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futuro dos biológicos ou agrotóxicos (Foto: Thales Molina)

 

*Publicada originalmente na edição 425 de Globo Rural (abril/2021)

O futuro é dos químicos ou dos biológicos? A trajetória de Geraldo Killer, de 55 anos, produtor de tangerina sem sementes, ajuda a responder a essa pergunta. Dono de uma propriedade com 100 hectares de citros de mesa em Ubirajara, no centro-oeste de São Paulo, ele pensou em abandonar a atividade há alguns anos. “Chegou um momento em que o consumo de agrotóxico aumentou muito. Usava um produto para controlar uma praga, mas ele causava um desiquilíbrio, que me levava a comprar mais insumos para controlar uma segunda, terceira e quarta (praga)”, lembra o citricultor, que sempre fez tudo na legalidade, usando produtos permitidos e na dose recomendada.

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Tal insatisfação levou Killer a procurar ajuda. Ele chamou três agrônomos, um entomologista (especialista em insetos), um profissional especializado em matéria orgânica e um fisiologista (que estudaos processos biológicos da planta) focado em nutrição e fertirrigação. “Pedi a eles a lista dos produtos da linha verde (defensivos químicos de baixa toxicidade) disponíveis no mercado que tinham a mesma ação no alvo de controle, seja para o fungo ou para a praga”, diz.

Num primeiro momento, o custo dessas moléculas novas, que causam menos impacto ao meio ambiente, assustou o produtor, porque era caríssimo. Mas, no final das contas, ficou elas por elas, uma vez que o produto verde – aliado ao uso de bacilos (bactérias que ajudam no controle de doenças), à soltura de insetos inimigos naturais para combater o bicho-furão e ao uso de produtos fisiológicos, que induzem à resistência das plantas – trouxe equilíbrio ao ecossistema e o citricultor não precisou comprar outros defensivos para controlar as pragas.

Passado um tempo, o grupo Fibina – apelido que o citricultor deu aos produtos fisiológicos, biológicos e naturais – correspondia a 80% dos custos. Os defensivos químicos convencionais, usados em casos de emergência, respondiam por 20%. “Até que chegou um momento em que o nível de infestação de pragas era tão baixo que não precisei mais de químico”, diz Killer.

Afídeo é uma espécie de pulgão e vetor de transmissão de vírus, que pode ser usado para reduzir a população de alguma praga (Foto: Getty Images)

 

Isso não quer dizer que o citricultor não vá mais usar defensivos convencionais. Ele adota o manejo ecológico de pragas (MEP), que nada mais é que “manipular o ambiente contra a praga”, explica o entomologista e professor aposentado da Unesp/Jabuticabal Santin Gravena, precursor do manejo integrado de pragas (MIP) e um dos fundadores do Grupo de Consultores em Citrus. Atualmente, Gravena é também consultor da Koppert, empresa holandesa líder no mercado de biológicos no Brasil.

O conceito de MEP é uma evolução do MIP, que surgiu nos anos 1970, preconizando a alternância entre o uso de defensivos químicos e biológicos, com um adendo: quando necessário, a indicação é usar produtos químicos “seletivos”, que ataquem apenas a praga-alvo e não matem os inimigos naturais.

Ambos os manejos (MIP e MEP) incentivam práticas conservacionistas, como o plantio de forrageiras específicas entre as ruas do pomar. “A cobertura verde tem o efeito pull & deliver, ou seja, atrai o inimigo natural e libera. E, depois de roçada, torna-se matéria orgânica (adubação verde) para o pomar”, diz Gravena.

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Outro item importante no MIP e no MEP é a figura do pragueiro, responsável por monitorar pragas e doenças nas lavouras. A aplicação de defensivos só é feita quando a contagem mostrar que a infestação atinge um patamar que a planta não consegue tolerar.

Tal alternância de defensivos químicos com biológicos é crucial. “Quando o agricultor usa o mesmo princípio ativo repetidamente, ocorre a seleção de pragas resistentes, até que o produto perde a eficácia”, afirma Pedro Yamamoto, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, especialista em MIP. “Por isso, ele precisa fazer a rotação de defensivos, usar produtos com mecanismos de ação diferente”, explica.

E todo esse quebra-cabeça responde à pergunta sobre o futuro dos defensivos agrícolas, ou pesticidas, no Brasil. “O que a gente tem notado é que as tecnologias mais antigas, os defensivos tradicionais, como o glifosato, e os produtos mais modernos, que vão chegando, somados aos biodefensivos e ao universo da biotecnologia (que mexe na estrutura genética das plantas), tudo isso vai caminhar junto”, diz Christian Lohbauer, presidente da CropLife Brasil, a primeira entidade desse tipo no mundo a unir os segmentos de germoplasma (mudas e sementes), biotecnologia, defensivos químicos e produtos biológicos.

