Skip to main content

Araras apreendidas em operação (Foto: Polícia Federal)

 

O Brasil é ponto de referência para o tráfico internacional de animais selvagens. É o que revela relatório produzido pelas organizações não-governamentais Traffic e União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), com apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).

O estudo estima que 82.040 animais foram traficados apenas no Estado de São Paulo entre janeiro de 2017 e agosto de 2019, com base em informações da Polícia Militar Ambiental. Diversas espécies circulam principalmente em rotas entre o Nordeste e o Sudeste do país, além de abastecer um intercâmbio entre os países de fronteira Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana e Suriname.

De acordo com os responsáveis, o combate a esse tipo de crime enfrenta uma barreira de consolidação de dados. Sandra Charity, uma das autoras do relatório, afirma que há informações geradas por diversos órgãos, como Polícia Militar, Polícia Federal, Polícia Ambiental, além dos municípios que têm outras forças que trabalham com apreensão. Porém, não há nenhuma inteligência que concentre estes dados.

Segundo ela, esta situação passa a impressão de que o volume das apreensões das mercadorias ilegais é menor do que aquilo que realmente circula entre atravessadores e compradores. 

Trabalhar com dado de apreensão é a ponta do iceberg para começar a dar um sinal do tráfico de animais selvagens

AutoSandra Charity, autora do relatório 'Tráfico de animais selvagens no Brasil'

Juliana Machado Ferreira, co-autora da pesquisa e diretora-executiva da ONG Freeland Brasil, explica que contou com a colaboração de órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). E também ressalta a dificuldade de quantificar de forma unânime o número de animais selvagens traficados no Brasil.

Entretanto, afirma que o que se tem “é suficiente para planejar ações de combate ao crime”, ao exemplificar os 30 mil animais vivos apreendidos pela Polícia Ambiental de São Paulo por ano ou os 50 mil animais comercializados anualmente em cerca de sete feiras da região metropolitana de Recife.

saiba mais

Moratória das queimadas não é suficiente para evitar incêndios ilegais

Governo quer emitir 600 mil títulos de propriedade na Amazônia Legal

 

De acordo com Marcelo Pavlenco Rocha, presidente da SOS Fauna e que já acompanhou de perto o mercado ilegal, entre o final de agosto e início de setembro, há um “aumento bombástico” de tráfico de filhotes de papagaio, arara, tucano e maritacas. O maior polo consumidor é o Estado de São Paulo. Ele afirma que 95% dos casos de tráfico do Nordeste se referem a aves, mas há também sagui, macaco-prego e iguana.

Rocha ainda chama a atenção para a circulação livre de animais em diversos estados, como Goiás, oeste da Bahia, Tocantins, Maranhão e sul do Piauí. “Há um fluxo imenso de tráfico do Nordeste para São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Essas são as três microrregiões que mais consomem, mas também tem em Goiânia e Brasília. Nos últimos anos, tem uma determinada região que tá sofrendo muito com tráfico do Paraná subindo para São Paulo e todo o Vale do Ribeira tem sofrido em termos de degradação de fauna”, conta.

Amazônia

 

 

(Foto: Reprodução/USAID)

O relatório ‘Tráfico de animais selvagens no Brasil’ também trata do comércio ilegal de espécies na Amazônia, agravado pela infraestrutura precária de locomoção, o que dificulta fiscalizar e combater essa prática.

“Se nas outras regiões brasileiras, como Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica, onde há mais condições de fiscalização e maior renda populacional, já é difícil avaliar a magnitude do tráfico, imagina na Amazônia, que é extensa e dividida com sete países, que têm legislações diferentes”, ressalta Sandra Charity.

saiba mais

Queimadas no Pantanal crescem 206% e têm o maior aumento desde 1998

 

A atenção internacional sobre a região agrava a exploração, afirma a pesquisadora. Além de ações de grilagem e desmatamento, os quais comprometem o habitat natural dos animais, existe um abuso no turismo de fauna, atrativo ao estrangeiro e que afeta o equilíbrio ambiental.

“Programas para nadar com o boto ou tirar foto com o bicho-preguiça são formas de exploração, e em todos esses lugares tem uma fauna cativa, geralmente em uma situação terrível de manutenção e de maus tratos. Além de ser ilegal, criar um fluxo de exploração e ainda ter o problema de zoonoses”, alerta Sandra.

Juliana Machado Ferreira reforça que o tráfico de fauna silvestre tem várias características. Sendo assim, não é possível dizer que a Amazônia é o epicentro dessa prática criminosa, à medida que há sérios problemas com os jacarés no Pantanal e os passarinhos na Caatinga. “Há comércio para consumo humano, desde carne de caça até iguarias culinárias, medicina, biotráfico, moda, são várias facetas, não podemos simplificar em um só problema”, diz.

Educação ambiental

 

 

Esses animais são propriedade da União, apesar da União não cuidar deles

Marcelo Pavlenco Rocha, presidente da SOS Faunar

O crime de tráfico de animais selvagens implica em perda de biodiversidade e desequilíbrio do ecossistema, inclusive para regiões produtoras de commodities. Por isso, Juliana defende que, se a legislação não é eficiente, é preciso educar sobre o impacto deste crime para a sociedade civil, à medida que a condição do comércio ilegal existir é a demanda do consumidor.

Para o presidente da SOS Fauna, não existe fórmula de desestimular quem já consome, mas é possível educar as crianças. “A gente tem que trabalhar com crianças nas regiões em que essa cultura é muito forte, como o Sudeste. Papagaio é visto como pet para algumas pessoas, e isso precisa acabar. Esses animais são propriedade da União, apesar da União não cuidar deles”, ele reforça.

Na avaliação de Cristiane Mazzetti, porta-voz da campanha de Biodiversidade da Amazônia do Greenpeace, atualmente, 1 milhão de espécies correm o risco de extinção em escala global. “Ao perturbar a natureza, nós facilitamos o aparecimento de doenças que podem se transformar em pandemia, por isso é importante que ações sejam direcionadas para conter a perda dos habitats e a perda de biodiversidade”, defende.

Globo Rural entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente (MMA). A pasta informou que o assunto é de responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama). Até a conclusão desta reportagem, não houve resposta por parte do órgão.
Source: Rural

Leave a Reply