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(Foto: Getty Images)

 

 

Eleições americanas e o agro brasileiro

Pedro Abel Vieira, Antônio Marcio Buainain e Roberta Grundling

A 59a eleição presidencial nos Estados Unidos, a ser realizada no próximo 3 de novembro, tem gerado muitas expectativas e incertezas. O que não está indefinido é a ameaça ao agro brasileiro, independentemente do vencedor.

As declarações de candidato do Partido Democrata deixam claro que o agro brasileiro poderá ser penalizado devido aos recentes eventos ambientais, independentemente de qualquer responsabilidade sobre eles. Segundo Biden, “a floresta tropical no Brasil está sendo destruída” e se não pararmos de destruí-la teremos que arcar com “consequências econômicas significativas”, bravejou o democrata, que prometeu articular um fundo de US$ 20 bilhões para contribuir na preservação do bioma amazônico.

Não se pode esquecer que os democratas são historicamente protecionistas, e não estão prometendo mudar. Ao contrário, parece que gostaram do lema de Trump, “America First”, e por isso devem reforçar as barreiras aos produtos agrícolas do Brasil, movimento que contará com o apoio de atores importantes como a União Europeia.

A princípio o tema ambiental não será um problema no caso da reeleição do Presidente Trump, quem bloqueou as ações dos EUA para mitigar as mudanças climáticas. Porém, o pragmatismo pode levar Trump a se alinhar à visão dos americanos médios sobre a Amazônia, enquanto mantém os incentivos à indústria suja em suas bases eleitorais.

Ademais, uma atitude mais dura com o Brasil poderia atender à necessidade de manter as bases das alianças estratégicas com os europeus. De todo modo, a recondução e oposição ao multilateralismo de Trump gerará turbulências que provavelmente se traduzirão em elevação das barreiras no comércio agrícola mundial. É preciso ressaltar que a questão ambiental está sendo objeto de discórdia para a ratificação do Acordo de Associação entre Mercosul e União Europeia, no qual o Brasil teria oportunidades em setores agrícolas relevantes.

Também não devemos esquecer que Trump não hesita em cumprir a promessa de “America First”. Por exemplo, em 2018, a administração Trump criou um programa de subsídios para mitigar as perdas dos agricultores relacionadas à guerra comercial com a China. Segundo o site The Conversation: “Alguns dos fazendeiros estão ganhando mais dinheiro com o programa do que trabalhando. Eles ficaram muito, muito felizes”.

Outro exemplo foi a negociação na qual o Brasil cedeu às pressões Trumpistas ao renovar a cota de importação do etanol norte-americano com tarifa zero, sem uma contrapartida. Acrescente-se a esses exemplos que Trump é reconhecido por romper com a boa prática da diplomacia, condicionando numa mesma negociação assuntos distintos. Um exemplo recente foi a negociação com o México na qual Trump misturou comércio com migração.

A eleição americana não se restringe ao tema ambiental ou a questões internas, incluem também as divergências sino-americanas. O episódio dos respiradores deixou claro que a concentração das cadeias de valor na China representa uma ameaça real ao poder dos EUA, e deve ser contida. Assim, a grande questão se refere aos desdobramentos e forma que o confronto comercial tomará diante dos interesses dos EUA e das promessas eleitorais.

A China é vista como uma ameaça pelos dois candidatos, e o que está em aberto é como o candidato vencedor se posicionará após as eleições. O que parece certo é que os EUA não aceitarão mais as regras da globalização econômica e do multilateralismo que viabilizou a ascensão ao status de grande potência mundial, que já o superou em áreas estratégicas, inclusive no domínio da tecnologia 5 G, base da revolução digital em curso.

As consequências da disputa entre EUA e China para o agro do Brasil já se materializam no capítulo sobre agricultura do acordo sino-americano, denominado por Fase Um. Ao prever compras chinesas adicionais de produtos agrícolas dos EUA ao longo de dois anos, em condições normais, o acordo desvia demanda do Brasil para os EUA.

Ambos candidatos dão sinais de que haverá reacomodações nas relações sino-americanas, o que afetará o mercado agrícola do Brasil. No caso de o democrata conduzir o processo, são esperadas negociações plurilaterais, maior respeito à diplomacia e levando em conta os interesses dos aliados da América, que são vistos como estratégicos para barrar o poder da China. Nesse caso, pode haver algum espaço para o Brasil. Já no caso de o republicano vencer as eleições, os exemplos sugerem por negociações menos inclusivas e pela conexão de assuntos dispares, portanto, de resultados imprevisíveis.

Em resumo, existem indicativos que, independente do vencedor na disputa americana, haverá consequências para o agro brasileiro. A questão não é propriamente a eleição americana, mas o posicionamento do Brasil em relação aos EUA e à China, e em relação às questões globais.

É certo que a China manterá seu papel estratégico, e por isso as relações sino-brasileiras devem superar o âmbito comercial para a consolidação de uma parceria de confiança que sirva de contraponto à insegurança presente nas relações sino-americanas. Ou seja, é chegado a hora do agro brasileiro fazer uma boa reflexão geopolítica, o que implica tanto na abertura de novos mercados quanto na consolidação de uma boa reputação, em especial quanto a sustentabilidade ambiental.

O Brasil tem se esforçado na abertura de novos mercados, mas alguns números são suficientes para revelar que é preciso redobrar o esforço: enquanto o Brasil conta com 25 adidos agrícolas distribuídos no mundo, Japão e EUA dispõem de mais de 120 cada.

Apesar dos deslizes recentes, a questão ambiental não deveria representar uma grave ameaça ao agro brasileiro, já que o país possuí uma legislação ambiental avançada que, por ser respeitada, induz a uma agricultura, até pouco tempo, reconhecida pelas lideranças climáticas globais como sustentável. Ademais, o país tem capacidade tecnológica para utilizar os recursos naturais de forma sustentável, não apenas para dentro da porteira, mas também fora.

Programas como o monitoramento de queimadas, a cargo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, e a Agricultura de Baixo Carbono, sob coordenação do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento, colocam a agricultura Brasil na vanguarda da sustentabilidade ambiental. Os problemas recentes não invalidam as conquistas tecnológicas e institucionais das últimas décadas e nem a capacidade de reverter a imagem negativa e conter as ameaças e danos reais ao meio ambiente, em sua maioria resultado de ações criminosas. O problema é que neste campo vale o dito sobre a mulher de Cesar, que precisava ser e parecer honesta.

O agro brasileiro é pop ao participar das eleições americanas, portanto, é preciso maior pragmatismo com os mercados e incrementar a boa reputação. Essas questões podem afetar tanto as quantidades exportadas como o valor do produto e só podem ser superadas com dados e informações fidedignas, discussões técnicas e posicionamentos transparentes e consistentes.

* Pedro Abel Vieira e Roberta Grundling são, respectivamente, pesquisador e analista da Embrapa. Antonio Marcio Buainain é professor do Instituto de Economia da Unicamp

As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade do seu autor e não representam necessariamente o posicionamento editorial da revista Globo Rural
Source: Rural

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