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Quase um terço das propriedades dos 15 principais Estados produtores do país eram geridas por mulheres em 2017 (Foto: Getty Images)

 

Cada vez mais mulheres se preparam para a sucessão nas propriedades rurais do Brasil, sinal de que a maior presença delas na gestão do negócio é um movimento sem volta. É verdade que inovações tecnológicas tornaram a atividade mais atraente não só para as mulheres, porém, elas conquistam espaços num ambiente até alguns anos masculino, sobretudo porque têm investido em formação para participar de um dos setores da economia que mais crescem. E para perpetuar o negócio da família, claro.

Mas, se qualquer planejamento de sucessão já é, por si só, complexo, ganha outros contornos no caso de mulheres na linha de sucessão no campo. Especialistas admitem que, em alguns casos, ainda há resistência, mas os ventos começam a mudar.

“Hoje, há uma preparação muito melhor das mulheres, elas estão muito mais capacitadas, e há uma abertura maior do sexo masculino para que participem do negócio. As próprias mulheres não aceitam mais ficar de fora, elas querem saber (sobre a atividade). E como elas multiplicam muitas informações nesses grupos de mulheres (do agro), isso se espalha pelo Brasil todo”, diz Cilotér Iribarrem, sócio-fundador da Safras & Cifras, de Pelotas (RS), que trabalha com planejamento sucessório no meio rural. O consultor acrescenta que “a postura dos pais está mudando porque eles enxergam hoje que as mulheres são supercompetentes e não conseguem mais ser tão centralizadores diante da complexidade do negócio”.

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Jeffrey Abrahams, sócio-gerente especializado em agronegócios da Fesa Group, considera que as mulheres ocupam espaços porque veem que há oportunidades e se preparam para isso, mas ele reconhece que “existe ainda alguma resistência, porque o Brasil é um país machista”. No entanto, “quanto mais esclarecimento, (mais) ela vem diminuindo”. “Às vezes, um pai acha que o filho tem mais afinidade (com a atividade) e que a filha não que seja mais capaz. Se o filho for mais velho, tem um pouco disso.”

De acordo com a 7ª Pesquisa Hábitos do Produtor Rural, da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA), de 2017, quase um terço das propriedades dos 15 principais Estados produtores do país tinham mulheres no gerenciamento.

Fabiana Marques e o pai, Paulo de Castro Marques, diretores da Casa Branca Agropastoril (Foto: Divulgação)

 

Fabiana Marques é uma delas. Aos 34 anos, casada e com um casal de filhos, é a responsável, desde 2012, pela gestão da Casa Branca Agropastoril, que atua no melhoramento genético de bovinos das raças angus, simental e brahman, em quatro fazendas em Minas Gerais, e faz a cria de animais meio-sangue para gado de corte em Mato Grosso.

A postura dos pais está mudando porque eles enxergam hoje que as mulheres são supercompetentes"

Cilotér Iribarrem, sócio-fundador da Safras & Cifras

Ela nasceu em São Paulo, mas cresceu frequentando a fazenda de gado de leite da família do seu pai, Paulo de Castro Marques, na região de Pouso Alegre (MG). Quando o pai comprou propriedades em Silvianópolis e Turvolândia, onde a Casa Branca opera hoje, e iniciou o melhoramento genético, ela o acompanhava. “Meu pai sempre envolveu os filhos na atividade”, diz a produtora, que tem um irmão mais velho.

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Fabiana até começou a cursar publicidade e administração, mas o gosto pelo campo falou mais alto e ela foi estudar na Texas Tech University, nos EUA, onde se graduou em agricultura e economia aplicada, em 2011. Voltou ao Brasil e começou a trabalhar na Agropastoril com o pai, que também é sócio da farmacêutica Biolab, onde hoje seu irmão atua.

As decisões relacionadas à empresa rural são tomadas em conjunto com o pai, apesar de ele não se dedicar 100% à fazenda. “Algumas coisas tenho autonomia para resolver, mas até pela experiência (dele), me sinto segura de ter o aval dele.” Para ela, assumir uma posição que sempre foi do pai “é difícil”, assim como “é preciso entender como é difícil para os pais abrirem mão dela". “Tem de ter paciência. Com o tempo vai se encaixando”, diz.

