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(Ilustração: Calenda)

 

*Publicada originalmente na edição 417 de Globo Rural (Julho/2020)

Os leilões de animais de raça passam por uma nova transformação e estão migrando para as plataformas digitais. Não por opção. Os eventos presenciais programados para os últimos meses foram cancelados para conter o avanço da Covid-19, doença traiçoeira que afasta as pessoas e deixa um rastro de mortes no mundo inteiro.

O setor está se reinventando mais uma vez, como no final dos anos 1980, quando os animais começaram a ser negociados como estrelas, desfilando em luxuosas casas de espetáculos, como o Palace, em São Paulo, e o Copacabana Palace, no Rio de Janeiro.

Era uma maneira ousada de valorizar os plantéis dos criadores de elite de bovinos e equinos de raça, atraindo novos investidores para a atividade. Os eventos, regados a champanhe e uísque, ganharam as colunas sociais e foram prestigiados até por celebridades que nunca haviam pisado numa exposição rural.

Cavalo da raça puro-sangue árabe desfila no Palace durante leilão (Foto: Marisa Cauduro/Folhapress)

 

Expozebu

Neste ano, a centenária Expozebu, realizada em Uberaba, no Triângulo Mineiro, não pôde receber os 300 mil visitantes esperados. Estava tudo preparado para a maior feira de gado zebuíno do mundo, que seria inaugurada solenemente no dia 25 de abril. No início do mês, porém, a Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ) suspendeu o evento como medida sanitária preventiva e cancelou os 29 leilões presenciais programados, que, no ano passado, faturaram quase R$ 50 milhões.

“A notícia foi um baque, mas soubemos reagir rápido. Uma semana após a suspensão da ExpoZebu, começamos a organizar a Semana do Zebu Virtual, com a adesão dos grandes criadores do gado zebuíno”, conta Paulo Horto, diretor da Programa Leilões, empresa responsável pela maioria dos remates que ocorreriam presencialmente em Uberaba.

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Os tradicionais encontros em fazendas ou nos tatersais para compra e venda de gado são bastante aguardados pelos criadores, pois permitem o congraçamento e a troca de informações em clima amigável.

Sem abraços e apertos de mão, para manter o distanciamento social, os leilões migraram para a TV e a internet e podem gerar um volume de negócios até maior do que o dos pregões presenciais. Foi exatamente o que ocorreu na Semana do Zebu Virtual. O movimento em cada leilão de touros, matrizes, novilhas e bezerros realizado virtualmente superou os números registrados pela ExpoZebu em 2019.

Futuro virtual

“A diminuição dos custos e a facilidade para participar dos leilões eletrônicos deixaram satisfeitos compradores e vendedores”, explica Paulo Horto. Seleções como Elo de Raça, Matinha e Naviraí comemoraram as receitas obtidas na Semana do Zebu, que foram maio-res que as dos remates presenciais, diz ele.

No caso do Rancho da Matinha, cujo leilão havia anos era presencial, o criador Luciano Borges não escondeu a satisfação ao vender vacas doadoras, novilhas e dois touros ao preço médio de R$ 93 mil cada. Os negócios virtuais exigem mais tempo do que os presenciais, mas têm custo menor. Por isso, dos sete ou oito leilões anuais que Borges promove no Matinha, apenas dois são presenciais.

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Para saber como está o agitado setor de leilões rurais, cujo movimento financeiro supera R$ 2 bilhões anuais, a Globo Rural entrevistou dez de seus principais representantes. São proprietários de empresas leiloeiras, pecuaristas e leiloeiros atuantes em diversas regiões do país. Todos foram unânimes num ponto: os remates virtuais vão dominar os pregões, tirando de cena, progressivamente, os presenciais.

Além da ExpoZebu, outras grandes feiras, como a ExpoLondrina e a ExpoGrande, de  Campo Grande (MS), foram canceladas nos últimos meses devido à pandemia, transferindo os remates de boa parte das grifes de seleção e de gado comercial para o formato virtual. Em abril, o setor movimentou R$ 58,7 milhões somente com bovinos de corte, um incremento de 55% em relação ao mesmo período de 2019, informa o banco de dados do DBO Rural.

O gado é filmado pelas equipes das empresas leiloeiras para ser apresentado durante o leilão virtual (Foto: Divulgação)

 

Para os executivos dos leilões, a migração das vendas presenciais para o mundo digital está sendo bem aceita porque as plataformas ficaram mais acessíveis e os softwares de pagamentos ganharam mais confiabilidade. Até mesmo os criadores mais conservadores estão recebendo bem essa mudança – que este ano se consolidou de vez, diante da necessidade de suspender as feiras de gado por causa do novo coronavírus.

Desde abril, as plataformas virtuais têm sido o palco de 100% das transações de bovinos e equinos. Na Programa Leilões, todos os pregões agendados até o fim do ano serão virtuais. Em 2019, a empresa realizou 500 eventos, muitos deles no formato presencial.

