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(Foto: Mario Tama/Getty Images)

 

Servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) dizem que a ilegalidade da madeira brasileira começa ainda na floresta e ressaltam que a suspensão de fiscalizar a carga in loco nos portos, antes da exportação, é apenas uma das etapas que fragiliza a saída do produto irregular. 

Assinada pelo presidente do órgão, Eduardo Bim, em fevereiro deste ano, a eliminação da necessidade de fiscalizar a carga pessoalmente tem gerado controvérsias entre servidores de carreira e o próprio Ibama.

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Uma fonte da área ambiental ouvida por Globo Rural, que pediu anonimato, revela que as fraudes podem constar no próprio Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) por meio de dados manipulados ainda em campo.

Por isso, diz ela, a verificação na floresta e no porto, de forma presencial, é imprescindível. “Não é só essa flexibilização do início do ano, mas boa parte dessa madeira que transita dentro do Sinaflor é ilegal, porque existe fraude”, destaca.

Segundo a fonte, a farsa ocorre na origem da madeira, ainda na autorização do corte. “É nesse momento que está a maior parte das fraudes”, diz, ao apontar que o crime faz parte de conflitos de interesses e que a sobreposição de órgãos cria um ambiente permissivo à ação ilegal.

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“Com o plano de manejo, em 100 hectares, você tem que fazer um inventário florestal e, a partir disso, o órgão estadual autoriza o quanto de madeira pode ser cortado. A primeira fraude está no inventário, que superestima a capacidade de metros cúbicos que pode ser cortada. Por exemplo, declara-se que tem 15 m³ por hectare a mais, ou seja, 1.500 m³ de madeira. De onde você vai explicar essa madeira? Você tem ao lado uma Unidade de Conservação, uma Terra Indígena ou uma outra área privada, que seja. O cara extrai a madeira dessa outra área e aí ele vende como se fosse desse plano de manejo florestal sustentável", afirma.

Ao ressaltar que o Sinaflor não faz rastreabilidade de madeira, mas um controle de estoque e fluxo, a fonte volta a reforçar a importância da vistoria in loco. "Quando isso entra na cadeia de controle, fica muito difícil de detectar. Dá para verificar a fraude com várias técnicas, indo fiscalizar pelo manejo, a declaração do inventário e a origem de extração, mas para isso é preciso de equipe especializada na área ambiental”, explica.

“Nem toda madeira que está no Sinaflor é legal. Não é o fato de estar ali dentro que garante a origem legal desse produto”, reforça. Outra forma de fraude relatada pela fonte é a corrupção ativa, em que, no momento de lançar o inventário no Sistema, o funcionário “erra a digitação” e distorce os metros cúbicos, em troca de propina.

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Questionada por Globo Rural sobre as supostas fraudes no Sinaflor, o Ibama não se pronunciou. De acordo com o órgão, “não houve flexibilização do certificado para exportação de madeira”, já que atualmente é exigido o Documento de Origem Florestal (DOF) para exportação, além do Sinaflor.

O Ibama ainda afirma que o “procedimento atual requer a apresentação da mesma documentação de outrora, mas agora de forma eletrônica” e a fiscalização realizada in loco antigamente era “aleatória”. Segundo o órgão, a forma eletrônica possui informações como quem vende, quem compra, antecedentes do exportador, espécie da madeira e destino.

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Ilegalidade no mercado interno

 

Dados da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) apontam que a comercialização de produtos da indústria de base florestal com outros países chegaram a US$ 4,2 bilhões no primeiro semestre de 2020. Ao todo, são 9 milhões de hectares de árvores plantadas de eucalipto, pinus e demais espécies.

No entanto, segundo Alexandre Gontijo, presidente do Associação dos Servidores da Carreira de Especialistas em Meio Ambiente do Distrito Federal (AsIbama-DF), ao considerar toda a madeira produzida no Brasil, “boa parte é ilegal, mas é dificil ser quantificado”.

Ele destaca que só em torno de 10% é direcionado à exportação e 90% é consumida no mercado brasileiro. “A gente tem muito mais madeira ilegal em mercados como São Paulo do que no exterior”, afirma.

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Ao olhar especificamente para a Amazônia, a fonte da área ambiental que pediu para não ser identificada revela que a média de produção de madeira na região é de 10 mil m³ por ano, sendo 90% consumo interno, em especial para construção civil.

Gontijo afirma que a quantidade exportada da madeira da Amazônia é baixa, em torno de 5%, e o volume é relativamente pequeno, embora de espécies muito visadas e com valor comercial muito alto, como o ipê, em que 60% é exportado. "Os Estados Unidos são o principal comprador de madeira da Amazônia, individualmente, e a União Europeia é o bloco que mais compra, cerca de 15%”, ressalta.

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Bolsonaro e o desmonte do Ibama

Os servidores temem que as declarações do presidente Jair Bolsonaro culpando os mercados externos pela compra de madeira ilegal reflitam em queda nas exportações. Gontijo relata que o Ibama trabalha próximo de vários organismos internacionais, como a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES) e uma divisão da ONU para crimes, incluindo os ambientais.

“Essa madeira exportada tem várias barreiras de fiscalização a mais do que a consumida no mercado interno. Com essa fala do Bolsonaro, nosso medo é que os mercados internacionais fechem as portas”, admite.

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Beth Uema, secretária-executiva da Associação Nacional de Servidores da Carreira de Especialista de Meio Ambiente (Ascema Nacional), conta que a falta de fiscalização se dá pelo baixo número de profissionais, além de pressões políticas que refletem em atuação restritiva.

Os servidores estão desmotivados, com medo de retaliações, e isso acontece de uma forma bem mais frequente, que nos imobiliza. Está acontecendo isso numa escala muito mais abrangente do que se pode imaginar, como sancionar projetos de capacitação para que o servidor não abra a boca

Beth Uema, secretária-executiva da Ascema Nacional

 

Para ela, outro fator que enfraquece o Ibama na Amazônia é a criação do Conselho Nacional da Amazônia Legal, presidido pelo vice-presidente Hamilton Mourão.

“Boa parte das atribuições que eram exercidas pelo Ibama e ICMBio passaram a cargo do Conselho. Toda a parte de planejamento e decisão de onde e quando atuar agora é do Conselho, o Ibama não participa do planejamento, só a execução, sem considerar toda a inteligência do órgão”, diz.

Segundo ela, “as fiscalizações, principalmente em áreas de garimpo, não estavam acontecendo de forma mais intensiva exatamente porque o próprio governo tem receio de atuar em determinadas áreas e fazer o que a lei manda fazer”.

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Origem da madeira

Alexandre Gontijo ainda acrescenta que o alto número de militares no Ibama e de pessoas sem conhecimento na área ambiental fragilizam o órgão. Ele cita como exemplo o equipamento da Polícia Federal que promete identificar a origem da madeira.

“Ficou uma lacuna sobre exatamente o que é essa ferramenta que a PF está propondo. Eu sei que eles tem trabalhado com isótonos, mas não sei qual é o nível de aplicabilidade disso hoje. Atualmente, a gente ainda não tem uma ferramenta que pode dizer com precisão qual a origem daquela madeira. As ferramentas exigem muito tempo de pesquisa, quem trabalha na área sabe que é mais complicado que isso”, pondera.

Procurada, a Polícia Federal não respondeu aos questionamentos da Globo Rural.
Source: Rural

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