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 Demanda internacional aquecida também colaborou para elevar os preços (Foto: Getty Images)

 

*Publicado originalmente na edição 421 de Globo Rural (Novembro/2020)

A demanda externa por commodities agropecuárias tem feito com que os consumidores brasileiros paguem mais pelos alimentos. Entre os produtos que mais subiram em setembro deste ano, pelo menos três tiveram os preços elevados por causa das exportações: o óleo de soja aumentou 27,54%; o arroz, 19,78%; e as carnes, 4,53%. Entre esses itens, é a exportação da carne bovina que mais impacto causa nos preços.

“Estamos vivendo uma inflação de alimentos. Temos um mercado interno e externo aquecidos e, para coroar, temos um dólar mais caro. Até o final do ano, o quadro não deve mudar muito”, diz Felippe Cauê Serigatti, economista especializado em economia agrícola e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram o grupo de alimentos e bebidas como vilões da inflação em setembro, somando 2,28% e empurrando o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do mês para 0,64%, o maior valor para o mês desde 2003.

 

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Segundo o instituto, a alta dos alimentos foi impulsionada pela demanda gerada pelo auxílio emergencial, mas também pela desvalorização do real frente ao dólar.

O índice do mês seria ainda mais alto se na balança os alimentos tivessem peso maior no indicador. “Esses produtos, apesar de serem essenciais, salvo a carne, não têm um peso tão grande no orçamento considerado nos índices de preços”, explica Heron do Carmo, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (SP) e Conselheiro consultivo do IPCA.

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Ele observa que os preços dos alimentos, de fato, apresentam um crescimento superior à inflação média, mas ocorre que a participação deles, no conjunto das despesas familiares, é relativamente reduzida.

“Boa parte dos gastos das famílias se dá com serviços que, em muitos casos, tiveram os preços estabilizados e, em alguns deles, até reduzidos devido à pandemia. Apesar de os preços dos alimentos subirem, houve uma compensação no índice”, explica o professor.

Nos últimos 12 meses acumulados até setembro, o IPCA registrou uma variação de 3,14%. “Boa parte desse índice é impacto dos alimentos. Não fosse essa alta, dado o tamanho da crise, estaríamos com inflação muito mais baixa. Não que esta seja alta”, conclui.

 

 

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Outro indicador relevante vem do Banco Central. Entre os três subgrupos que compõem o Índice de Commodities Brasil (IC-Br), o de commodities agropecuárias (carne de boi, carne de porco, algodão, óleo de soja, trigo, açúcar, milho, arroz, café, suco de laranja e cacau) mostrou expansão de 1,95% em setembro. Nos primeiros nove meses de 2020, a alta foi de 24,23%. Em 12 meses, a elevação correspondeu a 40,44%.

Atraídos pela cotação favorável, os produtores investem em tecnologia e expandem a área plantada de grãos em números inéditos na história do setor. Dados mais recentes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) mostram que o total da área cultivada deverá alcançar 66,8 milhões de hectares, 1,3% mais que em 2019/2020, com uma produtividade média estimada em 4.022 quilos por hectare e previsão de colheita de 268,7 milhões de toneladas. Se o clima ajudar, o acréscimo será de 4,2%.

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Já no caso da soja, carro-chefe do agronegócio, a estatal projeta área de 37,9 milhões de hectares, 2,5% superior à do ciclo anterior. “A nova safra começa com preços muito altos e produtores motivados a investir. A demanda externa também continua aquecida no mercado de soja”, afirma Guilherme Bastos, presidente da Conab.

Na opinião do professor Felippe Serigatti, é preciso olhar para o mercado com mais cautela. “Deve-se considerar que uma parte da safra, que começa a ser semeada agora, como milho e soja, já está sendo transacionada e, mesmo que não haja intempéries, esses preços não retomam essa trajetória de equilíbrio de longo prazo, de uma forma tão rápida”, ressalta.

A Abras adverte que o setor supermercadista tem sofrido forte pressão de aumento nos preços (Foto: Getty Images )

 

Serigatti separa o impacto dos alimentos em geral, que costuma ser passageiro, do provocado pela carne. “A inflação de alimentos tende a ser transitória, não é um choque permanente, já o ciclo da pecuária bovina é mais longo e, no momento, temos observado uma contração na oferta de animais para abate”, diz.

Entre janeiro e setembro, o preço da arroba do boi gordo registrou aumentos significativos, com alta de 28,7%, passando de R$ 193,05 para o recorde de R$ 248,50. Nos sete primeiros dias de outubro, a cotação já subiu mais, para R$ 258. Isso demonstra que a tendência de alta ainda não se esgotou e deve impactar mais o preço dos alimentos nos próximos meses.

Além do apetite externo pela carne bovina brasileira e dos efeitos do coronavírus no mercado global, outros fatores contribuem para que o produto fique mais caro – e mais raro – para o consumidor brasileiro. “O pecuarista segura um pouco mais o boi gordo por causa do preço em alta e, como não começaram as chuvas, ele não está sob pressão para vender o animal”, diz Alisson Navarro, diretor de exportações para a América Latina da Marfrig.

É uma equação que vai se arranjando. O criador tem
essa certeza de que haverá demanda e investirá mais, ampliando a oferta de boi gordo

Jorge Camardelli, presidente da Abiec

A conta fica para o consumidor interno, já que as exportações devem bater recorde, de acordo com projeções da Associação das Indústrias Exportadoras de Carnes Industrializadas (Abiec). “A receita deve ultra- passar US$ 8 bilhões e o volume será de 2 milhões de toneladas”, estima Antônio Jorge Camardelli, presidente da entidade.