Produtor de tangerina sem sementes Geraldo Killer, em pomar de 100 hectares em Ubirajara (SP) (Foto: Luiz Germano/Ed.Globo)

Especialistas no setor corroboram a opinião de Lohbauer. “Quando falamos em agricultura sustentável, temos de pensar em MIP e no uso de diferentes ferramentas de forma harmoniosa e integrada”, afirma Yamamoto. “Sim, o futuro terá cada vez mais biológicos. Mas sempre terá de regular com um produto químico, que está cada vez melhor. Eles não são mais agrotóxicos, que matam tudo. Estão cada vez mais seletivos ao inseto-alvo”, diz Gravena.

E vale lembrarque o Brasil é um país tropical, que cul-tiva até três safras por ano. Em contrapartida, o calor e a umidade favorecem o desenvolvimento de fungos e pragas. E, por não ter um inverno rigoroso– com neve, que funciona como um dedetizador natural –, precisa de recursos para combater as doenças na lavoura.

Mas não resta dúvida. O mundo está vivendo um período de transição, em que a palavra-chave é a busca pela sustentabilidade. Na agricultura, o conceito do momento são as práticas regenerativas, como tem sido chamado o manejo que une as boas técnicas agrícolas do passado com as descobertas e inovações do presente, para promover uma agricultura de baixo carbono, que cuida do solo, da água e da biodiversidade.

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Nesse contexto, os produtos biológicos ganham cada vez mais espaço. No Brasil, o faturamento do segmento atingiu R$ 1,1 bilhão na safra 2019/2020, segundo dados da CropLife. O valor é pequeno, se comparado com as vendas de US$ 12,1 bilhões de defensivos químicos no mesmo período, mas o novo está em plena expansão. “Tivemos um crescimento de 70% em 2020. O potencial (dos biológicos) é gigantesco”, diz Amália Borsari, diretora executiva de biológicos da CropLife. “Hoje, apenas 15% da soja brasileira é tratada com biodefensivos. Imagina quanto esse mercado pode alcançar”, afirma.

Detalhe: ao contrário do resto do mundo, no Brasil o carro-chefe dos biológicos não são os hortifrútis, mas grandes culturas: soja, algodão, cana e café. Nos últimos dois anos, o setor ganhou musculatura. O registro de biológicos teve alta de 33%, o que resultou em 409 produtos aprovados em 2020. Também cresceu 28% o número de indústrias do setor, que hoje são125 empresas. E, no ano passado, houve dois anúncios importantes. Em fevereiro, foi lançado o SPARCBio – sigla em inglês para Centro de Pesquisa Avançado em Controle Biológico, com sede em Piracicaba (SP).

E, três meses depois, o Ministério da Agricultura lançou o Programa Nacional de Bioinsumos, que deu visibilidade ao segmento e criou linhas de crédito para os produtores montarem suas biofábricas “on farm” (dentro das fazendas) para a reprodução dos microrganismos. A iniciativa, que tem por objetivo baratear o custo para o agricultor, é vista com ressalva pela indústria. “Estudos indicam que a formulação de um produto biológico chega a interferir positivamente na eficácia acima de 80%”, diz Amália.

Registro de produtos (Foto: Danilo Bandeira)

 

Polêmicas à parte, especialistas acreditam que a adoção de biológicos continuará crescente, puxada pela pauta da sustentabilidade e pela posição de países compradores, como a União Europeia, que a cada ano restringe mais o número de defensivos agrícolas permitidos. “Em dez anos, a agricultura será 100% biológica”, diz a diretora da CropLife. Ela explica que a produção de alimentos não será exclusivamente biológica, e sim que os produtos desse nicho estarão presentes em todas as culturas.

O argumento de Amália é reforçado pela entrada de grandes players da indústria química no segmento. Em 2012, a Bayer, uma das maiores empresas do agronegócio mundial, comprou a fabricante de biológicos AgraQuest. No ano seguinte, aumentou o portfólio com a aquisição da Prophyta. A BASF, outro gigante, fez o mesmo movimento, ao arrematar, no mesmo período, a Becker Underwood, empresa de proteção biológica de cultivos.

O ingresso dessas multinacionais no setor tem uma importância estratégica, uma vez que as empresas que iniciaram esse mercado no Brasil eram de menor porte e sem uma equipe robusta para dar assistência técnica. Uma pesquisa da CropLife – realizada na safra 2019/2020, com 1.513 produtores de soja, cana, algodão e café, em 13 Estados – identificou que a maioria dos agricultores usa apenas um produto biológico. Uma das barreiras para o aumento da adoção é a insegurança quanto à utilização de biodefensivos e à sua eficácia no controle das pragas-alvo.

“Mas a chegada de empresas de agroquímicos está dando capilaridade e acesso às informações, porque o produtor está em contato com os técnicos dessas companhias e com as revendas e recebe subsídios”, diz Amália. Além disso, com mais indústrias no setor, maiores a capacidade produtiva e a competividade, o que reduz os preços.

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Source: Rural

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