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Ivan Junior Correa, agricultor familiar (Foto: Editora Globo)

 

Ivan Júnior Corrêa, de 41 anos, passou a infância morando em propriedades rurais. Por influência do pai, José Agenor, fez da agricultura sua profissão. Atualmente, ele reside com a mulher, o pai e os filhos no assentamento federal da Fazenda Ipanema, em Iperó, município a 130 quilômetros de São Paulo. Os Corrêa são uma das 154 famílias no espaço, onde cada uma tem uma média de 8 hectares para a produção de frutas, legumes e verduras, os FLVs.

Há 27 anos no lugar, Ivan fatura, em média, R$ 8 mil mensais com a colheita de 10 toneladas de uma ampla variedade de alimentos orgânicos, como alho-poró, couve-flor, repolho, brócolis, salsinha, cebolinha, coentro, alface, chicória, milho verde, banana, beterraba e escarola, entre outros. Por não utilizar agrotóxicos, ele conta que o preço já é pré-estabelecido, e a venda, garantida. O dinheiro é o suficiente para o sustento da família, o pagamento das contas do dia-a-dia e dos salários de três funcionários.

No entanto, não fosse o uso intensivo de plataformas digitais para a comercialização da produção, adotado em abril, Ivan integraria parte dos milhares de pequenos produtores afetados economicamente pela pandemia do coronavírus. Nos seus cálculos, os rendimentos poderiam ser reduzidos em até 50%, para cerca de R$ 4 mil. “Os pedidos caíram muito com o fechamento das feiras. Então, tivemos que buscar alternativas”, afirma o agricultor.

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Diferente dos grandes produtores de soja e milho, que podem utilizar a exportação como uma saída para escoar o cultivo em momentos desfavoráveis do mercado interno, na agricultura familiar isso é mais difícil, já que os alimentos são perecíveis e têm pouca longevidade de prateleira. Por conta das dificuldades logísticas e o fechamento temporário das feiras e mercados, muitos desses pequenos donos de terra registraram perdas de toda a produção entre março e abril, início das medidas de isolamento social.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) ouviu 118 pequenos agricultores de 29 países da América Latina e Caribe para mensurar os efeitos da crise decorrente da pandemia neste segmento da cadeia de alimentos. O levantamento entre os dias 11 e 22 de maio identificou que 93% dos entrevistados apontaram impactos negativos sobre a produção.

A maior parte dos produtores consultados pelo IICA (88%) dizem que os alimentos mais afetados foram grãos e cereais, hortaliças, frutas, raízes, tubérculos e carnes. Eles relatam ainda problemas dos mais diversos, como o fechamento de pontos de venda tradicionais (66%), a falta de transportes (52%) e as dificuldades de acesso ao mercado consumidor durante crise (42%).

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“No começo da pandemia, houve uma concentração da produção porque muitos produtos não puderam ser colocados nos mercados, o que gerou uma queda nos preços pela necessidade de venda. Também percebemos o aumento do custo do transporte e a dificuldade na manutenção do cultivo”, explica o gerente do Programa de Desenvolvimento Rural e Agricultura Familiar da instituição interamericana e responsável pelo levantamento, Mario Léon.

Mas os problemas não param por aí. No caso da agricultura familiar, os entraves se estendem para além do campo. Segundo 70% dos produtores, a contração nas economias dos países da região tem resultado na redução da demanda por alimentos. Por essa razão, 37% deles acreditam que o faturamento já é menor.

A pesquisa sintetiza boa parte da realidade brasileira. Segundo a PNAD Covid, levantamento do IBGE que mede o impacto do novo coronavírus sobre a saúde e o mercado de trabalho no país, a taxa de desocupação chegou a 14,3% na quarta semana de agosto, resultado 1,1% acima da semana anterior, quando o indicador marcava 13,2%. Com isso, são 13,7 milhões de desempregados no país. Realizada pelo mesmo órgão, a PNAD Contínua apontou que a renda da população encolheu R$ 12 bilhões (5,4%) entre abril e junho na comparação com o período entre janeiro e março.

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O pesquisador do Centro de Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV Agro), Felippe Serigati, acredita que a tendência é a população procurar alternativas mais baratas em detrimento de produtos de maior valor agregado, comportamento comum em momentos de crise. “Em geral, os pequenos produtores produzem alimentos perecíveis, como frutas e verduras. A capacidade de armazenamento é muito limitada e não são produtos tão baratos. Em um ambiente de restrição orçamentária, é natural que as famílias acabem reduzindo uma fração do consumo nesta categoria”, avalia.

