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Queimadas na região do Pantanal estão preocupando também moradores de áreas urbanas em Mato Grosso (Foto: Jacqueline Fontes)

 

Como se não bastassem as agruras trazidas pela pandemia da Covid-19, os mato-grossenses vêm sentindo as consequências do período da seca no Estado. Há alguns dias o noticiário sobre incêndios no Pantanal (no município de Poconé, a cerca de 100 km da capital) assusta os moradores de Cuiabá e Várzea Grande – duas cidades contíguas, separadas pelo rio Cuiabá – mas, nas últimas horas, a fumaça escureceu as áreas urbanas e muita gente registrou a paisagem cinza e desbotada das janelas de suas residências ou em seus passeios matinais. Não chove em Mato Grosso há mais de 80 dias.

“A situação este ano está muito pior. Saí para caminhar com objetivo de ganhar saúde, mas tive que respirar fumaça e fiquei com os olhos ardendo. O jeito é enfrentar tudo com máscara no rosto e muita água para beber”, opina a aposentada Toshiko Elza Yamamura Rios, que costuma caminhar no entorno da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), em Cuiabá.

Vídeo mostra situação em Cuiabá (MT)

 

“Aqui está tudo cinza! Desde muito cedo a fumaça invadiu tudo! Fiquei com as janelas dos quartos fechadas para poder dormir em paz! Está muito pior que no ano passado e ainda corremos o risco de queimadas na porta de casa pois o Cerrado está muito seco e as chuvas não demonstram disposição para vir”, lamenta a psicóloga Vera Capilé, que mora numa chácara na saída de Cuiabá para Chapada dos Guimarães.

Mais assustada ficou a servidora pública Daniela Barros Garcia (veja vídeo feito por ela abaixo). Ela retornava para Cuiabá pela Estrada da Guia, por volta de meio-dia de quarta-feira (12/08), quando avistou muita fumaça na lateral da rodovia, que leva a vários condomínios e é um acesso à BR-163.

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O incêndio na Estrada da Guia tomou grandes proporções, destruindo aproximadamente 800 hectares de área, e quase atingiu o Condomínio Brazil Beach, situado no quilômetro 4,5, deixando desesperados os moradores e obrigando os bombeiros a buscarem água na piscina monumental que é a maior atração do local.

O médico Mário Francisco Bezerra também tem a sensação de que a temporada do fogo foi antecipada este ano. “Cuiabá amanheceu coberta de fumaça nesta quinta-feira. Minha casa e meu carro estavam cobertos de partículas de fuligem”, conta Bezerra, que aconselha as pessoas a manterem janelas e portas fechadas para reduzir os riscos da poluição atmosférica causada pelas queimadas.

“Orientamos as pessoas a comprarem um vaporizador. Se não tiverem condições financeiras, deixem toalhas molhadas em casa. Todos devem ingerir muito líquido”, orienta o médico, que atende na Policlínica mantida pela Prefeitura no bairro Verdão.

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De acordo com Boletim Informativo do Centro Integrado Multiagências (Ciman), montado para coordenar as ações de combate ao fogo em Mato Grosso, de 1º de janeiro a 10 de agosto de 2020, foram registrados 11.770 focos de calor no Estado – 9,3% a mais que no mesmo período de 2019 e 43,5% a mais que a média dos últimos 10 anos (2010-2019) nesse período. Com isso, Mato Grosso lidera o ranking dos focos de calor na Amazônia Legal, integrada por mais oito estados, entre eles, Amazonas e Pará.

Mas, na avaliação do diretor adjunto operacional do CBM-MT e coordenador geral do Ciman-MT, tenente coronel Dércio Santos da Silva, há aspectos positivos a serem destacados, como o trabalho que vem sendo desenvolvido pelas instituições integrantes, com otimização de recursos e definição de estratégias em conjunto. Ele cita como exemplo a Operação Pantanal II, oriunda de Mato Grosso do Sul, que foi ampliada e conta com a participação do Ministério da Defesa, Corpo de Bombeiros e Sesc Pantanal, entre outras instituições.

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A situação mais preocupante, na avaliação do superintendente da Defesa Civil de Mato Grosso, tenente-coronel do Corpo de Bombeiros Marcelo Augusto Reveles Carvalho, está ocorrendo justamente no Pantanal de Poconé, onde três focos de fogo de proporção média se tornaram um grande incêndio, o que levou a Prefeitura local a decretar estado de emergência no município. O fogo consumiu até agora aproximadamente 185 mil ha de vegetação nativa e o superintendente da Defesa Civil conta com o aporte financeiro do Governo federal para reforçar o combate com mais maquinário e homens.