Muitos trabalhos deixaram de exigir força física, o que favorece a inclusão da mulher no comando dos negócios"

Marielly Biff, consultora em sucessão familiar no agronegócio

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A trajetória de Fabiana ilustra bem como o investimento em formação tem feito as mulheres ganharem terreno na gestão das propriedades. Mas esse avanço, afirma Mariely Biff, consultora em sucessão familiar no agronegócio, “está relacionado também ao aumento da tecnologia e da inovação porteira adentro”, o que tornou “o ambiente mais atrativo, pois muitos trabalhos deixaram de exigir força física para a sua execução, permitindo que a gestão seja direcionada ao pensamento estratégico dentro da propriedade, o que favorece a inclusão da mulher no comando dos negócios”.

Autora da monografia Desafios na inclusão de herdeiras nos processos de sucessão em propriedades rurais, para o MBA em agronegócios da Esalq/USP, ela afirma que, independentemente do gênero do sucessor, o tema sucessão em si já gera resistências. A razão, diz, é que existe “a imagem de que sucessão é substituição”. Assim, algumas propriedades ainda adotam modelo tradicional de gestão, em que a sucessão é discutida tardiamente, apenas quando o fundador está doente ou vem a falecer. Para Mariely Biff, um planejamento sucessório organizado permite “explorar o que as duas gerações têm de melhor, fazer com que caminhem juntas para o crescimento coletivo”.

Ainda que possa haver resistências, o fato é que, à medida que o negócio rural cresce e novas tecnologias são introduzidas, os pais precisam do apoio desses filhos e filhas, diz Cilotér Iribarrem. “Até porque são poucos filhos. Antigamente, eram quatro ou cinco, hoje, um ou dois. Se os pais não conseguirem trabalhar com esses filhos, o que pode acontecer? Não vão ter sucessores. Têm herdeiros, mas não sucessores para ajudar a tocar o negócio”, afirma.

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No Grupo Wink, que atua em grãos e pecuária nas goianas Chapadão do Céu e Serranópolis e em Porto Nacional (TO), o processo de sucessão tem sido “bastante natural”, afirma a veterinária Carine Schneider Faifer, de 31 anos, que desde 2012 está à frente da gestão das propriedades em Goiás. Ela é neta dos pequenos agricultores gaúchos Roland e Nelda Wink (já falecida), que saíram de Panambi (RS), em 1983, com duas filhas, Margot e Astrid, e foram desbravar Chapadão do Céu (GO) para produzir soja. Seus pais, Margot e Renato, e os tios, Astrid e Dilceu (hoje tocando as Fazendas Nova Geração), ajudaram a ampliar o negócio. “Meu processo de sucessão foi bastante natural, assim como o de todas as mulheres da minha família. Minha avó sempre foi muito presente na gestão da fazenda”, conta a jovem, casada com um veterinário e mãe de duas meninas.

Veterinária Carine Schneider, de 31 anos, que desde 2012 está à frente das propriedades da família em Goiás. (Foto: Divulgação)

 

O fato de sempre ter vivido na fazenda – à exceção do período em que estudou na Universidade Estadual de Londrina e de um estágio na McGill University, no Canadá – e o vínculo com a terra também facilitaram o processo, diz.

Enquanto Carine toca as unidades de Goiás com os pais, os irmãos dela, Caroline, advogada, e Renato, agrônomo, estão na operação de Porto Nacional. Mas, segundo Carine, “todo mundo cuida de tudo. Minha irmã cuida do jurídico daqui, de lá. Eu cuido bastante da parte do gado também junto com meu esposo”.

Na atual estrutura do grupo, o fundador, Roland Wink, de 81 anos, é uma espécie de conselheiro, nas palavras de Carine. Os pais, afirma, “têm perfil de mentoria”, sempre incentivaram os filhos a estudar, são rigorosos, mas dão autonomia. “Cada filho tem o seu papel, mas as principais decisões são tomadas em conjunto."
Source: Rural

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