Outra consequência da crise é que 716,4 mil empresas haviam encerrado as atividades até a primeira metade de junho, sendo 99,8% negócios com até 49 funcionários, segundo o IBGE. Do total, 106,3 mil empresas se encaixam na categoria de serviços prestados às famílias, como os bares, restaurantes e padarias onde boa parte das frutas, legumes e verduras vendidas pelos pequenos agricultores eram consumidos antes da pandemia – fator que pressiona ainda mais o campo.

Food service e auxílio emergencial

Com a pandemia e as pessoas ficando em casa, com mais tempo para cozinhar, empresa que distribuía refeições prontas passou a comercializar cestas de alimentos frescos  (Foto: Agência Brasil)

 

É necessário considerar, entretanto, que há um aumento nos últimos meses na quantidade de empresas em funcionamento. Esses negócios passaram de 2,77 milhões para 3,16 milhões entre meados de junho e a primeira quinzena de agosto.

Porém, 38,6% dos negócios apontavam impactos negativos por conta do coronavírus ao final do último mês – no setor de serviços, isso representa um terço (31,7%), com destaque para os serviços prestados às famílias (36,5%). “Com a perda do food service, esses produtores sentiram o impacto, seja pela contração da renda nos domicílios ou problemas nos canais de distribuição do lado da oferta”, afirma Serigati.

Entre abril e agosto, o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 liberados pelo governo federal ajudou a sustentar o consumo de parte da população. Agora, especialistas estão cautelosos sobre o impacto da redução do auxílio na economia, que será de R$ 300 entre setembro e dezembro. O IPCA mostrou em agosto que a inflação está pressionando os bolsos. No geral, a alte foi de 0,24%, abaixo dos 0,36% em julho. Mas o setor de alimentos e bebidas, próximo da estabilidade em julho (expansão de 0,01%), avançou 0,78% no último mês, com destaque para tomate (12,98%), óleo de soja (9,48%), leite longa vida (4,84%), frutas (3,37%), carnes (3,33%) e arroz (3,08%).

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Neste cenário, mesmo empresas que já trabalhavam com a venda de alimentos encontraram oportunidades para se reinventar. Startup que atua no segmento de alimentação saudável fundada em 2016, a Liv Up comercializava apenas pratos prontos até uma nova realidade ser imposta pelas medidas de isolamento social. Com a pandemia, a empresa passou também a oferecer cestas com produtos frescos por meio de seu aplicativo e site. Os itens variam de acordo com a disponibilidade e a necessidade de escoamento dos produtores.

“A maior dificuldade dos agricultores ainda é a comercialização. Isso já era algo presente antes da pandemia. Ou eles não têm acesso a quem garanta a compra, ou não tem a certeza de que aqueles clientes vão continuar comprando. Com o fechamento dos mercados, esse cenário ficou ainda pior. Muitos estabelecimentos encerram as atividades e outros agricultores acabaram reduzindo os preços por conta da dificuldade na venda”, analisa Pedro Martins, coordenador de Sustentabilidade e Suprimentos da Liv Up.

A solução aponta para um mercado promissor. Entre janeiro e julho, a Liv Up comercializou 230 toneladas de alimentos, superando em 10 toneladas toda a quantidade registrada em 2019 apenas com refeições prontas – o balanço também inclui 18 toneladas para a doação. A empreitada aumentou a renda média dos agricultores de R$ 5 mil para R$ 10 mil por mês.

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“Durante a quarentena, percebemos que os clientes não estavam só comprando a refeição pronta, como tinham mais tempo e disposição para cozinhar em suas casas. Passamos então a entregar esses produtos in natura para escoar essa produção excedente”, completa Martins.

Um dos beneficiados foi Ivan Corrêa, o agricultor citado no começo desta reportagem. Ele explica que as vendas de cestas para a Liv Up e o Instituto Terra Viva foram fundamentais na manutenção das suas atividades. "Nós produzimos orgânicos e têm muita saída. Entregávamos na feira, na rua e para a merenda escolar. Mas, com a pandemia, não teve como continuar. Sem as cestas, nós teríamos um prejuízo grande porque as vendas caíram muito", relata.
Source: Rural

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