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Usina de biogás. Resíduos da agropecuária são vistos como importantes para aumentar a oferta desse tipo de energia (Foto: Divulgação/Alegra)

 

Com uma demanda cada vez maior por uma matriz energética mais limpa, a agropecuária brasileira mostra mais uma vez que tem como contribuir de forma significativa. O setor, que já tem no etanol – de cana-de-açúcar e de milho – e no biodiesel referências em energia renovável, vem olhando para o biogás como potencial de agregar valor com sustentabilidade.

Dados da Associação Brasileira de Biogás (Abiogás), apontam que o segmento cresce cerca de 40% ao ano no país. Mas ainda há um caminho a percorrer, considerando as dimensões do país e da agropecuária. A produção, atualmente, gira em torno de 80 a 90 milhões de metros cúbicos por dia, mas pode chegar a 120 milhões reaproveitando os resíduos do campo e da cidade, o suficiente para atender a um quarto da demanda nacional por energia.

De acordo com o vice-presidente da Abiogás, Gabriel Kropsch, são cerca de 550 usinas produtoras de biogás no Brasil, das quais mais de 400 estão localizadas ou relacionadas à produção rural. Mas ainda é bem menos que outros países onde o uso do biogás é mais amplo. Alemanha e Itália têm 13 mil plantas, sendo 8 mil alemãs e 5 mil italianas. Nos Estados Unidos, afirma, 30% do gás usado no transporte já é de matéria orgânica.

“O Brasil tem, realmente, um potencial fantástico de produção de biogás, da ordem de 40 a 43 bilhões de metros cúbicos por ano. Quase 80% de todo o óleo diesel consumido no país, que a gente poderia substituir por uma fonte renovável e produzida a um custo competitivo”, destacou Kropsch, em transmissão ao vivo pelas redes sociais da Globo Rural.

Empresas e cooperativas reforçam as apostas no biogás. Em outubro, a Raízen, uma das maiores processadoras de cana-de-açúcar do Brasil, inaugurou a primeira usina comercial a partir da torta de filtro e da vinhaça. A unidade, localizada em Guariba (SP), recebeu invstimentos de R$ 153 milhões. Os subprodutos da cana serão usados para produzir energia elétrica.

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A indústria de cana indica ter um importante papel, especialmente na geração de eletricidade. Dados da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), que representa as usinas de açúcar e etanol do Centro-Sul do Brasil, apontam que, em 2019, de 360 unidades industriais, todas eram autossuficientes em energia elétrica e 194 produziam excedentes para a rede.

Nas estimativas da Unica, o direcionamento apenas do biogás de vinhaça para a energia elétrica seria suficiente para atender 10% do consumo residencial do Estado de São Paulo. Adicionando como fontes a palha e a torta de filtro, o volume produzido seria equivalente a 93% da eletricidade consumida nas residências paulistas.

Isso falando apenas do setor sucroenergético. Mas o biogás e o biometano podem ser obtidos dos resíduos de outros segmentos da produção agrícola e da pecuária. Os biodigestores, equipamentos que fazem esse processamento, convertem a matéria orgânica em gás e o que sobra pode ser usado de volta no campo, como adubo.

Cooperativas

No Paraná, a cooperativa Castrolanda e o grupo Unium – que reúne a própria Castrolanda e as cooperativas Frísia e Capal – colocaram em operação neste ano duas usinas de geração de energia a partir do biogás, um investimento de R$ 17,8 milhões. A capacidade total é de produzir 15.600 metros cúbicos diários, gerando 1.430 kW.

A planta da Castrolanda entrou em operação em março, no município de Piraí do Sul (PR) e usa dejetos da produção suína como matéria-prima, alimentando uma usina de 230 kW de potência. O sistema consumiu investimentos de R$ 4 milhões.

Já a unidade da Energik Geradora de Energia, pertencente ao Grupo Unium, começou a operar em abril deste ano. Além dos dejetos da suinocultura, é abastecida por resíduos de uma indústria de leite, lavagem de batatas e produção de batatas fritas. O investimento de R$ 13,8 milhões vai atender a uma demanda de 1.200 kW de potência.

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As duas unidades fazem também a reutilização do dióxido de carbono (CO2) resultante da conversão do biogás em biometano. O gás é utilizado em frigoríficos da marca Alegra, promovendo uma economia de R$ 1 milhão. E, como os resíduos orgânicos, antes descartados, passam a alimentar o biodigestor, é mais uma economia. Apenas as indústrias que abasteciam a Energik gastavam cerca de R$ 1,5 milhão para fazer esse descarte.

