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(Foto: Getty Images)

 

O primeiro estudo da genética da cannabis no Brasil, que está em andamento sob comando da escola de agronomia da Universidade Federal de Viçosa (UFV-MG), em parceria com a startup ADWA Cannabis, segue a trilha das pesquisas que transformaram o Brasil em modelo de sucesso para grandes culturas.

Os experimentos com a maconha repetem passos dados com a soja na sua chegada ao Brasil, em meados do século passado. “O que estamos fazendo agora com a cannabis pode ser comparado com o que aconteceu com a soja nos anos 1950”, diz o engenheiro agrônomo Sérgio Barbosa Ferreira Rocha, fundador e diretor da ADWA.

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“Quando chegou ao Brasil, a planta era totalmente desvalorizada, achavam que não servia nem para bicho comer. Mas na Ásia já era muito reconhecida”, acrescenta. Outro empecilho era o clima – a soja não se dava bem em nenhuma região do Brasil e só conseguiu ser cultivada no sul do país, ainda assim com baixa produtividade.

A adaptação ao clima e a maior resistência às doenças da soja só foram possíveis graças principalmente às pesquisas de universidades brasileiras e da Embrapa. Com o melhoramento genético, a soja passou a ser cultivada até no Norte do país, com rendimento cada vez maior.

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“A viabilidade de qualquer cultivo está diretamente relacionada à disponibilidade de material genético de qualidade”, diz Dennys Zsolt Santos, engenheiro agrônomo e pesquisador da Canapse, associação de pesquisadores que desenvolve projetos sobre a cannabis medicinal para uso humano e veterinário e parceira da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) em pesquisa sobre o cultivo da planta da maconha.

“Trata-se de uma iniciativa estratégica para o país”, completa. A implantação de bancos de germoplasma (material genético) de cannabis para pesquisa e desenvolvimento tecnológico e industrial é prioridade para as duas escolas, a UFV e a UFRRJ.

Dennys Zsolt Santos, engenheiro agrônomo e pesquisador da Canapse (Foto: Divulgação)

 

As grandes culturas agrícolas no Brasil como soja, milho e arroz já possuem seus genes sequenciados. Através do sequenciamento genético, abrimos a possibilidade de identificar e localizar os genes responsáveis pela produção e síntese de metabólitos de interesse

Dennys Zsolt Santos, engenheiro agrônomo e pesquisador da Canapse

 

O estudo permite também identificar as plantas mais resistentes a pragas, mais tolerantes a altas temperaturas e umidade e floração com maior produtividade de metabólitos, que são os produtos farmacologicamente importantes da cannabis.

Para o pesquisador da Canapse, o Brasil está atrasado uma década em pesquisas nesta área, porém, tem sólidos fundamentos, pesquisadores capacitados e infraestrutura para alcançar a frente em curto espaço de tempo. Mas quando se olha para o atual cenário ainda não há sequer consenso sobre a classificação taxonômica do gênero cannabis. A hipótese de que já haveria “maconha transgênica” é apenas uma hipótese distante, diz o pesquisador.

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Um mapa da cannabis para o país

O experimento de melhoramento genético da cannabis não é a primeira contribuição da UFV e da ADWA no estudo dessa planta. No ano passado, as duas instituições – mais o Grupo Brasileiro de Estudos Sobre a Cannabis – mapearam a aptidão do solo brasileiro para o cultivo da planta.

O estudo inédito ganhou o nome de Potencial brasileiro para o Cultivo de Cannabis Sativa para Uso Medicinal e Industrial. O mapa revela que, no Brasil, 80% de suas terras cultiváveis são aptas para a produção da cannabis. Seriam 5 milhões de km2 ou cerca de 6% de todo o território nacional, com destaque para o Nordeste e o Centro-Sul.

A informação foi revelada com exclusividade pela Revista Globo Rural na edição de novembro de 2019, apontando que a Cannabis pode vir a ser a mais nova commodity agrícola.

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A legislação aprovada no ano passado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no entanto, autorizou o uso medicinal da cannabis, mas proibiu seu plantio em território nacional. Desta forma, embora tenha a maior extensão de terra apta para o cultivo da planta, o país continua dependente da importação da matéria prima, o que faz subir o preço dos medicamentos.

Com terra e clima propícios, a matéria prima brasileira teria o menor custo internacional, competindo com a colombiana. Produzida sob controle do governo, o custo de produção na Colômbia chega a ser um quinto do que é cobrado pela matéria prima no Canadá.

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No Brasil, dados das empresas New Frontier Data e Green Hub apontam para um mercado que pode chegar a R$ 4,7 bilhões por ano – considerando que o país tenha ao menos 3,9 milhões de pacientes que podem se beneficiar do canabidiol. Esse valor equivaleria a 6,3% do faturamento da indústria farmacêutica brasileira.

Nos Estados Unidos, estima-se que o mercado de CBD movimentará, nos próximos três anos, mais de US$ 23 bilhões, quatro vezes mais que em 2019. Na Europa, o mercado de canabidiol deve aumentar em cinco vezes até 2021, atingindo 1,5 bilhão de euros, segundo a consultoria Brightfield. Em 2018, esse setor movimentou 273 milhões de euros. 

