Skip to main content

Marcos Leta, fundador da Fazenda Futuro (Foto: Divulgação)

 

*Publicada originalmente na edição 424 de Globo Rural (março/2021)

Pioneira no ascendente mercado plant-based no Brasil, a Fazenda Futuro aposta no sabor que imita a carne e produtos mais saudáveis e sustentáveis para alavancar as exportações em 2021 e se consolidar não como alternativa, mas concorrente direta da indústria de proteínas animais. “Nosso foco, desde o início, são os compradores de carne. A empresa nasceu para competir com os frigoríficos”, afirma Marcos Leta, um dos fundadores da foodtech, em entrevista exclusiva à Globo Rural.

Para o empresário, que não é vegano nem vegetariano, a entrada dos gigantes da carne no setor plant-based deixa um rastro de contradição. “É só aumento de portfólio, mas o grosso do investimento e capital é voltado para aumentar pasto e comprar mais boi. Isso é um paradoxo”, ressalta.

saiba mais

Indústria plant-based atrai gigantes e mira parceria com o agro para ter escala no Brasil

 

Com uma linha de produtos que inclui almôndega, carne moída, linguiça e frango feito à base de plantas, a Fazenda Futuro já recebeu US$ 31 milhões em investimentos desde a fundação, em 2019, e viu seu valor de mercado crescer para R$ 715 milhões.

A estratégia de dividir as gôndolas dos supermercados com produtos de origem animal fez disparar as vendas no Brasil e atraiu o interesse estrangeiro. A foodtech já exporta para 15 países e, em março, começa a operação no cobiçado mercado dos Estados Unidos. “Triplicamos de tamanho de 2019 para 2020. Para 2021, estamos indo bem em direção à meta”, conta Leta.

Globo Rural – Em menos de dois anos, o mercado plant-based se consolidou no país. Como você avalia essa ascensão e o que projeta para 2021?
Marcos Leta – Lançamos o FuturoBurger emabril de 2019 e marca-mos o começo dessa categoria no país com a venda da carne vegetal lado a lado na gôndola com a carne animal. Desde o início, focamos nos compradores de carne, mostrando que havia uma nova proteína. O primeiro ano foi acelerado, e a sociedade também começou a falar mais sobre consumo sustentável e menor ingestão de carne. Em 2020, veio a pandemia, que afetou o food service, mas ao mesmo tempo fez com que muitas pessoas quisessem experimentar proteínas alternativas. Vejo que o mercado está mais maduro na Europa e nos EUA do que no Brasil, até porque aqui começou alguns anos depois. No Brasil, ainda estamos em um momento de construção. É preciso elevar ainda mais o nível dos produtos.

GR – Quanto a Fazenda Futuro cresceu nestes dois anos?
Leta – Não abrimos números sobre faturamento, mas basicamente triplicamos de tamanho de 2019 para 2020. Para 2021, estamos indo bem em direção à meta.

GR – O plant-based ainda é visto por muitos como um mercado de nicho. Como você enxerga esse rótulo?
Leta – Desde o início, nosso foco são as pessoas que comem carne. Entendemos que a melhor maneira seria entregar uma experiência parecida, mas vegetal. A empresa nasceu para competir com os frigoríficos, não com os produtos veganos. Vai chegar um momento em que a proteína animal vai se tornar desnecessária e obsoleta. E trabalhamos para que os produtos dividissem espaço na gôndola com a carne animal. Acreditamos que isso traria mais volume e resultados do que numa área específica para produtos vegetais nos supermercados.

GR – E como tem sido essa disputa, considerando que os frigoríficos também entraram no mercado plant-based, inclusive com preços mais baratos?
Leta – Os frigoríficos nasceram para matar boi. O ingresso dessas empresas no mercado é só aumento de portfólio, mas o grosso do investimento e capital é voltado para aumentar pasto e comprar mais bois. Isso é um paradoxo com o conceito da categoria plant-based, que visa criar alternativas à produção de carne animal. Em países mais maduros, todos os frigoríficos que tentaram entrar no mercado não tiveram tanto sucesso, pois o consumidor não compra só o hambúrguer, ele também busca o produto de uma empresa 100% plant-based. Seguimos com participação de mercado mais alta do que os concorrentes porque vivemos disso.

saiba mais

Quem são os flexitarianos brasileiros e por que decidiram comer menos carne

 

GR – Você, como um dos fundadores de uma empresa 100% plant-based, come carne animal?
Leta – Não consumo mais carne no meu dia a dia. Mas, como toco a parte de pesquisa e desenvolvimento, acabo comendo carne para conseguirmos comparar e analisar o resultado dos produtos, pois fizemos experimentos com carne e outras proteínas. No meu dia a dia, já aboli. Mas não posso dizer que sou vegano ou vegetariano.

