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(Foto: Divulgação)

 

*Publicada originalmente na edição 420 de Globo Rural (Outubro/2020)

Em 2004, quando assumiu o comando da Fazenda Triqueda, uma propriedade de 400 hectares localizada no município de Coronel Pacheco, na Zona da Mata mineira, o produtor Leonardo Resende estava, como diz o mineiro raiz, “pra tê um troço”: pastos degradados, repletos de cupins e baixíssima produtividade.

O rebanho de gado leiteiro, que outrora fez a fama de toda aquela região das Minas Gerais, já não dava retorno econômico para a família, e as lavouras de milho, soja e cana-de-açúcar que ocupavam outra parte da fazenda também não pagavam mais todas as despesas. A atividade exauria os últimos recursos naturais da propriedade.

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Dezesseis anos se passaram e, em abril deste ano, a Fazenda Triqueda entrou para uma lista que a colocou entre as 28 propriedades rurais mais sustentáveis do mundo, título concedido pela The Think Tank For Food, organização internacional sem fins lucrativos, dedicada à construção de uma comunidade global sustentável.

“Havia dois caminhos: ou a gente abandonava a fazenda, que não dava retorno, ou teria de buscar algo inovador. E foi o que fizemos”, contou Resende, que procurou a Embrapa Florestas, que fica no Paraná, e a Embrapa Gado de Leite, em Minas, em busca de solução.

O que separa uma fase da outra, no caso da Triqueda, é que Resende optou por aplicar em suas terras os sistemas integrados de produção e também os princípios da pecuária regenerativa, para resgatar a sustentabilidade do seu negócio.

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“A atividade tem de ter retorno econômico para ser sustentável e o manejo precisa ser melhorado, para que a natureza faça a sua parte”, disse. “No caso da pecuária, não dá para olhar somente para o gado, é preciso olhar para o solo, para a pastagem, suas qualidades e características como parte do todo.”

A Triqueda continuou com a sua vocação para a pecuária, de leite e de corte, mas agora também possui florestas implantadas em 200 hectares (uma área com 100 hectares de integração silvopastoril e outra área do mesmo tamanho, mas só de florestas).

A receita líquida triplicou, saindo de R$ 350 por hectare ao ano para R$ 1.800 por hectare ao ano). “A integração e a agrofloresta geram serviços ambientais. Toda a área tem menos erosão, a biodiversidade aumentou e há mais carbono capturado. Tem mais dinheiro, é mais sustentável e tem mais futuro”, resume ele.

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Com a floresta implantada, as emissões de gases entéricos do rebanho da Triqueda ficam neutralizadas, o que agrega valor à carne e ao leite comercializados por Resende. “O consumidor está mais atento e mais exigente, e as indústrias e os frigoríficos estão valorizando quem tem capacidade de oferecer produtos sustentáveis”, diz o produtor, que é um dos fornecedores de um frigorífico que comercializa a carne sustentável e de uma leiteria gourmet, no Rio de Janeiro.

A madeira, de eucalipto, é destinada ao mercado de serraria. Leonardo Resende faz parte de uma legião de produtores que enxergaram nos sistemas integrados uma saída para serem mais sustentáveis – alémde garantir o futuro das fazendas.

Hoje, no país, segundo dados da Rede ILPF, organização que reúne produtores rurais, empresas privadas e públicas e cientistas, já existem 17 milhões de hectares cobertos com sistemas integrados e a meta é que até 2030 sejam 30 milhões de hectares de integrações, que contemplam lavouras, pecuária e florestas em diversos arranjos, de acordo com a atividade ou região. Renato Rodrigues, presidente do Conselho Gestor da Rede ILPF, explica que os 17 milhões de hectares referem-se a toda a área coberta por sistemas integrados.

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Em 2017, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que essas áreas somavam 13,85 milhões de hectares naquele ano, mas, por meio de mapeamento via satélite, realizado pela Embrapa, e declarações dos produtores rurais, é possível estimar que a área seja de 17 milhões de hectares.

