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(Foto: José Medeiros/Ed. Globo)

 

*Publicada originalmente na edição 421 de Globo Rural (Novembro/2020)

O forte calor e a seca até meados de outubro, que provocaram incêndios e estragos enormes em parte do Pantanal e da Amazônia, deram uma trégua e a previsão é de chuvas mais regulares na Região Centro-Oeste a partir de novembro, permitindo compensar o atraso no plantio da nova safra de grãos, segundo Patricia Madeira, diretora de meteorologia da Climatempo.

Para o sul do Brasil, no entanto, a previsão é que as chuvas continuem irregulares – influência do fenômeno La Niña, que neste ano tem de fraca a moderada intensidade, afirmou a especialista em entrevista a Globo Rural no dia 14 de outubro. O La Niña também deve provocar chuvas abaixo da média nos próximos meses na Argentina e no Paraguai.

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O fenômeno climático geralmente eleva o índice pluviométrico no norte/nordeste do Brasil, porém, como está mais fraco neste ano, as precipitações na região do Matopiba devem ficar abaixo da média, de acordo com a meteorologista.

As temperaturas elevadas causaram espanto até em Patrícia. Para ela, é muito difícil ser categórico sobre o que é causa, o que é consequência, mas diz que não é possível negar o aquecimento global, porque os dados mostram que a Terra está aquecendo.

Patricia Madeira, diretora de meteorologia da Climatempo (Foto: Rogério Albuquerque)

 

A especialista acredita que teremos de “nos adaptar aos extremos”, devido às mudanças no clima, e que, em 30, 40 anos, serão desenvolvidas sementes adaptáveis a esse novo cenário. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

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Globo Rural: Em agosto, foi preciso usar aquecedor porque estava muito frio e, em setembro, fez um calor infernal. O que ocorre com o clima no Brasil neste ano, o que há de diferente, que não acontecia ou que se acentuou?

Patrícia Madeira: A gente teve duas situações bem distintas: massa de ar polar histórica em agosto, que se estendeu até o comecinho de setembro, com neve em várias cidades do Sul e muita geada. O frio se estendeu pelo Sudeste, Centro-Oeste e chegou até o Acre e Rondônia. E no fim de setembro, começo de outubro, houve uma massa de ar quente, também histórica, com temperaturas muito altas, especialmente no interior de São Paulo, Mato Grosso do Sul, Centro-Oeste. Tenho muitos anos de previsão climática, e poucas vezes vi uma sequência de 44 graus para cima acontecendo dia após dia em cidades de Mato Grosso do Sul. Este foi um ano de extremos, pelo menos até agora.

Globo Rural: Isso se deve ao fenômeno La Niña?

Patrícia Madeira: Ainda não é possível dar esse crédito ao La Niña. Começamos 2020 sob influência do El Niño, que é o aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico na região equatorial. Ao longo dos meses, essa temperatura do oceano foi diminuindo e desde setembro está sob influência de La Niña. Essa La Niña tem de fraca a moderada intensidade, então, não tem poder de trazer essas massas frias ou massas quentes. Há outras influências, do Atlântico, do Atlântico Sul, o próprio Pacífico Sul, provocando essa onda de calor. Isso aconteceu muito por causa de um aquecimento na costa sul do Chile, no Pacífico, que esfavoreceu a entrada de frentes frias.

Existe um atraso de plantio (da nova safra), um atraso com relação à umidade de solo que vai ser compensado a partir de novembro

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Globo Rural: Como o La Niña pode interferir na próxima safra do Brasil?

Patrícia Madeira: O La Niña tem por característica aumentar um pouco a chuva no norte do Nordeste e no norte do Brasil e diminuir no Sul. Então, o principal impacto nos próximos
meses é a irregularidade da chuva no Sul, o que estamos vendo desde o começo do ano, quando havia El Niño. As chuvas do Sul, neste ano, foram muito irregulares, e o La Niña só acentua isso. Não é tão grave quanto em outros períodos, quando quase não chovia. De
toda forma, a partir de novembro, a maior parte da Região Sul fica com chuva abaixo da média.

Globo Rural: O que esperar para a próxima safra, considerando as diferentes regiões do Brasil?

Patrícia Madeira: No Sudeste e, principalmente, no Centro-Oeste, não há expectativa de grandes variações climáticas que possam prejudicar a safra. A expectativa para o Centro-
Oeste é de que as chuvas engrenem a partir de novembro e aí haverá uma boa umidade de solo. Não deve haver calor intenso ou estiagem. O Sudeste pode ter até a formação de ZCAS (Zona de Convergência do Atlântico Sul), que provoca dias seguidos de chuvas
em Minas Gerais. Para o Nordeste, principalmente o oeste da Bahia e o sul do Maranhão e do Piauí, a expectativa é que a chuva volte devagar, mas também abaixo da média. É que esse La Niña é fraquinho, então a influência sobre o Nordeste não vai ser tão intensa.