O diretor da Marfrig explica que a demanda internacional do produto “é muito maior que a oferta brasileira e, por esse motivo, os preços continuam subindo”. “O mercado interno é puxado pela demanda internacional também e, como temos uma grande parte da receita gerada pelas exportações, existe uma readequação de patamares de preços, e a tendência é continuar a subir por causa da demanda”, afirma Navarro.

Camardelli reforça a tese de que, com o dólar alto, os preços continuarão subindo também no mercado interno. “É uma equação que vai se arranjando. O criador tem essa certeza de que haverá demanda e investirá mais, ampliando a oferta de boi gordo”, diz.

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Para complicar a alta dos preços, a programação de boi gordo para abate nos frigoríficos vem caindo. Segundo dados do IBGE de setembro, no segundo trimestre deste ano foram abatidos 7,302 milhões de cabeças – um recuo de 8% na comparação com o mesmo período de 2019.

Foi o pior resultado para o segundo trimestre desde 2011, com queda nos abates em 22 das 27 unidades da federação. Técnicos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP) observam que uma menor quantidade de animais abatidos acaba impulsionando o preço da arroba para um patamar mais elevado no mercado interno.

No cotidiano das feiras e mercados, mesmo sem carregar a pecha de vilões da carestia – como se diz da carne bovina –, a maioria dos produtos agrícolas é associada a preços altos. Em agosto, por exemplo, a cotação do feijão-carioca subiu em cinco Estados brasileiros, de acordo com a consultoria Safras & Mercado.

O pecuarista segura um pouco mais o boi gordo por causa
do preço em alta. Como não começaram as chuvas, não está sob pressão para vender

Alisson Navarro, diretor de exportações para a América Latina da Marfrig 

Há explicações para isso, segundo Marcelo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe). “Tivemos no início do ano uma diminuição da área plantada em função da soja. Depois tivemos problemas climáticos no Sul e no Sudeste e temos muito provavelmente um aumento do consumo durante a pandemia.” O presidente do Ibrafe não vê perspectivas de baixa nos preços até a próxima safra, em fevereiro de 2021.

Mas, a partir daí, ele acredita que virão colheitas de volume maior, o que leva o instituto a fazer uma recomendação simples: “plante feijão”. Para Lüders, haverá consumo, o que significa ganhos.

Já a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) divulgou, no último dia 7 de outubro, as estatísticas atualizadas do complexo soja para 2020 e as projeções que apontam para novos recordes de produção, processamento e exportações em 2021.

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Em nota, a entidade afirma que “elevou a estimativa deste ano para uma produção ainda maior do que o previsto nas divulgações anteriores, totalizando 125,8 milhões de toneladas, com processamento de 44,6 milhões de toneladas neste ano”.

Ainda de acordo com a entidade, a crescente demanda pelos produtos do complexo soja nos mercados interno e externo também contribuirá para o aumento de produção no próximo ano. “A projeção é de crescimento de 4,7% na produção, chegando a 131,7 milhões de toneladas de soja. A produção de farelo neste ano deve chegar a 33,9 milhões de toneladas e a projeção para 2021 é de 34,6 milhões de toneladas”, afirma.

Para o óleo de soja, estima-se produção de 8,9 milhões de toneladas este ano e 9,1 milhões em 2021. Em nota, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) adverte que “o setor supermercadista tem sofrido forte pressão de aumento nos preços de forma generalizada repassados pelas indústrias e fornecedores. Entre os itens estão arroz, feijão, leite, carne e óleo de soja, com aumentos significativos”.

AAbiove eleou a estimativa deste ano para uma produção de soja ainda maior do que o previsto anteriormente, totalizando 125,8 milhões de toneladas (Foto: Getty Images)

 

Ainda segundo a associação, “isso se deve ao aumento das exportações desses produtos e sua matéria-prima, além da diminuição das importações desses itens, motivada pela mudança na taxa de câmbio, que provocou a valorização do dólar frente ao real”.

A Abras reforça que “a política fiscal de incentivo às exportações e o crescimento da demanda interna impulsionado pelo auxílio emergencial do governo federal” também foram fatores favoráveis para a elevação acentuada nos preços dos alimentos.

Por sua vez, o BTG Pactual revisou para cima o índice do IPCA para 2020. Antes, o banco trabalhava com elevação de 1,9% e agora espera alta de 2,5%, sendo a maior parte gerada pelas pressões inflacionárias restritas aos preços da alimentação domiciliar. Para o próximo ano, o viés é de alta, com avanço de 3%.

O setor sucroenergético também sente os efeitos da forte demanda externa. Para minimizar os impactos da dupla crise de preços e volume que atinge o mercado de biocombustíveis, as usinas sucroalcooleiras direcionaram boa parte de sua capacidade de produção para o adoçante e intensificaram as exportações.

 

Para se ter uma ideia, em todo o ano de 2019, o país embarcou 17,9 milhões de toneladas do produto. Apenas nos primeiros oito meses do ano, já foram despejados no mercado externo 21,2 milhões de toneladas. Se comparado aos primeiros sete meses deste ano, o incremento chega a 68%. Apenas em setembro, a alta foi de 111,8% sobre igual mês de 2019.

Para Jacyr Costa Filho, membro do Comitê Executivo do Grupo Tereos e do Conselho Superior de Agronegócios da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), os embarques de açúcar deverão bater recorde e alcançar 50 milhões de toneladas. “Desse volume, 40% serão absorvidos pelos países do bloco árabe”, afirma.

Na outra ponta, os preços do etanol ganharam forte impulso no mercado interno na terceira semana de outubro com o crescimento da demanda, reativada com a flexibilização do isolamento social e o reaquecimento da economia.

O indicador Cepea/Esalq para o etanol hidratado teve alta de 6,36% na semana encerrada no dia 16 de outubro na comparação com a semana anterior. Em quatro semanas, o indicador acumulou alta de 14%.
Source: Rural

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