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(Foto: Getty Images)

 

As despesas com alimentação das famílias mais ricas é 165,5% maior do que a renda total das famílias mais pobres. Além disso, 29% das famílias (18 milhões de famílias) gastam 46% das despesas de alimentação geral do Brasil. Foi o que concluiu o “Estudo sobre a cadeia de alimentos”, realizado pelo professor Walter Belik, da Universidade de Campinas (Unicamp) com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), e apoiado pelo Instituto Ibirapitanga e Instituto Clima e Sociedade.

A pesquisa baseou-se em dados recém-lançados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IGBE) e da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), das Organizações das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, sigla em inglês), do Banco Mundial e do Departamento de Agricultura dos Estados unidos (USDA). Os dados de consumo foram feitos com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF 2017 e 2018), complementados com dados de associações. O relatório traz informações inéditas sobre o sistema alimentar brasileiro e contribui para um olhar sistêmico sobre alimentação no país.

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Segundo Belik, os outros 71% das famílias que são responsáveis por pouco mais da metade dos gastos com alimentação seguem a formulação de mercado, tipo de produto, de embalagem, hábitos de compras dessas outras famílias mais ricas. “A indústria de alimentos se orienta muito em função dessas famílias que gastam quase metade das despesas nacionais com alimentação. O que a gente está dizendo é que o mercado de alimentos poderia focar também nessas famílias de mais baixa renda com produtos mais simples, formulações mais simples, menos embalagem e menos transformação, e isso poderia garantir uma fatia importante de renda para essas empresas”, explica o pesquisador.

Dentre os principais pontos levantados pelo relatório, está a análise do comportamento alimentar de acordo com o poder aquisitivo da família brasileira. Enquanto nas famílias mais ricas o gasto médio mensal com alimentação representa apenas 5% da renda total, entre as famílias mais pobres a comida tem um peso maior: 26% da renda mensal é direcionada à alimentação. O estudo revela ainda que, quando a renda familiar aumenta, o consumo de arroz e feijão diminui e o da carne sobe.

Tendências na pandemia

 

Belik destaca ainda tendências que acabaram sendo reforçadas durante a pandemia. Uma delas é a influência do mercado externo sobre as cadeias produtivas no Brasil. Nesse sentido, uma variação de preços no exterior ou uma variação de câmbio acaba afetando internamente o preço dos produtos nacionais, em meio a um cenário que se mostrou favorável às exportações de diversos produtos. 

O reflexo disso é que a inflação dos alimentos hoje no país é o dobro da média da inflação geral, mesmo com a maior parte da produção agropecuária brasileira ainda ser consumida no mercado interno. A estimativa é de que apenas 10% da produção agropecuária brasileira tem como destino a exportação. Em relação à carne bovina, o mercado interno é quase quatro vezes maior que o externo. Somente cerca de 20% é exportado para outros países.

“Muito embora o Brasil seja um produtor e exportador de alimentos, a maior parte do mercado está aqui internamente. Tirando duas cadeias, que são de suco de laranja e de soja, todas as outras, a maior proporção do consumo está no mercado interno”, salienta Belik.

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Além disso, a produção de alimentos no Brasil é regionalizada. O Centro-Oeste é o principal produtor de grãos e oleaginosas, somando 46,2% da produção brasileira. No café, 95% da produção do Brasil é concentrada na região Sudeste. Isso faz com que a logística de produção, beneficiamento e distribuição do sistema alimentar fique mais cara e dificulte o acesso à variedade de alimentos.

Outra tendência importante destacada é a diversidade no prato do brasileiro que, segundo análise do pesquisador, está cada vez menor. “Embora o Brasil tenha uma diversidade de clima, produções, as questões regionais e locais, nós estamos tendo uma homogeneização da dieta nos quatro cantos no Brasil. E isso se exacerbou ainda mais durante a pandemia”, analisa.

Com a pandemia, diversas cadeias de produção tiveram fluxos interrompidos. Pequenos agricultores, por exemplo, enfrentaram falta de mercado para destinar seus produtos, com a interrupção de feiras que são canais naturais de escoamento de produtos frescos e orgânicos se interromperam. “Então, na nossa opinião, essa homogeneização deve aumentar”, acredita Belik.

Guia Alimentar

O lançamento do estudo acontece em meio aos recentes debates sobre a revisão do Guia Alimentar para a População Brasileira. "Esse estudo tem como objetivo analisar em profundidade o sistema alimentar, por meio da observação do momento atual brasileiro e das tendências nas estruturas de produção, consumo, distribuição e comercialização de alimentos. Com essa análise, conseguimos compreender melhor pontos mais precários que demandam priorização de políticas públicas no setor", explica Vinicius Guidotti de Faria, coordenador de Geoprocessamento do Imaflora.

Para Walter Belik, o consumo de produtos processados e ultraprocessados, condenado pelo Guia Alimentar brasileiro, também tende a ser intensificado na pandemia. De acordo com o pesquisador, embora as pessoas tenham passado a cozinhar mais em casa, as pesquisas mostram que elas querem mais comodidade e facilidade.

“Podem até fazer um pão de fermentação natural um dia ou dois, mas os dados de e-commerce e supermercados mostram que as pessoas estão comprando muito. Neste ano, acredito que a tendência de aumento novamente (vendas de produtos ultraprocessados), especialmente porque os produtos ultra processados são relativamente mais baratos do que os frescos e as pessoas estão com a renda mais baixa”, afirma. 

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Outro resultado encontrado é que, entre as famílias mais ricas, metade dos gastos com a alimentação vai para pagar a conta em restaurantes e lanchonetes. Já entre as famílias mais pobres, o gasto com refeições e lanches fora de casa equivale a 20% do gasto total com alimentação.

Além disso, o significado de comer fora é diferente para as duas situações financeiras: enquanto para as famílias mais ricas comer fora representa lazer, para as de renda mais baixa significa uma necessidade, pois elas dependem de alimentação escolar e refeições coletivas nos locais de trabalho.

“O estudo pretende contribuir para uma melhor compreensão do sistema alimentar brasileiro, buscando conectar dimensões de produção, distribuição e consumo. A apresentação das conclusões da pesquisa em um documento síntese tem intuito de estimular a comunicação e o debate”, finaliza André Degenszajn, diretor-presidente do Instituto Ibirapitanga.
Source: Rural

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