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(Foto: Getty Images)

 

 

 

*Publicado originalmente na edição 420 (Outubro/2020) de Globo Rural

Menos carne bovina, queijos, ovos, arroz e feijão. Mais aves, salada crua, sanduíches e comida feita em casa. A mudança no consumo do brasileiro em uma década mostra estar em curso uma revolução que começa no prato e deve impactar a produção de alimentos.

Segundo pesquisa divulgada em agosto pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a frequência diária do consumo de arroz caiu de 84,1%, entre 2008 e 2009, para 75,3%, entre 2010 e 2018. No caso do feijão, houve redução de 73%, para 59,9%. Outra constatação é a diminuição em produtos de origem animal.

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Pesquisa feita pelo The Good Food Institute (GFI) em 2018 mostra que 29% dos brasileiros já reduzem ou querem reduzir o consumo de proteínas animais. Destes, 75% são das classes média e baixa e 51% cortaram a carne bovina.

A maioria (59%) relatou que o principal motivo é a preocupação com a saúde. “O consumidor está aumentando seu nível de consciência. Valoriza aspectos novos, ao mesmo tempo que mantém a exigência de preço e qualidade”, ressalta Gustavo Guadagnini, diretor executivo do GFI.

 

Esse novo perfil também chega aos hortifrútis, com a maior valorização dos orgânicos, cujo mercado cresceu 15% em 2019 e movimentou cerca de R$ 4,5 bilhões. Entre os motivos estão a busca por uma vida mais saudável, o consumo de produtos sem agrotóxicos e a sustentabilidade. "O novo consumidor valoriza cada vez mais produtos que usam técnicas de cultivo e industrialização que preservam os recursos naturais", avalia o diretor da Associação de Promoção dos Orgânicos (Organis), Clauber Cobi.

A pandemia do coronavírus também fez com que muitos consumidores questionassem sua alimentação. “Esse momento está trazendo uma nova relação com o alimento. Há mudança de hábito para cozinhar em casa, maior contato com alimentos in natura e mais atenção ao uso de químicos na produção”, afirma Fernanda Iwasaka, analista de conteúdos e metodologias do Instituto Akatu.

Uma decisão do consumidor pode ser um incentivo. A sustentabilidade vai deixar de ser oportunidade econômica para se tornar necessidade

Fernanda Iwasaka, analista de conteúdos e metodologias do Instituto Akatu

Pesquisa feita em 2019 pelo Akatu mostra que 49% dos brasileiros estão tentando melhorar a saúde e o bem-estar e 41% querem reduzir o impacto ambiental. Por isso, segundo Fernanda, é preciso ampliar o incentivo a alimentos saudáveis. “O consumidor é muito influente, sim, mas os produtos precisam ser mais acessíveis. É um movimento de toda a cadeia”, analisa.

Estudo divulgado em setembro pelo banco holandês Rabobank sobre o mercado brasileiro corrobora essa tendência no cenário pós-pandemia, com “o consumidor retomando sua atenção a aspectos relacionados à forma como foi produzido seu alimento – especialmente com a alta velocidade de informações e novas gerações ganhando relevância econômica”. A análise ainda prevê que ganhará força a preocupação com rastreabilidade e sustentabilidade.

Diminuir ou eliminar o consumo de carne é outra tendência que ganha força puxada pela maior preocupação com a sustentabilidade. Em 2018, 14% dos brasileiros se autodeclararam vegetarianos, o dobro do registrado em 2012, segundo o Ibope.

“Especialmente com relação à carne bovina, a gente pode observar uma redução importante em todos os segmentos sociais da população”, destaca a pesquisadora Caroline Costa, do NutriNet Brasil, um estudo sobre saúde e alimentação conduzido pela Universidade de São Paulo (USP).

 

Segundo o diretor do Instituto Escolhas, Sérgio Leitão, o Brasil ainda não está percebendo os sinais de mudança e as novas tendências de alimentação do século XXI. Ele cita como exemplo moradores do Amazonas consumirem frango vindo do sul do país em detrimento ao peixe, que é abundante na região.