Segundo o diretor da ADWA, o próximo desafio é encontrar parceiros para viabilizar a construção de um centro de pesquisas integradas sobre Cannabis. Isso permitiria a ampliação das possibilidades de desenvolvimento de novas tecnologias para o mercado brasileiro.

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Banco genético protegido

O cruzamento genético entre plantas da mesma espécie é uma prática rotineira nos programas de melhoramento genético para desenvolver novas variedades para a agricultura, explica a bióloga Rosa Lia Barbieri, pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, de Brasília.

“Quando fazemos esses cruzamentos, conseguimos ampliar a variabilidade genética que já existe na natureza. A partir das diferentes combinações genéticas, os melhoristas de plantas conseguem selecionar variedades mais produtivas ou que tem características importantes, ou que são mais nutritivas, ou que são tolerantes a estresses do ambiente, como por exemplo, seca, encharcamento, dependendo da planta que está sendo selecionada”, afirma.

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Segundo a pesquisadora, a produtividade dessas plantas cultivadas depende de dois fatores: dos fatores genéticos, do genótipo da planta e do ambiente de cultivo. Os genótipos interagem com o ambiente e, dependendo desse ambiente, podem se expressar melhor ou pior. “Então, vamos obter uma cultivar que será mais produtiva e super adaptada às condições dos ambientes brasileiros”, ressalta.

A cannabis, até o momento, não está contemplada nas pesquisas da Embrapa. “Não é nosso foco de atuação”, diz a instituição. “Isso pode se modificar em algum momento, mas até aqui não trabalhamos com o assunto.”

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Legislação em debate

Os estudos sobre cruzamentos genéticos e sobre o manejo da cultura da cannabis trarão benefícios concretos quando o cultivo da planta for autorizado e regulamentado por lei no país. Até o momento, o governo permite apenas a importação do canabidiol (CDB) em forma de matéria prima ou de medicamento. Os dois remédios autorizados para importação custam entre R$ 2 mil e R$ 3 mil.

“Ter acesso ao medicamento é fundamental”, diz o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), presidente da Comissão Especial da Câmara Federal sobre Medicamentos Formulados com Cannabis. A comissão debate o substitutivo do Projeto de Lei 399/2015, que está na fila para ser votado. “Nunca chegamos tão perto da liberação do cultivo”, disse o deputado à Globo Rural.

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Segundo Teixeira, a proposta tem apoio de parlamentares de todos os partidos – da esquerda, do centrão e até mesmo da direita. O relator do projeto, deputado Luciano Ducci (PSB-PR), apresentou parecer favorável à proposta, porém, um consenso ainda está distante, apesar de várias audiências públicas já terem sido realizadas.

O substitutivo em debate permite o cultivo para fins de pesquisa e para uso medicinal e industrial, exclusivamente por pessoas jurídicas, empresas e associações de pacientes sem fins lucrativos. O auto cultivo por famílias não será permitido.

Parlamentares críticos à iniciativa alegam que o Brasil não tem condições de garantir um plantio seguro. A legislação prevê sistemas de segurança com biometria, cerca elétrica, câmaras e guardas treinados, durante 24 horas, além de total controle sobre a entrada e saída de material.

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O deputado Luiz Philippe de Orleans Bragança (PSL-SP) alega que, para se cultivar a um preço acessível, será preciso grande produção, o que vai gerar um excesso que acabará escoado para uso recreativo. A deputada Bia Kicis (PSL-DF) também teme que o desvio desse excesso de produção para uso indevido traga altos custos com acidentes de trabalho e de trânsito, bem com problemas familiares e de saúde.

Desta forma, alegam os parlamentares, custaria menos ao país bancar a medicação importada que arcar com os custos decorrentes do desvio de uso do plantio. Outras vozes contrárias argumentam que o cultivo é apenas um passo para liberação total das drogas no país.

O ex-ministro e deputado Osmar Terra (MDB-RS) é um dos mais ferrenhos inimigos do plantio da cannabis. Segundo ele, “a liberação para fins medicinais abre portas para o consumo generalizado de drogas”. “O óleo da maconha tem 480 substâncias que causam dano permanente", afirma.

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O substitutivo em debate, no entanto, trata apenas do uso medicinal e industrial da cannabis e prevê que o governo terá total controle sobre o cultivo, lembra o deputado Ducci.

“Órgãos do governo, como a Anvisa, controlarão esse cultivo. O plantio do cânhamo industrial vai estimular a agricultura e trará benefícios ao país. Por que importar a cannabis se temos capacidade para produzir aqui, com controle de qualidade e custo menor?”, questiona.

Em entrevistas, o parlamentar tem dito que há “pessoas distorcendo a finalidade do projeto”. Ele lembra que o texto não fala do uso recreativo da maconha e que a intenção é atender a uma demanda social e econômica. “Isso é para resolver um problema de saúde pública, não para criar um problema de saúde pública”, pondera.
Source: Rural

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