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Colheita de soja em Mato Grosso. No ano passado, mercado do grão viveu cenário de preços em alta e demanda externa aquecida, o que ajudou a agropecuária do Brasil a crescer na pandemia (Foto: José Medeiros/Ed. Globo)

 

No ano passado, o Brasil e o mundo viram sua atividade econômica despencar, à medida que o novo coronavírus avançava e medidas de isolamento passavam a ser adotadas a partir de março, quando foi feita oficialmente a declaração de pandemia. Por aqui, a menor circulação de pessoas e as consequências das restrições sobre a renda da população atingiram praticamente rodos os setores da economia. Um foi exceção: o agro, único a encerrar 2020 com crescimento.

Segundo números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro caiu 4,1% em 2020, o da agropecuária cresceu 2%. (veja quadro abaixo). 

“Se olharmos o PIB calculado pelo IBGE e somarmos os resultados da última década, o PIB do Brasil retraiu 1,2% – ou seja, mais uma década perdida. Agora, se olharmos o PIB da agropecuária, a agropecuária cresceu 25,4% no mesmo período”, destaca o coordenador do Núcleo Econômico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Renato Conchon.

Diversos fatores ajudam a explicar o desempenho. Mas as estimativas apontam para a mesma direção. O agro resistiu à crise e, de forma geral, conseguiu se beneficiar da conjuntura trazida pela pandemia.

Dentro e fora da porteira

A CNA, em parceria com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), ligado à USP, divulga um indicador próprio da soma das riquezas geradas pelo setor. De formadiferente da metodologia do IBGE, CNA e Cepea incluem as atividades que antecedem a produção agropecuária e as que processam o que sai das lavouras e criações. E classifica esse cálculo como o PIB do Agronegócio.

“A diferença metodológica principal é essa. Enquanto um só olha dentro da porteira e o volume produzido, o agronegócio olha antes, dentro e depois da porteira e analisa, além do volume produzido, a renda. Ou seja, quantidade versus preços. Por isso que a gente vê um número tão grande em 2020, com um crescimento tão robusto”, observa Conchon.

De acordo com o Ministério da Agricultura, o Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP) em 2020 foi de R$ 920,98 bilhões, alta de 17,1% em relação a 2019. Para 2021, a estmativa é de R$ 1,032 trilhão.

Com isso, a CNA aponta um crescimento de 24,3% para o setor no ano passado. O bom desempenho, segundo o economista, está relacionado a três principais fatores: bom planejamento dos produtores, a manutenção do setor como atividade essencial e a elevada demanda internacional por alimentos.

“O setor não parou. Ele continuou produzindo, colhendo, processando e comercializando sua produção enquanto outros países perderam sua produção”, destaca Conchon.

Fator soja

O IBGE estima que só a soja responda por cerca de um quarto do PIB agropecuário – justamente um setor que apresentou exportações e preços recordes no último ano. De acordo com o Ministério da Agricultura, de 2019 para 2020, as vendas externas brasileiras de soja passaram de 74,06 milhões para 82,96 milhões de toneladas. A receita com as exportações foi de US$ 26,07 bilhões para US$ 28,56 bilhões.

“A gente olha o conjunto, claro, mas se tudo for maravilhoso e a soja for ruim, a soja vai puxar o resultado fortemente pra baixo”, comenta a editora da carta de conjuntura agro do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ana Cecília Kreter.

Em 2020, os indicadores de soja Esalq/BM&FBovespa Paranaguá e Cepea/Esalq Paraná registraram respectivas médias anuais de R$ 121,24/sc e R$ 115,86/sc de 60 kg, com significativos aumentos de 47,5% e 50,9% frente às do ano anterior

Cepea, agromensal/dezembro de 2020

Os preços elevados da soja e o cenário favorável à demanda externa levaram também a indicadores elevados de comercialização antecipada do grão. Não apenas do que foi plantado no final do ano passado e agora está em fase de colheita, na safra 2020/2021. Mas também o da safra 2021/2022, que será plantado só no segundo semestre deste ano.

O Brasil é, atualmente, o maior produtor e exportador mundial da oleaginosa. Estados Unidos e Argentina são os principais concorrentes no mercado internacional, que tem na China, atualmente, o principal demandante do grão. De toda a soja em grão exportada pelo Brasil no ano passado, 60,59 milhões de toneladas foram desembarcadas em terminais portuários chineses, o equivalente a 73,03% do total.