"Imagina o tamanho da emissão de carbono para fazer esse frango sair de um aviário em Santa Catarina para chegar a uma cidade como São Gabriel da Cachoeira, que fica na fronteira com a Colômbia", diz.

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A preocupação se justifica. Se a pecuária do Brasil fosse um país, ele seria o 20º do mundo em termos de emissão de gases do efeito estufa. O estudo Do pasto ao prato, elaborado pelo Instituto Escolhas, mostra que as emissões da pecuária na Amazônia e no Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), comparadas ao restante do Brasil, mais do que triplicaram entre 2008 e 2017.

Definitivamente não precisamos mais desmatar para incrementar a produtividade agropecuária

Sérgio Leitão, diretor do Instituto Escolhas

Para o pesquisador do Cepea Thiago Bernardino de Carvalho, uma mudança significativa na cadeia da carne depende, principalmente, das margens de lucro do criador, posto que tendem a elevar os custos. Ele explica que o consumo de proteína animal está muito atrelado à renda das famílias e que, por isso, no curto prazo, a maior preocupação com sustentabilidade parte do mercado internacional. “Os grandes players têm investimento estrangeiro, os acionistas estão pressionando e a sociedade está de olho. No Brasil, o preço ainda é decisivo”, destaca.

Mas já há iniciativas que podem acelerar essa transição na indústria. Uma delas é o Boi na Linha, plataforma que monitora e faz auditoria para garantir que a carne vendida no varejo não tenha origem ilegal, especialmente de desmatamento. No site do projeto, há uma lista de frigoríficos e supermercados que oferecem carne produzida dentro dos critérios de responsabilidade socioambiental do Termo de Ajuste de Conduta da Carne Legal, firmado em 2009 pelo Ministério Público Federal.

"O Brasil consome 80% da carne que produz, então, o consumidor é fundamental. É preciso responsabilidade na hora da compra para implantar a sustentabilidade", diz Marina Piatto, gerente da iniciativa de clima e cadeias agropecuárias do Imaflora.

 (Fonte: Relatório Do pasto ao prato: subsídios e pegada ambiental da carne bovina)

 

A tecnologia também promete ser aliada do consumidor mais consciente. Gustavo Guadagnini, do GFI, vê como tendência um maior consumo de proteínas alternativas. Estudo da consultoria A.T. Kearney prevê que o mercado de carne convencional cairá de 90%, em 2025, para 40%, em 2040, dividindo espaço com proteínas vegetais (25%) e carne cultivada (35%).

“Quando se começa a entregar o que as pessoas querem comer com tecnologia, gosto, cheiro, textura e preço semelhantes, além de impacto ambiental muito menor, vira uma escolha que faz sentido para o consumidor. E, a partir do momento em que os produtores começarem a lucrar com o setor mais sustentável, todos vão caminhar na mesma direção”, diz.

Thiago Carvalho, do Cepea, associa a expansão das proteínas vegetais ao crescimento do vegetarianismo e do veganismo no Brasil, mas chama atenção para os efeitos na saúde. “É preciso entender melhor o impacto no organismo, especialmente das carnes cultivadas.”

A preocupação com saúde e sustentabilidade ainda deve impactar no consumo de alimentos ultraprocessados. “Além de serem associados a monoculturas e a problemas na biodiversidade, são altamente dependentes de embalagens sofisticadas, que custam a se decompor”, diz Caroline Costa, pesquisadora do NutriNet Brasil.

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Guadagnini, do GFI, também aponta outra tendência: o Brasil valorizar sua biodiversidade para fortalecer seu protagonismo como fornecedor de alimentos. Para ele, isso abre caminho para um novo mercado, baseado em ingredientes de alto valor agregado “O primeiro esforço é técnico-científico, para mapear as plantas e seus potenciais únicos. Depois, políticas públicas e impostos menores para quem usa ingredientes da biodiversidade, para que se tornem mais competitivos e sustentáveis”, salienta.
Source: Rural

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