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À esqueda, Oseas Dantas, agente comunitário de saúde no município de Caapiranga, no Amazonas (Foto: Divulgação/CONACS)

 

Oseas Dantas, agente comunitário de saúde no município de Caapiranga, no Amazonas, atende 100 famílias na região, equivalente a 218 indivíduos, entre idosos e pessoas com comorbidades, que estão entre os grupos prioritários para vacina da Covid-19.

Diariamente, às 7h, ele sai com um planejamento de quantas famílias visitará e como chegará até elas. E sabe que a chance de não voltar para casa no mesmo dia é grande. As distâncias são longas e o transporte é feito, majoritariamente, pelo rio. Ele conta que chega a levar até quatro dias para chegar a uma pessoa, muitas vezes idosa e que mora sozinha. 

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“É planejada uma viagem mensal e todo medicamento, junto com a equipe da saúde da família, fica embarcado na UBS fluvial, viajando por 20 dias, passando por Manacapuru e várias outras comunidades”, diz ele. Manacapuru também é nome do rio que possibilita a chegada da saúde básica aos moradores da região.

Há colegas que precisam atravessar rios a nado para assistir a essas comunidades

Ilda Angelica Correia, presidente da CONACS

Nascido em Caapiranga, Oseas conta que é comum, inclusive, atender parentes e acaba ficando disponível, pelo celular, 24 horas por dia, porque, apesar do município ter unidade básica de saúde, o deslocamento é difícil e quem passa mal não tem como ir até o posto.

O trabalho dele é um retrato das dificuldades enfrentadas pelos profisisonais de saúde para atender pacientes e promover o controle da pandemia de Covid-19 em regiões mais distantes do Brasil. A situação é de condições precárias e insegurança, de acordo com os responsáveis por, inclusive, fazer com que a vacina contra a Covid-19 chegue aos rincões do país

Estradas esburacadas, longas caminhadas em chão de terra sob o sol escaldante, ou sacudindo no lombo de um jegue ou atravessando a nado um rio no meio da floresta amazônica. Tudo isso, com responsabilidade de carregar os frascos com as doses que visam salvar vidas. Principalmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, onde, os relatos dos profisisonais são de falta do mínimo de esturtura para trabalhar.

Ilda Angelica Correia é presidente da Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde e Endemias (CONACS). Conta que o agente comunitário de saúde deve residir no mesmo território que atua, pois é comum que seja “a única presença do serviço de saúde na região”. Desta forma, ele sabe a realidade de cada território assistido, como onde residem os indivíduos de grupos prioritários e, mais do que isso, qual a melhor forma de acessá-los.

“Temos colegas agentes que andam de uma família a outra, cerca de 7 quilômetros a pé, ou de jumento, cavalo, às vezes motocicleta. Há colegas que precisam atravessar rios a nado para assistir a essas comunidades, além da falta de equipamento das unidades de saúde nestas regiões”, relata.

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Profissional retira a máscara e coloca materiais de trabalho nas costas para atravessar o rio no Amazonas (Foto: Divulgação/CONACS)

 

 

Desafios diários

 

 

Há comunidades que passam dois ou três dias sem energia, então o congelador para manter a temperatura [da vacina] num nível ideal não tem

Ilda Angelica Correia, presidente da CONACS

Ao mesmo tempo em que os profissionais enfrentam esta rotina, Ilda afirma que a maior parte das reclamações é a falta de máscaras, luvas e álcool em gel para que possam entrar nas residências com mais segurança. E as vacinas precisam ser armazenadas em locais frios, muitas vezes em temperatura negativa. Onde não há energia elétrica, o jeito é andar com caixas de isopor com gelo, sentindo a água derreter no calor do semiárido brasileiro.

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“Isso dificulta até em trazer [a vacina] em quantidade maior, porque não se tem como armazenar. Há comunidades que passam dois ou três dias sem energia, então o congelador para manter a temperatura num nível ideal não tem. É muito arriscado que a vacina perca sua efetividade, por causa do armazenamento precário e demora para entrega”, lamenta.

Segundo ela, a agonia dos agentes é não conseguir dar a resposta que o povo necessita. “A gente sabe que a vacina é a melhor prevenção, mas o Ministério da Saúde não está conseguindo dar conta da vacinação em massa, as prefeituras também não, e nesses territórios rurais, mais distantes, a dificuldade é ainda maior”, afirma Ilda.