Na opinião do tenente-coronel BM Reveles, a situação em 2020 não difere da ocorrida no ano passado (no dia 13 de agosto de 2019, foram registrados 466 focos de calor em Mato Grosso contra 289 registrados nesta última quinta-feira). Mas isso não é motivo de tranquilidade para a Defesa Civil, que atua tanto na prevenção quanto na mitigação dos efeitos das queimadas. Este ano, o período proibitivo para queimadas em Mato Grosso foi antecipado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente em 15 dias, tendo sido iniciado em 1º de julho.

(Foto: Toshiko Elsa Yamamura Rios)

Outra grande preocupação da Defesa Civil do Estado é quanto à região de Chapada dos Guimarães. “O trabalho de vigilância nas margens da rodovia (a MT-251, que liga a capital à Chapada) deve ser redobrado para que Chapada não seja o próximo alvo do fogo”, afirma, referindo-se à ação preventiva da Defesa Civil municipal e também ao trabalho individual da população no sentido de evitar queimadas e denunciar qualquer ação criminosa.

O tenente-coronel BM Reveles não tem dúvidas que a maioria esmagadora dos focos de calor é provocada pela ação humana. “É praticamente impossível acontecer combustão espontânea em ambiente natural. Somente 1% dos focos é causado de forma espontânea”, assegura o superintendente, que defende punições mais severas para que essa prática não seja recorrente.

Toshiko Rios também responsabiliza “pessoas sem o menor senso de responsabilidade social”, que insistem em colocar fogo num período do ano sem chuvas e com baixa umidade relativa do ar. “É um problema cultural desta região. Muitos até têm consciência, mas continuam agindo assim e o povo que paga as consequências”, acrescenta Toshiko, que é alérgica e redobra os cuidados com a saúde (ela também é cantora) por conta do ar contaminado com a fumaça. Desde junho, ela tem recorrido a nebulizações com soro fisiológico e mantém o umidificador de ar ligado de dia e de noite.

“A situação das queimadas na região beira a insanidade. As queimadas são criminosas e lesam a própria família de quem ateia fogo, além de toda a comunidade”, denuncia a bióloga Jacqueline Fontes, que mora numa avenida à beira do Rio Cuiabá. Este ano, a temporada de fogo chega com uma preocupação a mais:

“Como se a pandemia não fosse tragédia suficiente, as queimadas vêm piorar a saúde da população, deixando as pessoas mais suscetíveis à covid-19. O aumento das queimadas provavelmente decorre da sensação de impunidade que o governo federal transmite em seu discurso. Abriram-se as porteiras e parece até uma corrida para o desmatamento. Vale tudo”, lamenta.

Segundo o médico Mário Bezerra, há 15 dias tem sido crescente o número de pessoas em busca de atendimento na Policlínica do Verdão por medo de estarem contaminadas pelo coronavírus.  “Elas sentem desconforto e dificuldades para respirar por causa da fumaça e da umidade do ar muito baixa, e o temor da covid 19 aumenta a ansiedade, principalmente em pessoas que já têm alguma doença respiratória como asma ou que são fumantes”, explica.

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No entanto, entre 70 a 80% desses pacientes que têm procurado a Policlínica estão saudáveis.  Os demais pacientes com suspeita de covid-19 são submetidos a outros exames e teste específico, e recebem o chamado kit Covid.  O clínico alerta ainda que a poluição provocada pelas queimadas diminui as chances de recuperação das pessoas realmente infectadas pelo novo coronavírus.

Sem perspectivas de chuvas antes de setembro, os mato-grossenses precisam realmente se cuidar para se proteger de tantas ameaças: as temperaturas têm se mantido na casa de 40º e a umidade do ar tem variado entre 20 e 12, de acordo com alertas emitidos pela Defesa Civil do Estado.

“O que mais me preocupa neste momento é que a fumaça das queimadas é muito nociva à saúde, atacando as vias respiratórias. A junção desses dois fatores – fogo e coronavírus – pode ser uma catástrofe”, alerta o tenente coronel Reveles. Embora Mato Grosso tenha reduzido o número de casos de infectados por covid-19 nos últimos dias, o estado de alerta se mantém.
Source: Rural

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