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Paulo Sousa, CEO da Cargill (Foto: Divulgação/Cargill)

 

*Publicada originalmente na edição 425 de Globo Rural (abril/2021)

O Brasil sob o governo Bolsonaro praticamente cortou a comunicação com as ONGs ambientais, e isso tem um reflexo danoso para o país, inclusive para o agronegócio. A avaliação é do presidente da Cargill no Brasil, Paulo Sousa. Segundo ele, diante da postura do governo, o setor privado acabou tendo de assumir esse diálogo, até por falta de opção, uma vez que a questão ambiental pode prejudicar as exportações do agronegócio.

Desde dezembro de 2019 à frente da maior trading de grãos instalada no país, Sousa afirma que a maior parte do setor produtivo brasileiro segue a legislação ambiental, porém, atitudes de uma minoria de “agrotrogloditas” mancham a imagem do Brasil no exterior. Ele diz ainda que a implementação incompleta do Código Florestal, oito anos após sua aprovação, também gera desconfiança em relação aos produtos agrícolas brasileiros lá fora.

Paulo Sousa critica a postura de alguns membros do governo federal em relação à China,o maior cliente do agronegócio brasileiro. “A agricultura brasileira só é o que é hoje porque a China está lá para tomar. É uma miopia total criar caso com chinês.”

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Confira a seguir os principais trechos da entrevista exclusiva concedida à Globo Rural.

Globo Rural – Você diz que o Brasil tem condições de aumentar a produção de grãos de forma sustentável. Como, na sua avaliação, o desmatamento afeta a imagem da soja brasileira no exterior?
Paulo Sousa – Existe desmatamento no Brasil, a conversão de biomas naturais para agricultura, para qualquer utilização que seja. É permitida por lei, está no Código Florestal, é a lei do Brasil. Existe grande parte do primeiro mundo hoje que não concorda com isso. (…) Com a natureza das coisas do mundo conectado que temos hoje, existe uma vontade muito grande por parte da sociedade, principalmente europeia, vou usar um termo da moda, de cancelar a agricultura brasileira. Ou seja, pintar todo mundo de muito horroroso, por causa, sim, não vamos negar que existe uma minoria, dos agrotrogloditas, pessoas que não só não seguem o Código Florestal, como o combatem.

GR – Como você avalia o posionamento dessa minoria?
Sousa – Isso presta um desserviço muito grande à agricultura brasileira. Mas, além disso, tem uma figura grave do desmatamento e das queimadas na Amazônia, que não é originada na agricultura, mas que vem desde extração ilegal de madeira, garimpo ilegal, grilagem de terras públicas. Essas imagens horrorosas que correm o mundo todo. Imagine então se um holandês, um belga vê na televisão ou na propaganda de uma ONG imagens horrorosas, falando que é no Brasil e o culpado disso é o produtor de soja brasileiro? (Dizendo) “Não coma frango que vem do Brasil, não coma frango produzido na Inglaterra alimentado com farelo de soja ou soja-grão do Brasil porque você está colaborando com o desmate da Amazônia.” No momento em que essas sociedades estão investindo trilhões de euros para redução da pegada de carbono deles.

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GR – A solução está na relação oficial, na diplomacia do governo, principalmente?
Sousa – A diplomacia é o seguinte: o que você faz diz muito mais alto do que o que você fala. Sempre. Em qualquer setor da vida pessoal ou da sociedade. Antes de ficar gastando dinheiro com publicidade lá fora dizendo que somos os mais ecológicos do mundo, vamos fazer o Código Florestal (ser) totalmente aplicado.

GR – Vocês informaram, em outubro de 2020, que tinham vendido 600 mil toneladas de soja com certificações para garantir a sustentabilidade e a rastreabilidade. É um volume bem pequeno, considerando o tamanho da Cargill. Qual a previsão para a safra 2021?
Sousa – Nossa previsão é que deve dobrar. Já temos contratado para este ano mais do que tivemos o ano passado todo. Existe um crescimento muito forte na procura por esses produtos. Claro que, mesmo dobrando, ainda é um percentual muito pequeno no geral, mas vamos pensar o seguinte: hoje, grande parte da demanda por esses produtos sustentáveis vem da comunidade europeia. A comunidade europeia como conjunto de países é o segundo maior comprador de soja-grão do Brasil, o primeiro é a China, que compra 73% da soja que o Brasil exporta. Somados os países da UE, dá cerca de 8%. É pequeno, mas as tendências globais são desenhadas ali. O futuro é o que a Europa está buscando e desenhando.

"A agricultura brasileira cresce pari passu com a aumento da demanda na China. Então é uma miopia total criar caso com os chineses"

Paulo Sousa, CEO da Cargill

 

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GR – Qual a resposta que a Cargill dá quando acusam o Brasil de não ter uma agricultura sustentável?
Sousa – Gasto pelo menos 30% do meu tempo fazendo esse trabalho, explicando para os colegas de empresas de fora, fazendo conference calls com clientes, montando cursinho para contar a história real da agricultura brasileira. Temos uma equipe grande aqui para recontar a história e creio que nossos concorrentes têm coisas semelhantes. O esforço é muito grande, porque a conexão desse mundo lá fora com o campo brasileiro somos nós que fazemos, são os comerciantes que fazem essa tradução de um lado para o outro. Há coisas que pedem lá fora que são totalmente irreais, e nosso trabalho é contar a história real do que acontece aqui no Brasil.

GR – Em relação ao governo, falta diálogo.
Sousa – Esse é outro grande problema que o Brasil enfrenta hoje. Não vou entrar no mérito da questão, mas o governo brasileiro praticamente cortou a comunicação com a chamada "sociedade civil", também conhecida como ONGs ambientais. Isso é muito danoso, porque o fato de cortar o contato não quer dizer que essas pessoas e entidades vão ficar caladas. Ao contrário, vão começar a tacar pedra, de maneira quase que aleatória. Isso acaba respigando forte na imagem do Brasil lá fora, na imagem dos produtos brasileiros, e o setor privado acaba, por não ter por onde escapar, tendo de assumir esse diálogo, que em situações normais é feito com o governo, de uma maneira muito mais eficiente.

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GR – Membros do governo com frequência fazem declarações ofensivas à China, como no caso da vacina Coronavac. Você acha que essa postura pode respingar nas exportações?Sousa – A sorte nossa é que a China é um pouco mais adulta, né? Bato muito nesta tecla: é difícil explicar quem briga com cliente. Então é uma mistura de visão política com… Bom, um cenário bem complexo nosso, como brasileiro, difícil de entender, mas está aí. Mas realmente não faz sentido nenhum você criar caso com um grande cliente seu e criar caso em relação à política interna deles. A agricultura brasileira só é o que é hoje porque a China está lá para tomar. Se você olhar os números dos últimos 20 anos: a agricultura brasileira cresce pari passu com a aumento da demanda de importação de produtos agrícolas pelos chineses. Então é uma miopia total criar caso com os chineses.
Source: Rural

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