GR – O consumidor está mais cada vez mais exigente. Como convencê-lo de que a carne vegetal é a melhor opção?
Leta – O comportamento do consumidor está mudando. Hoje, ele lê mais o rótulo, busca informações nutricionais. Mas, na categoria plant-based, o primeiro fator na hora da compra é o sabor. A gente trabalha com o tripé sabor, saudabilidade e sustentabilidade. Se não é saboroso, descartamos na hora. E, no caso da sustentabilidade, agora temos uma experiência nova como recém-lançado Futuro Burger 2030, em que atendemos um pedido dos consumidores por embalagens mais sustentáveis. Incluímos um aditivo orgânico que a torna biodegradável nos aterros sanitários no Brasil.

GR – A busca por ingredientes nacionais é outro foco nesse contexto?
Leta – Sim. Temos alguns ingredientes importados, mas 85% da nossa fórmula vem de fornecedores nacionais. A soja é não transgênica e comprada no Brasil. No caso da ervilha e do grão-de-bico, parte vem do Brasil e muito pouco é importado. O Brasil está no caminho para produzir mais. A própria Embrapa tem feito estudos para usar até feijão e arroz como alternativas. Mas ainda é algo muito novo. Várias marcas plant-based dos EUA  já compram soja do Brasil. Penso que nosso país vai ser um player forte tanto na venda de produtos como no fornecimento de ingredientes.

GR – Como atrair o produtor rural para fazer parte dessa nova indústria?
Leta- O aumento do volume de ingredientes é importante, mas também tema questão de agregar valor. Há fábricas que produzem algum tipo de commodity e podem agregar ainda mais valor como setor de vegetais. Isso também passa por iniciativas dos governos, incentivando o consumo, como ocorre na Espanha e na Inglaterra, por exemplo. O Brasil precisa, de alguma forma, fazer isso também.

A empresa tem como tripé sabor, saudabilidade e sustentabilidade (Foto: Divulgação)

GR – Como o governo pode contribuir na prática?
Leta – Ele tem de ajudar no preço, com redução de certos impostos, pois a pesquisa e o desenvolvimento nas indústrias podem tomar conta, e cada uma tem seu estilo e suas prioridades. O ideal é ter preço mais acessível, para estimular o consumidor a experimentar.

GR – No campo, há entusiastas que veem o plant-based como oportunidade e certa resistência em relação aos efeitos na pecuária. Como fazer o agro ser parceiro, e não inimigo?Leta – Essa posição contrária é mais uma retórica de alguns, uma opinião de frigoríficos menores. Creio que o agronegócio já entendeu a importância do plant-based. Não é à toa que os principais frigoríficos já entraram nesse mercado.

GR – Dar lucro é um cartão de visitas interessante para convencer sobre a força do setor. O Brasil, inclusive, já exporta produtos plant-based. Mas até que ponto isso é interesse por mercados mais maduros no exterior ou só oportunidade cambial?
Leta – A Fazenda Futuro já exporta para 15 países e está abrindo novos mercados. Os mais fortes são Holanda, Inglaterra e Austrália. Em março, iniciamos a operação nos EUA, que têm um grande volume de negócios plant-based. Sempre tivemos o plano de desenvolver a tecnologia no Brasil e se transformar num hub de produção para o mundo. Porque aqui há matéria-prima, é mais barato produzir e, obviamente, a desvalorização do real frente ao dólar ajuda a ter um preço muito competitivo lá fora, mais próximo da carne animal. A projeção é que, neste ano, as exportações respondam por 40% dos negócios da Fazenda Futuro. Mas penso que o  grande diferencial sempre é a qualidade do produto. É assim que a gente cresce.

GR – Até que ponto as críticas sobre os produtos da indústria plant-based serem alimentos ultraprocessados preocupam o setor?
Leta – Isso não preocupa. Quando você olha nossos ingredientes, vê que são naturais. E a categoria tem crescido. O que importa são os números, que demonstram o interesse crescente do consumidor.

GR – A Fazenda Futuro já lançou similares à carne bovina, linguiça e frango. Pretende lançar algum análogo de peixe ou investir no mercado de carne feita em laboratório?Leta – Não está previsto entrar em carne de laboratório, só plant-based. E creio que a tecnologia vai evoluir para termos outros tipos de cortes. Mas, nessa fase, estamos focados em entregar ao consumidor aquilo que ele mais consome, como hambúrguer e carne moída.

GR – Que mensagem você deixa para o agricultor que tem interesse em contribuir com essa nova indústria?
Leta – Continue de olho no plant-based e entenda que está diante de uma oportunidade de agregar ainda mais valor para sua produção.

saiba mais

Carne cultivada deverá ter preço mais acessível em 2030, diz estudo

 
Source: Rural

Leave a Reply