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Produtor Rogério Vian adotou práticas sustentáveis após 28 anos de agricultura convencional (Foto: Divulgação/Leonardo Frota)

 

*Publicado originalmente na edição 420 de Globo Rural (Outubro/2020)

O plano de manejo do entorno do Parque Nacional das Emas, que em 2006 proibiu o plantio de variedades transgênicas e o uso de defensivos químicos num raio de 2 a 10 quilômetros da reserva, obrigou o produtor Rogério Vian, de uma hora para outra, a adotar práticas sustentáveis, após 28 anos de agricultura convencional na Fazenda Santa Sélia, localizada em Mineiros, no sudoeste goiano.

Felizmente, com o tratamento biológico das sementes e o uso de insumos biológicos obtidos a partir da própria reserva legal da propriedade, já no primeiro ano de restrição o agricultor conseguiu reduzir em 20% seu custo de produção, chegando a 50% nos dias atuais, com uma produção totalmente livre de produtos químicos. “Ou você sente que vai perder o patrimônio e quebrar e, por isso, muda, ou muda pelo amor. Nós mudamos pela dor, mas hoje mantemos esse sistema por amor”, explica o produtor.

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Dois anos depois, em 2008, seus vizinhos até conseguiram reverter a proibição, mas Vian não só manteve os investimentos em sustentabilidade como ampliou a prática e fundou uma associação que agrega mais de 3 mil agricultores interessados na adoção de técnicas mais sustentáveis no campo, o Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS)

“Eu não quis voltar ao sistema anterior primeiramente por causa do custo. A gente reduziu bastante o custo com a mesma produtividade. Então, por que voltaria para um sistema com um custo maior se eu sabia que poderia evoluir para usar menos produtos químicos ainda?”, diz ele.

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Entre os manejos adotados, Vian usa pó de rocha para fertilização do solo, controle biológico e homeopatia no tratamento de doenças fitopatológicas. Com isso, além de reduzir os custos de produção, garante um sistema orgânico que tem permitido a ele receber valores duas vezes acima da cotação da soja convencional.

“Hoje, quando você pensa em sustentabilidade, sabe que grande parte das ações vai ter um impacto econômico direto no empreendimento ou na viabilidade da propriedade rural”, explica Tadeu Assad, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS).

Há uma mudança de paradigma em relação ao modelo mais antigo de tocar fazendas, com um jeitão amador

Caio Penido, presidente da GTPS

Ele avalia que, embora o fator financeiro não devesse ser a principal motivação para a adoção de práticas mais sustentáveis, “com certeza o estímulo econômico, com conhecimento, pode ser um importante vetor para levar a sustentabilidade para o campo, principalmente no Brasil”.

Assad oberva que, embora muitos produtores tenham interesse em adotar sistemas produtivos mais rentáveis e mais sustentáveis, ainda falta apoio técnico e financeiro para disseminar essas práticas no meio rural. “Há uma mudança de paradigma em relação ao modelo mais antigo de tocar fazendas, com um jeitão amador.

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Para isso, é preciso promover uma mudança de filosofia interna, e muitas pessoas resistem um pouco a essa mudança”, concorda o pecuarista Caio Penido, presidente do Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), ao ressaltar que a transição de uma pecuária extensiva tradicional para uma produção intensiva, com menor uso de área, rotação de pastagens e maior produtividade, envolve custos e riscos elevados.

“Na pecuária extensiva, o produtor não ganha muito dinheiro, mas também não corre muito risco de quebrar. Quando ele parte para uma pecuária intensiva, com investimento, as chances de ganhar dinheiro aumentam muito, mas também aumentam a chances de quebrar”, explica Penido.

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Diante da evolução do mercado, com exigências cada vez maiores na questão ambiental, o presidente do GTPS teme que a disseminação da exigência da sustentabilidade na pecuária de corte provoque a exclusão de pequenos produtores, que têm menor acesso a crédito e assistência técnica.

Penido alerta que pode haver uma consolidação, como houve na agricultura, em grandes grupos, com condições de fazer investimentos, enquanto os pequenos serão atropelados, porque não vão conseguir entregar o resultado financeiro necessário para manter-se na atividade.

Nós já temos um conhecimento vasto que nos permite hoje
assegurar que implantar o sistema agroflorestal para recuperação de reserva legal ou para diversificar renda é um ótimo negócio

Miguel Calmon, consultor sênior do Programa de Florestas

Um estudo conduzido pela Embrapa constatou que a média de produtividade pecuária em sistemas integrados com lavoura e floresta pode ser até oito vezes superior à média nacional, graças a ganhos na qualidade da pastagem e no conforto térmico dos animais.

 

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A instituição estima que, com o avanço da produtividade provocada pela modernização dos sistemas produtivos no país, metade do 1,3 milhão de pecuaristas brasileiros deixarão a atividade até 2040.

“Acho que a grande revolução agropecuária no país vai passar pela integração produtiva, principalmente com componentes florestais”, afirma Tadeu Assad, ao ressaltar os benefícios que os sistemas agroflorestais trazem à atividade.

“Quando se sai de uma pecuária solteira para uma pecuária integrada, você reduz a emissão de carbono na ordem de 40% a 50% e, além de tudo, propicia aumento de renda, graças ao uso integral da propriedade, à preservação do solo e ao melhor uso de insumos”, aponta o diretor-presidente do IABS.

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De acordo com o diretor do programa de florestas do World Resources Institute (WRI), Miguel Calmon, o Brasil tem avançado na adoção de sistemas agroflorestais nos últimos três anos, mas ainda esbarra na falta de incentivos públicos e privados, inclusive no financiamento para recomposição de reserva legal, visto como um “passivo”, mas que, se bem manejado, pode gerar retornos tão ou mais elevados que a agricultura convencional.

Com 28 projetos de sistema agroflorestal distribuídos de norte a sul do país, ele já obteve retorno de até R$ 4.500 por hectare ao ano em áreas com culturas anuais, como banana e cacau. “Nós já temos um conhecimento vasto que nos permite hoje assegurar que implantar o sistema agroflorestal para recuperação de reserva legal ou para diversificar renda é um ótimo negócio”, diz Calmon.

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Com uma cobrança internacional crescente por sistemas de produção mais sustentáveis e um mercado cada vez mais competitivo, Tadeu Assad, do IABS, acredita que a migração dos produtores para novas técnicas de manejo seja uma questão de tempo, inclusive com a exclusão daqueles que resistirem a essas transformações.

“Quem não for se adaptando a isso, seja por questões financeiras, seja por produtividade, vai ter de fazer isso por pressão do mercado e por consciência dos consumidores”, afirma Assad.
Source: Rural

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