Ouça abaixo trechos da entrevista com Ilda Angelica Correia, presidente da CONACS:

Monitoramento da Covid

No Maranhão, más condições nas estradas dificultam visitações dos agentes de saúde, que fazem percurso a pé (Foto: Divulgação/CONACS)

 

A presidente da CONACS garante que há monitoramento e rastreamento das vítimas da Covid-19 nas zonas rurais. Mas os números não refletem a realidade, pois há “muitos pacientes que são assintomáticos, ou que os sintomas são leves e não vão ao serviço de saúde, mas estão transmitindo o vírus para outras pessoas”.

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Tampouco há testes para detecção do vírus. Segundo ela, o acesso ao exame é muito difícil. “Muitas vezes há óbitos, mas não é notificado como Covid porque não deu tempo de fazer o teste, ou o resultado demora para sair e ser conferido”.

Ilda tem certeza que o número de casos no Brasil é subestimado, porque muita informação se perde entre o que acontece no campo e o que chega ao Ministério da Saúde. E a dificuldade logística é um entrave neste processo. O Ministério da Saúde não retornou os questionamentos da reportagem da Globo Rural.

A visita às comunidades é rotineira, mas, a depender do território, do clima e da condição das estradas é complicado chegar a todas as famílias. Se o agente, sozinho, for responsável por um grande número de atendimentos, a assistência fica ainda mais comprometida.

“Se eu tiver um excedente de famílias para visitar, e dentro do território eu tenho dificuldades, como nas zonas rurais, é claro que é humanamente impossível dar uma cobertura a 100% do meu território, então é possível que não haja cobertura integralmente fidedigna”, admite Ilda.

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Profissional chega às comunidades assistidas a cavalo para cumprir o plano de vacinação (Foto: Divulgação/CONACS)

 

Diferentes Brasis

Ricardo Siqueira, do Conselho Federal de Enfermagem, admite que não há como comparar o trabalho de profissionais que atuam em grandes centros com aqueles que desempenham funções em áreas rurais.

No meu município, o acolhimento do centro e para o pessoal das comunidades do interior é igual, não há diferenciação com a população rural

Luiz Henrique Lemos, dentista que trabalha na força-tarefa de vacinação em Quitandinha, Paraná

Ele explica que a zona rural tem uma demanda mais controlada por atendimentos. A dificuldade é a logística de acesso às comunidades. “Existe a necessidade de deslocamento dessa equipe a distâncias maiores, como distritos sanitários, sítios, fazendas, ou mesmo na região Norte, que é transitada por via aquática”, afirma. A população indígena também está nesse contexto. 

Os "diferentes Brasis" também aparecem no atendimento às zonas rurais, a depender da região. O que acontece no Norte e Nordeste é bem diferente do Sul do país, onde há algumas condições que tornam o trabalho mais viável. Ana Elisa Ceolim, agente comunitária de saúde em Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, conta que atende cerca de 65 famílias.

Segundo ela, carros da vigilância sanitária levam as equipes a quem habita casas mais distantes. No transporte, ela dita o caminho até o habitante, mas outra profissional é quem aplica a vacina. “A estrada, às vezes, não é tão boa, mas conseguimos chegar sem grandes dificuldades. E não falta luz em nenhuma residência em que eu vou”, afirma Ana.

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Luiz Henrique Lemos é dentista e trabalha no Sistema Único de Saúde (SUS) há 10 anos. É a primeira vez que integra uma força-tarefa de vacinação, atendendo ao pedido da Secretaria de Saúde de Quitandinha, no Paraná. Ele dá apoio à enfermagem e conta que cada equipe tem um carro à disposição, que se desloca para as cidades do interior sem dificuldades.

Afinal, o estado é conhecido pela boa infraestrutura logística. Assim, as vacinas advindas de Curitiba chegam à Quitandinha. “No meu município, o acolhimento do centro e para o pessoal das comunidades do interior é igual, não há diferenciação com a população rural. Há vários postos de saúde nestas comunidades rurais e a vacina tem chegado”, ele afirma.

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Enquanto isso, a muitos quilômetros de distância e dentro de um abismo de desiguldade de acesso à saúde no Brasil, Oseas Dantas, no Amazonas, diz que gostaria apenas de um tablet. Assim, poderia preencher a ficha dos pacientes mais rápido, sem que o deslocamento pelos rios molhasse as folhas de papel.

Agente de saúde caminha na lama para chegar às famílias assistidas (Foto: Divulgação/CONACS)

 
Source: Rural

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