“A sustentabilidade é uma premissa para o agronegócio e para o mercado global, e a integração é um sistema que se adapta a todas as regiões brasileiras e suas atividades tradicionais e abre oportunidades para os negócios rurais”, afirma Rodrigues.

Segundo o executivo, para atingir a meta de 30 milhões de hectares implantados na próxima década, principalmente em regiões do semiárido nordestino, onde há um maior número de pequenos produtores rurais, na Serra da Mantiqueira e no Vale do Araguaia, no Cerrado, a Rede ILPF vem trabalhando em algumas frentes, como a criação de uma plataforma de educação à distância, para a capacitação de profissionais e de fundos de investimentos para o autofinanciamento, com a participação de instituições internacionais, e a emissão de certificações ambientais para fazendas que praticam a integração, como a TrustScore.

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Até agora, a única propriedade a obter a certificação TrustScore no Brasil foi a Fazenda Santa Brígida, localizada em Ipameri (GO). Mas, para a Rede ILPF, é possível que 10% das fazendas praticantes de integração sejam certificadas até 2030, gerando negócios de até US$ 2 bilhões por meio de financiamentos.

Desenvolvida pela Ceptis Agro, essa certificação mensura critérios sociais, econômicos e ambientais para indicar o índice de sustentabilidade da propriedade em longo prazo. A certificação foi apresentada à União Europeia em julho, durante o TEEB Agrifood Operational Guidelines for Business, realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU/Pnuma), e em meio à escalada de queimadas e desmatamento no Brasil.

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“Ela aponta mais de 120 pontos que comprovamque a propriedade rural segue todos os parâmetros sustentáveis para a lavoura, o rebanho e a madeira produzida”, destacou Rodrigues. “Há uma série de iniciativas que vêm sendo desenvolvidas para multiplicarmos a área coberta com sistemas integrados. Além da certificação ser um atestado de boas práticas, ela permite o monitoramento constante da propriedade”, explicou Rodrigues.

“Fundos internacionais, empresas, bancos e governos estão dispostos a investir em produtos sustentáveis para garantir que os brasileiros que apostam em integração possam dar continuidade às suas atividades”. Durante a Climate Week, realizada em Nova York, entre os dias 21 e 27 de setembro, um plano piloto foi anunciado para o autofinanciamento permanente do programa, com o aceno inicial de US$ 68 milhões.

A sustentabilidade é uma premissa para o agronegócio e para o mercado global, e a integração é um sistema que se adapta a todas as regiões brasileiras

Renato Rodrigues, presidente do conselho gestor da Rede ILPF

Implantar o componente “F”, de florestas, até agora tem sido o maior desafio. Dos 17milhões de hectares de sistemas, apenas cerca de 3,4 milhões de hectares contemplam florestas, de acordo com a Rede ILPF. “É preciso aumentar a participação do componente florestal dentro dos arranjos integrados”, alerta Rodrigues.

Leonardo Resende, que já passou pela experiência de implantar o componente florestal em uma área tradicional de pecuária, acredita que ainda há uma resistência do produtor por causa da falta de conhecimento técnico em relação ao componente florestal e devido às dificuldades iniciais do manejo. “O produtor tem de estudar o mercado para determinar em qual tipo de árvore investir. Se for eucalipto, tem de ser para serraria e, aí, onde ele vai comercializar a madeira no futuro? E há ainda a dificuldade de manejar formigas no início, e isso pode assustar.”

Em Goiás, o pesquisador do Núcleo Avançado Centro-Oeste da Embrapa Arroz e Feijão Abílio Pacheco explica que, ao inserir o componente florestal no sistema, os incrementos são diretos e indiretos, como a recuperação e a renovação de pastagem, principalmente entre as faixas das árvores, seguido da cobertura de solo com braquiária e a valorização de créditos de carbono gerado pela própria floresta.
Source: Rural

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