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(Foto: Clovis Miranda/FAS)

 

A Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura alterou, a partir desta terça-feira (15/12), as regras para concessão de outorgas de uso de águas da União para aquicultura, retirando da análise dos projetos as avaliações de cunho socioambiental.

O decreto, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro e pelos ministérios da Economia, Agricultura, Defesa e Desenvolvimento Regional, transfere da Agência Nacional de Águas (ANA) para o Ministério da Agricultura a decisão de outorga das áreas a serem concedidas e exclui do processo o Ministério do Meio Ambiente – que até então, precisava concordar com a localização dos parques aquícolas a serem autorizados.

“O que o decreto trouxe foi a exclusão do Meio Ambiente e, com isso, excluiu a segurança ambiental como critério de avaliação do projeto”, explica o especialista em aquicultura e biologia marinha de água doce, José Marcelo Aranha.

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Membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, Aranha ressalta que havia uma norma do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que definia critérios para a atividade da aquicultura, levando em consideração o risco da espécie a ser cultivada para a comunidade natural.

“O que eles fizeram foi simplificar o processo de licenciamento tirando os órgãos ambientais”, explica o especialista, que alerta para o risco de desequilíbrios ambientais provocados pela atividade.

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Via de regra, são considerados cursos de água da União aqueles cuja extensão abranja mais de um Estado, além dos que se encontram em terrenos da União ou áreas de fronteira, entre outras. 

A definição dessas áreas foi suprimida do novo decreto, que revoga a lei vigente desde 2003 e também exclui a previsão de “faixas ou áreas de preferência”, que eram cedidas prioritariamente a populações tradicionais atendidas por programas de inclusão social. 

“Quem mais se beneficia do decreto é quem tem capital para investir nesse tipo de cultivo. O pescador simples, artesanal, não entra como beneficiário deste decreto, pelo contrário, corre mais risco”, pontua Aranha.

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Licenciamento

Em suas redes sociais, o secretário de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Jorge Seif Jr., refutou as críticas de que a medida fragiliza o meio ambiente, uma vez que caberia aos Estados, segundo ele, o licenciamento ambiental da atividade.

O decreto, contudo, não trata do licenciamento da atividade, mas da cessão de uso, pela União, de recursos hídricos sob sua responsabilidade. Nesses casos, a avaliação de dano ambiental antes da outorga, independentemente da autorização estadual, é de responsabilidade do governo federal.

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“Qualquer atividade precisa de licenciamento. O licenciamento é a avaliação de que a atividade está dentro dos conceitos de sustentabilidade. Só que quando você está exercendo a atividade em uma área pública, você precisa ter cessão daquela área”, explica Luis Tadeu Assad, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade.

Segundo ele, o novo texto, ao suprimir trechos específicos relacionados ao desenvolvimento social da aquicultura, gera a necessidade de medidas adicionais que garantam a inclusão de pequenos produtores.

“É importante produzir mais e gerar mais emprego, mas isso pode ser extremamente excludente porque a velocidade de grandes empresários pode ser diferente de grupos ribeirinhos que também querem ter acesso à atividade”, explica Assad.

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Entre os artigos suprimidos no novo decreto, estão normas específicas para aquicultura em unidade de conservação em áreas da União e critérios socioambientais para a avaliação dos projetos. No caso de cessão para pesquisa, o novo texto deixa de prever a necessidade de comprovado reconhecimento científico ou técnico para essas outorgas, cujo prazo passará de 25 para 35 anos.

“Os critérios técnicos ambientais são para garantir a prevenção de riscos futuros. Sem isso, as pessoas vão sair fazendo, e todos aqueles que gerarem impacto ambiental mais consistente terão a possibilidade quase nula de recuperar o quadro. Não é que as pessoas não querem que haja emprego e renda, mas a que preço?”, observa Aranha.

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Setor comemora

Em vídeo, o presidente da Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR), Francisco Medeiros, comemorou a mudança. Segundo ele, a medida era uma das principais demandas da entidade junto ao governo federal.

“Com essa ação, transformamos a potencialidade de peixe em águas da União e hidrelétricas do Brasil em efetivamente oportunidades de negócio para o empresário brasileiro. É um novo momento, uma nova realidade, momento de investir com segurança”, afirmou Medeiros.

Em nota, o presidente da Comissão Nacional de Aquicultura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Eduardo Ono, afirmou que o setor esperava um novo decreto “há anos”. “Isso é interessante porque unifica e, principalmente, elimina a necessidade de licitação, que era outro processo que demorava demais para o cessionário conseguir chegar à documentação definitiva para uso da área”, ressaltou Ono.

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Procurado, o Ministério da Agricultura destacou que continuará respeitando a capacidade de suporte de cada reservatório estabelecida pela Agência Nacional de Águas (ANA) e que o Ibama apenas deixará de analisar os pedidos de cessão, mantendo as demais atribuições, como a definição de quais espécies podem ser exploradas nas diferentes regiões do país.

O governo estima um potencial produtivo de cerca de 3,9 milhões de toneladas de peixes ao ano só em águas de reservatórios de usinas hidrelétricas federais. 

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“A publicação do Decreto 10.576 /2020 objetiva modernizar a gestão da aquicultura em águas da União, dando celeridade e, principalmente, possibilitando a regularização de produtores. Foi necessário realizar uma atualização das normativas em virtude do crescimento do setor de aquicultura, o que provocou uma desconexão com o Decreto 4.895/2003, que completou 17 anos de vigência”, explica a pasta. 

Só neste ano, a Secretaria de Aquicultura e Pesca já assinou 92 contratos de cessão, com capacidade de produção de 92,8 mil toneladas ao ano, segundo dados do Ministério da Agricultura. Procurados, Ibama e ANA não se manifestaram até a publicação desta reportagem.
Source: Rural

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