“Destinávamos os resíduos a um terceiro, não tínhamos controle ou rastreabilidade. Agora usamos esses resíduos internamente, com toda a rastreabilidade e garantia de que estamos fazendo a destinação ambientalmente correta”, explica Vinicius Fritsch, gerente de Negócios Energia da Castrolanda.

Como as plantas já produzem biometano, Fritsch conta que o combustível será usado para abastecer veículos de pequeno e grande porte. Primeiro na frota da Unium, depois na da Castrolanda. Além da produção de biofertilizantes. “Esse mercado vem crescendo 25% ao ano”, diz Fritsch, detalhando que a demanda pelo produto vem crescendo para substituir os fertilizantes químicos.

A visão é otimista para esse mercado. A Castrolanda pretende instalar um biodigestor por ano a partir de 2021, chegando a cinco sistemas em 2025, na planta da Energik.

No trator e na rede elétrica

Com expertise no aproveitamento do biogás, a Auma Energia – um dos 13 negócios da holding Auma Negócios, com atividades agropecuárias no município de Patos de Minas (MG) – possui uma planta piloto de biometano com capacidade de produção diária de 180 metros cúbicos. O biocombustível é usado para abastecer um trator (protótipo da New Holland, movido 100% a biogás) que estava sendo testado, além de outros 6 carros. A meta é que sejam 20 carros nos próximos anos.

A empresa possui ainda seis usinas de minigeração, com 2,5 mega Watts de potência instalada (equivalente ao consumo de 10 mil residências), além da produção de composto orgânico. A planta piloto de geração de energia é a primeira, com potência instalada de 500 kilo Watts, já gerou mais de 4 mil MWh desde 2016. 

"O sonho do biogás partiu em 2004, de usar aquilo que era um problema, algo descartável, em alguma coisa que gerasse valor para o próprio negócio e que atende tanto os interesses econômicos, ambientais e, principalmente, a segurança energética. Mas queríamos fazer algo a mais", contou André Holzacker, produtor rural e diretor da Auma Energia, durante a transmissão da Globo Rural.

Segundo ele, a ideia é buscar a mitigação do impacto ambiental, a redução do custo de produção e, principalmente, a segurança energética na zona rural, onde a energia elétrica é mais complicada. Holzacker afirma que, para construir um setor elétrico de grande durabilidade e descentralizada no país, o biogás não pode faltar, assim como o biometano.

Embora comemore a resolução que regulamentou o biometano, diz que nem sempre é fácil convencer o produtor a trocar o trator a diesel por um movido a biometano. "Nossa dificuldade, como não temos esse mercado, é que a nossa própria frota tem que ser convertida em Belo Horizonte, que fica a 400 km de distância. Estamos na segunda maior bacia leiteira do país, o levantamento é de que só de gado de leite, temos um potencial de 600 mil m3 de biometano por dia e é bem considerável, mas não há nada de biogás e está muito longe dos gasodutos", explica.

Assista à íntegra da live sobre biogás

“O mercado está crescendo muito. Ano a ano a gente vê novas empresas investindo. O mercado está se desenvolvendo rápido e queremos que ele avance o mais rápido possível”, resume Gabriel Kropsch, da Abiogás, para quem a tendência é da cadeia produtiva se mobilizar, beneficiando a cadeia de tecnologia, prestação de serviços e outros segmentos.

Ele pontua que a maior demora veio da parte regulatória, mas é algo que vem sendo solucionado. O programa Renovabio, por exemplo, dá a possibilidade de produzir e vender o biogás e gerar os créditos de descarbonização (Cbios), instrumentos financeiros que têm seu valor estabelecido com base na eficiência energética do produtor.

Outra norma que pode beneficiar o setor é a chamada Lei do Gás, aprovada na Câmara dos Deputados e no Senado, mas terá que ser avaliada novamente pelos deputados. O projeto trata de temas como transporte, importação, exportação e armazenamento de gás natural.

Biogás no transporte

O biogás é visto também com potencial para deixar a matriz de transportes mais limpa. De acordo com a União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica), a produção de biometano a partir da biodigestão da vinhaça pode chegar a 20% do gás natural consumido no Estado de São Paulo. Acrescentando a palha e a torta de filtro, o volume potencial saltaria para 80% do volume de gás natural e para 70% do diesel consumido pelos paulistas.

Máquinas agrícolas, além de veículos pesados, como caminhões e ônibus, vem sendo desenvolvidos para utilizar esse tipo de energia. A fabricante de caminhões Scania, multinacional de origem sueca, colocou à venda em 2019 um caminhão movido a gás natural e que pode também ser abastecido com o biometano.

