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Terraços de Honghe Hani, na província de Yunnan, são considerados patrimônio cultural da humanidade (Foto: Getty Images)

 

*Publicado originalmente na edição 421 de Globo Rural (Novembro/2020)

Quando o governo de Cingapura anunciou, em março deste ano, que faria um pronunciamento à nação em meio a um pico de casos de Covid-19, a população já previa o que viria.

Certos de que uma longa quarentena seria anunciada nas próximas horas, os cingapurianos correram aos mercados e esvaziaram as prateleiras. Num país em que mais de 90% dos insumos primários (pré-processamento) para alimentação são importados, o medo da falta de comida assombrou a população.

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No caso de Cingapura, acordos com diversos países fornecedores, sobretudo a Malásia, garantiram que nada faltasse na mesa dos cidadãos. Mas, assim como a cidade-Estado, outros países da Ásia acenderam uma luz amarela na questão da segurança alimentar.

Para além das discussões sobre a qualidade sanitária do que é comprado, países como Japão, Coreia do Sul e Filipinas discutem formas de ficarem menos vulneráveis a choques globais, diminuindo a dependência das importações.

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Nos últimos meses, o avanço da pandemia levou vários países a impor quarentenas a seus habitantes e a fechar fronteiras, de modo que toda a cadeia de exportação agrícola – desde o plantio, passando pela colheita, até o transporte para o porto e para um novo país – ficou prejudicada por falta de trabalhadores e problemas de logística.

Uma dor de cabeça que assustou os países que dependem de importação para alimentar seus habitantes. O assunto ganhou os noticiários locais, e os governos desses países ressuscitaram e deram fôlego extra a políticas destinadas a diminuir – ou diluir – a dependência de importações.

Cingapura, por exemplo, quer ter autonomia para suprir 30% das necessidades nutricionais da sua população até 2030, uma iniciativa apelidada de “30 em 30”. Em abril, o país anunciou cerca de R$ 123 bilhões como um reforço ao programa, com o intuito de expandir a produção agrícola.

Fazendas urbanas e outras alternativas de produção são apostas para tentativa de autonomia alimentar de Cingapura (Foto: Getty Images)

 

Com apenas 2 quilômetros quadrados de terra plantada – menos de 1% dos 700 quilômetros quadrados totais do país – e pouco espaço para crescer, Cingapura aposta em fazendas verticais, plantações em rooftops e em estudos para produtos e culturas alternativas, como plantação de arroz no mar e uso de microalgas como fonte de proteína.

O Japão também fixou uma meta ambiciosa: quer ter autossuficiência na produção de 45% das calorias ingeridas pela sua população até 2025. Em 2018, esse percentual era de 37%, considerado arriscado para lidar com contingências como quebras de safra. O país investe na agricultura local e nos pequenos agricultores para a demanda interna, mas também quer aumentar as exportações de pesca e da carne “de luxo” do gado wagyu.

Hoje, a participação do agro na economia japonesa é mínima. Segundo relatório da Fitch Solutions, casa de análises que faz parte do grupo que engloba a agência de classificação de risco Fitch Ratings, a agricultura no Japão representa apenas 1,3% do total bruto de valor agregado do país (GVA, que considera o PIB, mais subsídios, menos os impostos). Na Coreia do Sul, esse percentual é de 2%.

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Para sair do papel, todos esses programas para aumento da produção interna devem enfrentar uma série de dificuldades para ganhar escala. Sem terra para plantar – Cingapura é uma ilha, e o Japão tem montanhas em 61% de seu território –, esses países precisam de alta tecnologia a fim de viabilizar e otimizar as plantações em fazendas urbanas.

Se, por um lado, o desperdício na armazenagem e no transporte, comum na agricultura tradicional, são minimizados nas fazendas urbanas, por outro, garantir produção o ano todo com pouco espaço e independentemente das condições climáticas, usando, muitas vezes, espaços fechados, demanda tecnologia de ponta e, consequentemente, tem alto custo. Em vários dos casos, dependem de subsídio governamental para se manter.

