infestar os insetos, explica o pesquisador.

O manejo integrado de pragas (MIP), como o próprio nome já diz, consiste em um conjunto de medidas que visa controlar as populações que causem prejuízos econômicos aos produtores. O controle biológico é um dos pilares essenciais nesse manejo, que, além de equilibrar o ecossistema natural, torna mais eficiente e minimiza o uso de agrotóxicos.

O fungo Beauveria bassiana, um inseticida microbiológico (Foto: Esalq/USP)

 

“As pragas são resultado de um desequilíbrio no ambiente. O objetivo do controle biológico não é exterminar os insetos; é colocá-los numa quantidade que seja compatível com a natureza”, explica a pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Rose Monnerat. 

As moléculas químicas são formuladas para matar as pragas com muito mais rapidez, sendo essa uma das limitações do controle biológico. Isso porque, dependendo do agente biológico, o inseto precisa comer, se intoxicar e morrer de forma mais lenta que um produto químico de contato ou de ingestão. São produtos com modo de ação diferentes e, por isso, têm prazos distintos para agir.

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O uso indiscriminado e recorrente desses compostos químicos gera uma pressão de seleção. Esse processo seleciona os insetos que possuem a capacidade fisiológica e bioquímica de metabolizar (degradar) os compostos ou que possuem órgãos ou tecidos insensíveis aos efeitos tóxicos dos inseticidas.

“Dessa maneira, em poucas gerações, a maioria dos insetos da população possui os genes que codificam para essa capacidade de resistir ao contato com essas substâncias tóxicas”, explica Raúl Laumann.

No caso dos agentes biológicos, trata-se de processos naturais que envolvem interações entre organismos vivos, o que torna bem menos provável ou quase não existe o desenvolvimento de resistência. “Embora existam alguns casos documentados em relação à resistência de insetos a agentes microbianos, no caso de insetos predadores ou parasitoides não há registros na literatura”, ressalta o pesquisador.

Fonte: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, e Ministério da Agricultura (Foto: Danilo Bandeira)

 

Um dos marcos recentes que impulsionaram o uso dos defensivos biológicos no Brasil foi a infestação pela lagarta Helicoverpa armigera, até então desconhecida no país, em 2013. Na época, nenhum estratégica de controle químico conseguiu de ter o apetite voraz da praga, que surpreendeu produtores e cientistas pelo seu poder de destruição em diferentes culturas, principalmente nas lavouras de algodão. A praga se alimenta de mais de 200 hospedeiros no mundo.

“Então, recorreram-se a um parasitoide de ovos e a um vírus, que deram excelentes resultados, embora frustrantes, pois não havia material biológico disponível para todos os produtores rurais na época. Mas a boa ação dos agentes de controle biológico utilizados desmitificou, em parte, o mito cultural”, lembra José Roberto Postali Parra, diretor do São Paulo Advanced Research Center for Biological Control (SPARCBio), sediado no Departamento de Entomologia e Acarologia da Esalq-USP, em Piracicaba (SP).

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A grande importância do controle biológico está na estratégia de utilizar processos que podem ser aplicados nos mais variados sistemas de produção agrícola sendo compatível com a maioria das tecnologias para o manejo e o controle de pragas.

Além de ser uma estratégia de controle de pragas e doenças baseado em processos naturais que utiliza organismos vivos, o controle biológico é um método que afeta apenas os organismos-alvo, não deixa resíduos tóxicos no ambiente e não apresenta toxicidade para humanos ou animais silvestres. Essas vantagens, segundo os especialistas, têm um benefício imensurável diante do custo para se investir nessas tecnologias.

Custo este que se reflete quando se trata de um manejo tão sensível. Em alguns casos e por tratar-se de organismos vivos, necessita de logísticas muito precisas para que os produtos sejam transportados eficientemente desde a indústria ou local de produção até o campo. Para a sua implementação/aplicação no campo, requer ainda profissionais treinados e com conhecimentos básicos sobre a forma de ação dos organismos utilizados.

Nos últimos anos, o exército de inimigos naturais tem ganhado novos reforços descobertos pela ciência e convocados para entrar em ação, embora essa seja uma prática de manejo milenar. “Hoje, como faziam os chineses antes de Cristo, utilizando formigas para controlar pragas de citros, tentamos reequilibrar o sistema utilizando esses organismos”, destaca Parra.

Fonte: Agrofit 2021 e CropLife Brasil (Foto: Danilo Bandeira)

 

 

A Embrapa mantém bancos de germoplasma (coleções com mais de 24 millinhagens de bactérias, fungos e vírus) dedicados a preservar e caracterizar organismos com potencial para o controle biológico e promotores de crescimento de plantas. Atualmente, a instituição conta com 632 pesquisadores trabalhando em 73 projetos relacionados ao tema e distribuídos em 40 unidades.

“Nosso trabalho é tentar descobrir quais são as doenças que esses insetos-pragas têm e ver se esses organismos que estão causando as doenças nos insetos podem ser usados como armas biológicas”, explica Monnerat.

O processo para o desenvolvimento de novos produtos biológicos requer anos de estudos, iniciando pela pesquisa de novos ativos biológicos, com a identificação de novos organismos.

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A partir daí, os pesquisadores começam a desenvolver produtos a partir deles, passando por produção e formulação, avaliações de campo e análise de segurança, aprovação e registro. “Quando a gente isola os microrganismos que estão causando doenças nos insetos, verifica a eficácia dele e a segurança para os outros organismos, inclusive para a nossa e para o meio ambiente”, explica a pesquisadora Monnerat.

Para que fosse lançada no mercado, o pesquisador estudou por 16 anos a vespinhaTrichogramma, hoje utilizada em 3 milhões de hectares somente em cana-de-açúcar no Brasil e em outros milhões em áreas de grandes culturas.

Segundo Parra, o grande desafio do Brasil no controle biológico hoje é desenvolver um modelo de “controle biológico para regiões tropicais”, já que se tratado país líder em agricultura tropical, com características próprias, com grandes áreas plantadas, plantios sucessivos, técnicas próprias e mais de uma colheita por ano. Essas características climáticas e edáficas favorecem a ocorrência de pragas durante todo o ano.

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Source: Rural

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