A empresa vem testando há vários anos diversos combustíveis alternativos, no Brasil e na Europa. Considerou que o modelo a gás seria o mais adequado à realidade brasileira. Segundo o diretor de Vendas de Soluções da empresa no Brasil, Silvio Munhoz, além de ser mais sustentável do ponto de vista ambiental, o gás se mostrou economicamente viável.

Quase 80% de todo o óleo diesel consumido no país, que a gente poderia substituir por uma fonte renovável e produzida a um custo competitivo"

Gabriel Kropsch, vice-presidente da Abiogás

A tecnologia tem no Brasil sua plataforma de aplicação no mercado nacional e de outros países da América Latina, o que é feito a partir da fábrica da empresa em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista. A promessa é de um produto que reduz em até 90% as emissões de poluentes em relação aos modelos abastecidos com combustíveis fósseis.

“O tema da sustentabilidade está se tornando cada vez mais importante no mundo empresarial, não apenas para as empresas de transporte, mas também para os geradores de carga”, afirmou Munhoz, também durante a live da Globo Rural.

A avaliação do executivo é calcada na carteira de compradores do novo modelo. Empresas como a Pepsico, por exemplo, adquiriram o veículo para renovação da própria frota. Outras companhias aderiram à novidade através de parceiros que lhes prestam serviço, envolvendo-as no projeto de sustentabilidade de suas cadeias logísticas.

É o caso da Nespresso. Atualmente, a empresa tem um caminhão a gás natural/biometano atendendo à rota Rio-São Paulo. Mas já existem planos de expandir para outras regiões. A operação logística da companhia inclui também veículos elétricos.

“Em função do crescimento do negócio para determinadas novas regiões, começa a justificar a montagem de um polo de entrega verde”, explica o diretor de Operações da Nespresso do Brasil, Gilberto Avi. “A ideia do caminhão a gás chegou para reduzir as emissões nessas rotas”, acrescenta, destacando que a empresa também tem centros de distribuição em Porto Alegre (RS) e Recife (PE).

O plano da empresa é reduzir em pelo menos 28% a chamada “pegada de carbono” nas diversas fases de sua operação, desde a origem do café até as embalagens. De acordo com a área de sustentabilidade, a logística representa, em média, cerca de 8% das emissões de gases poluentes da Nespresso, considerando o ciclo de vida do produto, em escala global.

“Ainda não vou encontrar a mesma maturidade e engajamento em todos os parceiros. O que a gente busca é dividir os riscos. Demos bons passos, mas não são todos os parceiros que estão nesse propósito. O que não quer dizer que não vão estar no futuro”, sinaliza Avi.

Infraestrutura

O principal desafio para a expansão do uso de veículos como o caminhão a gás é a demanda por infraestrutura de abastecimento. Uma lacuna que pode pode ser preenchida pelo biogás das propriedades rurais, que, pelo potencial, pode ser importante para a interiorização desse tipo de tecnologia.

“O gás natural vai se alavancar como veículo para o biometano. Não vejo nenhuma das empresas que hoje estão adotando o veículo a gás que não estejam olhando para o biometano”, afirma Munhoz. “E, mesmo no futuro, quando se adotar a eletricidade (no transporte), o biometano terá papel fundamental.”

“A agroindústria brasileira é o caso perfeito para resolver esse problema. As propriedades rurais em escala industrial tem potencial muito maior que o consumo equivalente em diesel e poderão gerar excedente”, acrescenta Gabriel Kropsch, da Abiogás. “A agroindústria tem, literalmente, a faca e o queijo na mão para se aproveitar desse novo combustível.”

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Kropsch afirma não ver o gás natural como concorrente do biogás, mas de outros combustíveis, como os derivados de petróleo. Ele acredita que o mundo ainda vai depender dos combustíveis fósseis por algum tempo, mas tornar a matriz energética mais limpa é um caminho a ser perseguido.

“Eu tenho certeza que até 2030 o biogás e o biometano podem atingir um patamar de dentro da matriz energética e de transporte que seja relevante. O mundo ainda vai depender de energia fóssil, mas é um caminho que a gente tem que perseguir. A questão é agregar e compor essa matriz, que vai ser de acordo com cada região e situação”, afirma o vice-presidente da Abiogás.

Silvio Munhoz, da Scania, avalia que a ampliação da infraestrutura de distribuição de gás no transporte pesado tende a ocorrer de forma gradativa e ganhar força à medida que grandes investidores se interessarem. “Acredito que em três, quatro anos, teremos uma boa participação disso na produção da Scania em veículos e motores. Estamos capacitados para acompanhar a demanda e a expectativa é de crescimento geométrico”, projeta o executivo.
Source: Rural

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