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Globo Rural: Isso pode prejudicar a região do Matopiba?

Patrícia Madeira: A gente não espera um período de seca que não permita ter uma boa produção. Mas é que os dois últimos anos foram muito positivos com relação à chuva, que veio em bomvolume e na hora certa. Agora virá num volume menor. Então, prejudica um pouco.

Globo Rural: O plantio atrasou no Centro-Oeste por causa da seca. Vai ser possível
compensar esse atraso?

Patrícia Madeira: Acho que sim. De fato, não há tecnicamente um atraso de período úmido. Tecnicamente, (período úmido) é quando desce a umidade da Amazônia e começa a chover com maior regularidade no Centro-Oeste. Tecnicamente, não está caracterizado esse atraso, mas, como o Centro-Oeste ainda está num período muito quente e seco, precisa de mais chuva para compensar a deficiência hídrica do solo. Então, existe um atraso de plantio, um atraso com relação à umidade de solo que vai ser compensado a partir de novembro.

Todas essas mudanças de meio ambiente provocam mudanças no clima. as pessoas não podem negar o aquecimento global porque os dados mostram que a Terra está aquecendo

 

Globo Rural: O Brasil e outros países sofrem com o clima mais quente e seco, que tem provocado incêndios, como os que ocorreram no Pantanal e na Amazônia. Essa situação já influencia no clima ou no tempo?

Patrícia Madeira: Neste momento, o impacto é no tempo, nas condições de chuva. A gente viu, por exemplo, o interior de São Paulo e até a capital ficarem com fumaça e terem chuvas mais escuras, efeito das queimadas. Está seco assim porque há um pequeno atraso das
chuvas, mas em algum momento a atmosfera vai voltar a ter umidade. A ausência da chuva é a causa das queimadas e, neste momento, a queimada não é a causa da ausência de chuva. Mas sabemos que isso, em longo prazo, tem um impacto enorme e, com certeza,
a gente está falando aqui de mudança climática.

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Globo Rural: Essas temperaturas altas já são reflexo das mudanças climáticas?

Patrícia Madeira: Há muito estudo sendo feito sobre isso e é muito difícil ser categórico,
o que é causa, o que é consequência. Mas, sem dúvida, todas essas mudanças de meio ambiente provocam mudanças no clima. As pessoas não podem negar o aquecimento
global porque os dados mostram que a Terra está aquecendo. Tivemos o setembro mais quente da história em termos globais. O número de queimadas e os períodos mais secos, os períodos mais úmidos, isso é uma característica dessas mudanças climáticas. Ocorrer uma onda polar histórica e depois uma massa de ar quente histórica reflete essas mudanças.

Globo Rural: No médio prazo, teremos de nos acostumar a climas mais quentes e com menos chuvas?

Patrícia Madeira: A gente vai ter de se acostumar um pouco mais às grandes variações. Tenho bastante preocupação com o efeito das mudanças climáticas na agricultura, mas acho que o ser humano é tão inteligente que consegue criar sementes adaptáveis a essas mudanças. Mas nós, principalmente nas grandes cidades, vamos ter de nos adaptar aos extremos, a períodos muito secos seguidos de períodos com enchentes.

O que vejo nos próximos 30, 40, 50 anos é uma movimentação de algumas culturas e muito estudo sobre a adaptação das sementes

 

Globo Rural: Como esses extremos podem afetar a agricultura no Brasil?

Patrícia Madeira: Há culturas que precisam de clima mais ameno, como o café. É uma questão de adaptação, das sementes e das áreas. Algumas regiões vão ficar pouco propícias para certas culturas e outras mais propícias a determinados tipos de cultivo. O que vejo nos próximos 30, 40, 50 anos é uma movimentação de algumas culturas e muito estudo sobre a adaptação das sementes.

Globo Rural: Qual é a previsão para os países concorrentes do Brasil na produção agrícola, como EUA e Argentina? O La Niña também os afeta?

Patrícia Madeira: Afeta de uma forma geral, o La Niña é um fenômeno global. Argentina, sul do Brasil, Paraguai, todos os países do centro-sul da América do Sul devem ter chuva
abaixo da média nos próximos meses e alguma deficiência de produção. A maior parte das áreas do Hemisfério Norte tem chuva um pouco abaixo do normal quando há La Niña, mas numa época não tão prejudicial, porque é inverno. A região equatorial, Austrália, Índia
têm chuvaumpouco acima do normal. Europa e Ásia têm chuva um pouco abaixo, mas nada severo.
Source: Rural

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