Área e tecnologia

“A gente tem área suficiente, clima e consegue colocar o produto de forma competitiva no mercado. Poderia melhorar? Claro que poderia melhorar, mas é um setor no qual a gente consegue falar de igual para igual com outros países”, observa Ana Cecília, do Ipea, ao lembrar dos gargalos logísticos e de infraestrutura do país.

De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), nas últimas vinte safras, já contando com a área estimada para 2020/2021, a área plantada com grãos no Brasil passou de 40,235 milhões (2001/2002) para 68,276 milhões de hectares (2020/2021), aumento de 69,69%. No mesmo período, a produção de grãos foi de 123,168 milhões para 272,322 milhões de toneladas, alta de 121,09%.

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Conchon, da CNA, lembra que, além de área disponível, o setor investiu em novas tecnologias nos últimos vinte anos – o que tem permitido realizar até duas safras na mesma área. “O Brasil investiu muito bem em pesquisa e desenvolvimento para a agropecuária, tanto que a gente viu a quantidade produzida crescer sem isso se expressar num aumento equivalente de área”, lembra o economista.

Mercado interno x exportação

A capadidade produtiva e a demanda internacional tem sido fatores preponderantes do resultado positivo do agro nos últimos anos, destaca Ana Cecília Kreter, do Ipea. E, com uma produção concentrada em produtos destinados à exportação, o mercado interno de alimentos nem sempre reflete os efeitos de uma grande produção. Com isso, mesmo uma safra recorde pode não resultar, necessariamente, em menor inflação.

“Se a gente for pensar na divisão do PIB da agropecuária, dos dez principais, você tem a soja, que a maior parte vai para insumo, celulose e o algodão. Então a gente acaba colocando tudo como agropecuária, mas nem tudo é alimento. Por isso, quando a gente olha pra PIB, a gente olha principalmente para commodities e quando a gente olha para inflação de alimentos, a gente está olhando para outra composição, para aquilo que o brasileiro come mesmo. Estão no PIB, mas com peso diferente”, completa.

Em 2020, os preços do óleo de soja para o consumidor aumentaram 103,79%, os do arroz subiram 76,01%, de acordo com o IPCA. Leite longa vida teve alta de 26,93%; frutas, 25,4% e carnes, 17,97%.

No ano passado, produtos como arroz, feijão e óleo de soja foram apontados entre os vilões da inflação. Com as restrições de mobilidade trazidas pela pandemia e o aumento do trabalho remoto, a alimentação se deslocou mais para o ambiente doméstico.

A retração econômica, queda de renda e o pagamento do auxílio emergencial durante alguns meses do ano passado também levaram a população a optar por aquilo que era mais essencial, sustentando a demanda por produtos básicos, principalmente, alimentos.

Os preços subiram. Puxada pelos alimentos, que tiveram a maior alta desde 2002, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE, encerrou o ano passado com alta de 4,52%, a maior desde 2016.

Reações diferentes

O resultado geral positivo, contudo, não significa que o agro como um todo tenha se beneficiado desse crescimento. As estimativas de Produto Interno Bruto do setor agro levam em consideração o volume produzido, mas atribuem diferentes pesos às atividades exercidas no país. E os efeitos da pandemia foram diversos, a depender do segmento.

Entre cadeias produtivas como grãos e carnes, o aumento das exportações foi importante para os resultados. No entanto, segmentos como flores e hortifruti acabaram sofrendo mais, em função, principalmente, do fechamento de bares e restaurantes e suspensão de eventos.

A indústria de açúcar e etanol sentiu os efeitos da menor demanda por combustíveis e da queda das cotações do petróleo em 2020. Com as usinas dando mais ênfase ao açúcar no seu mix de produção, o volume do combustível caiu e o da commodity aumentou.

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“Não quer dizer que não teve impacto. Teve, sim. Algumas cadeias sofreram em março, abril e maio e tiveram prejuízos bastante relevantes”, explica Renato Conchon, coordenador do Núcleo Econômico da CNA, destacando os casos de flores, hortaliças e leite. “Mas são cadeias que impactam bem menos quando comparado a soja, milho, pecuária de corte, suinocultura e avicultura”, explica.

A partir da metodologia do IBGE, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) calcula e divulga periodicamente uma previsão par PIB agropecuário do país. Ana Cecília Kreter, economista do Ipea, pontua que essa geração de riqueza não significa, necessariamente, lucro no bolso do produtor rural.

“Quando a gente fala que o PIB aumentou, a gente está falando que aumentou a produção do setor agropecuário. Mas não que o lucro do produtor foi aquilo. Isso a gente não tem como calcular porque nem tudo que é produzido naquele ano é comercializado”, completa a economista.

(Imagem: Reprodução/IBGE)

 
Source: Rural

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