Maior do mundo

Considerado  o  “maior  leilão  de  gado  de  corte do mundo”, o Mega Leilão, organizado por Maurício Tonhá, proprietário da Estância Bahia, em Mato Grosso, que concentra o maior rebanho bovino do Brasil, não fugiu à regra: aconteceu virtualmente pela primeira vez em 20 anos. Tonhá afirma que todas as ofertas de animais para cria, recria e engorda encontraram compradores facilmente, superando as expectativas mais otimistas, com a venda recorde de 39.901 cabeças.

A mudança não mexeu no formato do Mega Leilão: os pregões ocorreram em duas datas de abril, uma na cidade de Água Boa e outra na capital, Cuiabá. Tonhá acredita que a fluência nos negócios foi impulsionada pela familiaridade dos compradores com o modelo.

Tonhá lembra que 70% das vendas da Estância Bahia já "haviam seguido o modelo virtual”, diz. O bom resultado também se deve, segundo ele, ao fato de o evento ter sido no início da entressafra da pecuária, quando os confinamentos recebem a boiada para a engorda. O empresário espera organizar 200 pregões este ano, 50 a mais do que em 2019. “Na minha opinião, o maior leilão de gado do mundo sacramentou as vendas virtuais.”

Acredito que o interesse pela modalidade de venda virtual se deve à comodidade de assistir à apresentação do gado na própria fazenda ou no escritório

Leonardo Beraldo, dono da Embral Leilões

Para os dirigentes das grandes leiloeiras brasileiras, a mudança do modelo presencial para as plataformas digitais é definitiva. Leonardo Beraldo, dono da Embral Leilões, maior vendedora de vacas leiteiras, afirma que os negócios da empresa já estavam sendo 100% transmitidos via TV e pela internet. “Não temos mais pregões presenciais.”

Sediada em São Paulo, a empresa de mais de 40 anos tem até um canal de televisão privado para realizar pregões e transmitilos ao público. “Apesar da pandemia, raros leilões da nossa agenda foram suspensos e esperamos realizar pelo menos 200 eventos virtuais”, revela .

Beraldo diz que a comercialização virtual não sofreu qualquer trauma após a chegada do novo coronavírus. “A liquidez é absoluta e os preços estão remunerando bem os criadores. Acredito que o interesse pela modalidade de venda virtual se deve à comodidade de assistir à apresentação do gado na própria fazenda ou no escritório”, comenta.

Cliente da  Embral, o pecuarista Roberto Jank Júnior, de Descalvado (SP), realizou virtualmente pela primeira vez o Leilão Agrindus, de sua família, em abril último. “Foi o melhor leilão das 11 edições que já fizemos”, afirma Jank. A venda das suas novilhas das raças holandesa e girolando alcançou o valor médio de R$ 8,4 mil neste ano, em comparação aos R$ 7,4 mil no ano passado. Assim como Maurício Tonhá, Roberto Jank bate o martelo e afirma que o formato virtual vai prevalecer nos futuros leilões – com ou sem coronavírus.

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Negócios e palestras

No mercado de leite, as plataformas virtuais ganharam ainda mais força com a adesão a esse formato pela Megaleite, a maior feira do setor na América Latina. Além de fechar negócios, os criadores que acessaram a feira pela internet puderam participar dos debates e acompanhar as análises de mercado, o lançamento do sumário de touros e dois leilões virtuais de girolando e gir.

Segundo Odilon de Rezende, presidente da Associação Brasileira de Criadores de Girolando, que organiza a Megaleite, a mudança deu muito certo. “Conseguimos transmitir aos produtores rurais informações sobre novas tecnologias, mercado e muito mais com essa inovação. Os leilões virtuais também agradaram e deram bons resultados.”

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A edição deste ano da Expogenética, principal fórum de debates sobre o melhoramento genético, também será totalmente online. O evento começou neste sábado (15/8) e vai até 23 de agosto, em Uberaba (MG), e será recheado de palestras técnicas via webinário. Os organizadores esperam movimentar R$ 30 milhões em seus 13 leilões, ou R$ 4 milhões a mais do que foi contabilizado na versão presencial de 2019.

Demanda em alta

O pecuarista José Luiz Niemeyer dos Santos, da Fazenda Terra Boa, de Guararapes (SP), é outro que está animado com o seu leilão anual no formato digital. Em 2013, ele chegou a investir na construção de um tatersal para apresentar o gado, mas hoje só vê vantagens nas vendas virtuais – independentemente do fato de terem se tornado obrigatórias por causa da pandemia.

“Acabou até aquela história de ficar enviando papel por aí”, observa Niemeyer, conhecido por defender a preservação ambiental na pecuária. “Os compradores recebem o catálogo pelo celular e podem interagir na hora com o vendedor, que no caso sou eu mesmo”, diz. Marcado para 5 de julho, o evento da Fazenda Terra Boa tinha transmissão agendada em um canal pago de televisão e pela internet. O plantel à venda incluía 90 touros da raça nelore, 45 touros brangus e 70 fêmeas.

