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Edenise Garcia, diretora de ciência da organização The Nature Conservancy (Foto: Reprodução/TNC)

 

Edenise Garcia, diretora de ciência da organização The Nature Conservancy, tem um extenso currículo. Bióloga formada no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), é mestre em ecologia aquática pela Universidade de Montreal, no Canadá, doutora com tese sobre o impacto de incêndios florestais e desmatamento e dois pós-doutorados, um em um arquipélago no Ártico canadense e outro na Amazônia brasileira. 

As competências curriculares vêm acompanhadas de uma bela dose de simpatia da cientista, que se revelou assim que atendeu a ligação para a entrevista. E logo no começo da conversa, para descontrair, brinca que já viveu em realidades de -40ºC e 40ºC, e, entre o dilema de viver a 800 quilômetros do Polo Norte e reviver o clima quente da Amazônia, o coração brasileiro falou mais alto.

A conversa duraria apenas 30 minutos. E a primeira pergunta foi inevitável: Por que voltar ao Brasil e escolher estudar a Amazônia? “Sempre foi, desde a infância, meu sonho de consumo”, conta Edenise, ao lembrar que isso aconteceu ainda durante o regime militar.

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Com oportunidades de trabalho no Canadá e no país de origem, deparou-se com estudos sobre a qualidade da água no bioma amazônico e “ali ficou claro para mim que era isso que eu queria para minha vida”, relembra. Desde então, o foco maior do trabalho da cientista é entender as mudanças climáticas, tentar antecipar algumas ações em relação a estas mudanças e/ou, ao menos, tentar minimizar e evitar impactos ao meio ambiente.

Tarefa que não tem sido fácil, ela admite. É que o desmatamento e as queimadas na Amazônia estão alcançando níveis inimagináveis. “Eu jamais imaginaria que iríamos retroceder tanto, já que, em meados de 2009, as coisas começaram a melhorar”. E com a derrubada da floresta, Edenise alerta para o aquecimento do planeta e uma possível crise hídrica.

São desmatamentos e mudanças do uso em terra minha, sua, da sociedade civil. Não podemos mais permitir

Edenise Garcia, diretora de ciência da TNC

“A floresta tem importância no ciclo da água, e no processo que a floresta tem a evapotranspiração perde essa água para a atmosfera, o que regula os ciclos da chuva. À medida que você tem menos floresta, você tem menos água”, diz. E adiciona que uma árvore é composta por 50% de carbono e sua derrubada contribui para o efeito estufa.

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Heterogeneidade da Amazônia

Outro ponto relevante que Edenise faz questão de mencionar é a heterogeneidade da Amazônia, com povos tradicionais, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, além da biodiversidade e particularidades regionais. “Não é um bloco único de floresta. É habitada e a perda da floresta acaba com comunidades e ameaça diferentes povos”, enfatiza.

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Esta mesma pluralidade do bioma faz com que ele apresente perda total ou gradual, a depender da região, diz a cientista. “A função ecológica está se perdendo, seja as espécies que ali vivem, seja a água ou a qualidade do solo. É um processo muito maior que a gente percebe, mas já se percebe olhando o solo degradado, que parece uma praia, pois virou areia”, lamenta Edenise. Segundo ela, no Arco do Desmatamento, que compreende as regiões oeste e sul da Amazônia, a situação está mais crítica. 

Comparando com o Ártico, ela esclarece que, enquanto a região é um receptora das mudanças climáticas, que sofre com as alterações no planeta, a Amazônia é considerada um contribuinte ativo para o aquecimento global quando acontece massiva perda de floresta. “O que acontece na Amazônia se reflete no mundo inteiro”, afirma.

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O que precisamos agora é de ações, de como parar esse processo de degradação, pois as consequências vão chegar logo

Edenise Garcia, diretora de ciência da TNC

Ciência x vontade política

Além de lamentar o aumento do desmatamento e os altos índices de queimadas, Edenise reclama do retrocesso que a ciência vive no Brasil nos últimos anos, em que cientistas e dados estão perdendo a voz.

“Não é a falta de conhecimento que seria um impeditivo para minimizar o que está acontecendo, mas é uma questão de boa vontade política, porque o que a gente precisa para reverter essa degradação, a gente já conhece. O que precisamos agora é de ações, de como parar esse processo de degradação, pois as consequências vão chegar logo”, aponta.

A esta altura, já tinham ficado para trás os 30 minutos programados para a entrevista. Mas a conversa segue. E Edenise se mostra indignada com o que chama de falta de percepção em relação à importância da floresta amazônica permanecer em pé.

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Estamos atendendo a interesses externos, porque a Amazônia e o Cerrado não são tão nossos assim há algum tempo

Edenise Garcia, diretora de ciência da TNC

“Essa visão de que a Amazônia vale pela terra porque tem muita terra está completamente deturpada”. E continua: “Amazônia tem potencial imenso mantendo a floresta em pé. Para o cara que quer produzir, replicando modelos de outras áreas do Brasil, parece que a Amazônia é boa sem floresta, mas a riqueza dela está justamente na floresta”, reitera.

Para a cientistas, a ótica de monocultura na Amazônia interessa ao “grande agronegócio”. Mas o Brasil necessita se desvencilhar da lógica colonialista e tomar o protagonismo e a riqueza da Amazônia para si, antes que seja tarde. “Estamos atendendo a interesses externos, porque a Amazônia e o Cerrado não são tão nossos assim há algum tempo, principalmente olhando esse mercado das commodities”, pontua.

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Por essa razão, ela critica o posicionamento do vice-presidente Hamilton Mourão, que preside o Conselho da Amzônia do Conselho da Amazônia, no que diz respeito a investimentos estrangeiros. “Esse protagonismo deveria sair aqui de dentro, é começar a enxergar esse valor aqui dentro, e não entrar num novo ciclo de colonialismo.”

Inteligência territorial

Antes de encerrar a entrevista – feita via internet, devido à pandemia da Covid-19 – a cientista Edenise Garcia lembra que é importante entender onde a perda da floresta está acontecendo, já que o Brasil ainda tem muitas áreas florestais não destinadas, “que deveriam ser designadas para entes que as protegessem de forma sustentável”, diz.

“Essas áreas não destinadas, estão sendo abandonadas e tomadas de forma ilegal. Fazendas enormes que estão em áreas da União. Se houvesse inteligência territorial para mapear onde há essa degradação, poderia haver uma fiscalização e controle muito maior”, reclama.

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De outro lado, Edenise se dis a favor do incentivo à bioeconomia – que, segundo ela, já é de conhecimento científico e da indústria farmacêutica há muitos anos. O processo de abrir terra para formar pastagens, ressalta a cientista, tem prazo de validade. “São desmatamentos e mudanças do uso em terra minha, sua, da sociedade civil. Não podemos mais permitir.”
Source: Rural

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