Além disso, as culturas possíveis nesse tipo de plantação ainda são limitadas, aponta o professor William Chen, professor e diretor do departamento de ciência alimentar e tecnologia da Universidade Tecnológica de Nanyang (NTU), em Cingapura.

Não é simples plantar qualquer produto em fazendas urbanas. Até agora, temos visto produção de vegetais e ervas

William Chen, professor da NTU, em Cingapura

Ele destaca que esse movimento de busca por aumentar a autonomia é uma tendência que surgiu na Ásia antes do coronavírus, motivada pelas mudanças climáticas e pelo aquecimento global, mas ganhou novo destaque com a pandemia. Chen pondera, contudo, que não vê as fazendas urbanas como uma ameaça à agricultura tradicional.

“Eu não vejo as fazendas urbanas como um problema para as fazendas tradicionais, e há alguns motivos para isso. O primeiro deles é o custo. O segundo é que não é simples plantar qualquer produto em áreas urbanas. Até agora, temos visto produção de vegetais e ervas. As fazendas urbanas querem produzir proteína para compensar os custos. Mas o custo da alta tecnologia tem de ser considerado”, aponta o professor.

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O consultor macroeconômico da Oxford Economics, Tom Rogers, pondera que, se esses programas forem levados de forma a aumentar o grau de protecionismo e acabarem por fechar a fronteira ou dificultar a entrada de produtos externos, isso não só vai aumentar o preço para o consumidor como vai criar mais volatilidade nos preços de mercado.

Na opinião de Rogers, uma alternativa melhor é procurar atingir a segurança alimentar por meio de “um conjunto diversificado de fornecedores”. Hoje, muitos países asiáticos têm uma enorme concentração, com alguns países comprando quase todo o estoque de insumos de alguns poucos exportadores.

Cingapura aposta em estudos para produtos e culturas alternativas em razão de seus 2 km quadrados de terras plantadas (Foto: AFP)

 

O Laos, por exemplo, tem um dos casos mais críticos e importa quase 90% de toda a sua comida e bebida da Tailândia e do Vietnã. Esse também é o caso das Filipinas, que em março lançou o programa chamado Plant, Plant, Plant, para aumentar a autonomia e diversificar fornecedores.

Hoje, 70% das importações de arroz do país vêm do Vietnã, que suspendeu as exportações de arroz no início da pandemia, para abastecer o mercado interno, deixando as Filipinas em uma posição extremamente vulnerável. A meta do governo é elevar a produção de arroz para 13,5 milhões de toneladas, suficiente para atender a 93% da demanda do país. Hoje a autonomia é de 80%.

O professor Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global, lembra que o movimento protecionista na Ásia gerou uma preocupação global de que isso se tornasse uma tendência no continente. Para ele, contudo, assim como esse primeiro impulso foi revertido, a tendência de buscar maior autonomia também deve ser minimizada nos próximos meses, à medida que a cadeia de suprimentos global volte a funcionar com normalidade.

Numa situação de normalização, até o ano que vem, acho que esses movimentos protecionistas vão voltar atrás

Marcos Jank, coordenador do Insper Agro Global

Jank lembra que, nos últimos anos, vários desses países ancoraram o crescimento de suas economias nas fronteiras abertas e no livre-comércio. No caso de Cingapura, por exemplo, o porto do país acaba funcionando como um centro de recebimento das importações agrícolas que são, depois disso, distribuídas pela Ásia.

“Não vejo por que esses países caminhariam para um protecionismo, com produção própria, o que pioraria a qualidade geral do que se oferece à população. Não vejo um movimento desses prosperando, a não ser que tenha outras crises, um novo ciclo de Covid-19. Aí pode inclusive ter outros reflexos, como fechamento de fronteira efetivamente. Numa situação de normalização (da pandemia) até o ano que vem, acho que esses movimentos protecionistas vão voltar atrás”, opina Jank.

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Para William Chen, da NTU, encorajar os países a serem mais independentes não pode ser confundido pelo governo com política para fechar suas fronteiras. Na opinião do professor, se Cingapura conseguir promover um sistema mais equilibrado, não só para atender à deman- da interna, mas numa parceria com os governos do Sudeste Asiático, a vulnerabilidade de toda a região pode ser minimizada. 
Source: Rural

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