“O pessoal tem dito que a internet é uma ótima ferramenta para realização de leilões e que os resultados têm sido bem superiores este ano. Mas acho que esse crescimento nas vendas é porque a demanda por reprodutores na pecuária nacional vem aumentando mesmo”, pondera Niemeyer.

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Para atender a essa maior demanda, a Central Leilões, responsável pela organização do leilão da Terra Boa, reforçou seu time de profissionais de audiovisual, que inclui cinegrafistas, fotógrafos e técnicos. “Contratamos três novas equipes para gravar o gado a ser ofertado nos leilões virtuais”, informa Lourenço Campos, diretor da empresa. Ele espera realizar 170 pregões até dezembro, nenhum deles presencial.

Em maio passado, um renomado leilão da Central, o Onix e Zeus, de touros nelore, foi realizado de forma virtual pela primeira vez. “O evento arrecadou R$ 6,2 milhões, mais que o dobro em relação ao movimentado na edição de 2019, que era presencial”, conta Lourenço. Ele é outro que acredita que a onda virtual chegou para ficar.

Tempo real

 

(Foto: Divulgação)

 

No mercado de cavalos de raça, os negócios também migraram para o mundo virtual. O Canal do Leilão, de Djalma de Lima, que vende equinos da raça brasileiro-de-hipismo junto a um público de alto poder aquisitivo, não perdeu clientes. “As vendas estavam e continuam firmes. Alcançamos um valor médio de R$ 50 mil nos leilões de embriões e de R$ 52 mil nos de potros”, conta Lima, cujo canal pioneiro está no ar há 26 anos.

Ele explica que a facilidade de conhecer bem o animal antes do remate, os custos menores e a comodidade do comprador são os fatores que consolidam o formato virtual. “Nos dias de transmissão, tivemos mais de mil acessos em tempo real”, afirma o leiloeiro. Neste ano, a programação do Canal do Leilão prevê 15 remates sofisticados de cavalos de salto.

Gonçalo Silva, diretor da Trajano Silva Remates, uma das empresas mais antigas de vendas de cavalos da raça crioulo, oriunda dos pampas gaúchos, e de gado de origem europeia, como o hereford, pretende realizar 52 leilões virtuais este ano em um canal próprio na web. Segundo ele, as empresas passarão por uma reorganização total da forma de trabalho.

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“O leilão não precisa mais do show para acontecer. Aquele aparato todo, de ter um local e fazer o transporte de animais para desfile em palcos iluminados, com bebidas e canapés, vai ficar no passado”, diz Silva. Ele conta que o remate Os Gigantes do Laço, com oferta virtual de cavalos crioulos, foi acompanhado por 1,4 mil pessoas, “um recorde de participantes” em seus leilões.

Depois que empresas como Remate, Programa, Djalma Leilões, Trajano Silva, entre outras, começaram a levar os pregões de gado e cavalo para casas luxuosas de espetáculo, nos anos 1980, como o Palace e o Maksoud Plaza, em São Paulo, o mercado de leilões voltou a se agitar perto da virada do milênio, quando os remates passaram a ser transmitidos pela televisão. As vendas começaram a ser simultâneas, presenciais e por telefone, em canais privados das próprias leiloeiras ou de grupos de comunicação que enxergaram uma boa oportunidade de faturamento nesse filão.

Nos anos 1990 e 2000, a transmissão pela TV ganhou vulto e até canais específicos foram criados. Os pregões presenciais continuaram fazendo excelentes negócios (Foto: Divulgação)

 

“Essas transformações só trouxeram benefícios para quem compra ou vende gado. Com a tecnologia que temos hoje, não precisamos mais submeter os animais a longas viagens, que são um fator de estresse e elevam os custos para o vendedor”, afirma José Luiz Niemeyer. Os compradores podem participar dos pregões instalados em suas casas ou escritórios, com conhecimento prévio das ofertas. Além disso, as plataformas virtuais de leilões são fáceis de navegar e permitem que os investidores façam lances antecipados.

Pré-lance

“O criador pode cadastrar um valor limite no site dias antes do início do evento”, explica Carlos Santana, proprietário da Opportunity, casa de leilões especializada na venda de cavalos de raça. A empresa permite que o pré-lance seja dado entre seis e sete dias antes do início de um pregão e é este valor que abre os trabalhos. Segundo Santana, a redução nos custos de montagem do pregão é repassada aos compradores.

A Opportunity, sediada em São Paulo, promove vendas virtuais desde a sua fundação, em 2018. “Estamos preparados para os novos tempos e eles serão de mudanças profundas nesse mercado”, acredita Santana, que contabiliza 30 anos de trabalho no segmento de leilões. Em 2019, a Opportunity conduziu 30 pregões. Neste ano, devem chegar a 40.
Source: Rural

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