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Rui Shiozawa, CEO doGreat Place To Work (GPTW) (Foto: Divulgação)

 

(Entrevista publicada originalmente na edição 417, julho de 2020 da Revista Globo Rural)

O agro é pop, mas ainda tem muito a evoluir em relação às pessoas. E está mais do que provado que são os colaboradores que fazem o sucesso das empresas – que, por sua vez, fazem do país uma potência mundial no fornecimento de alimentos.

Em entrevista à Revista Globo Rural, o CEO do Great Place To Work (GPTW), Ruy Shiozawa, pondera os resultados da  pesquisa que avaliou o ambiente de trabalho em mais de 100 companhias que atuam no setor produtivo e que traz um dado diferente de todos os outros segmentos da sociedade: não há mulher em cargos de presidência ou CEOs em grandes empresas do agro.

E isso, segundo o executivo, que tem no currículo passagens por gigantes das telecomunicações e químicas, passa um sinal claro de enviesamento para o mercado e toda a sociedade. O executivo também revela a seguir informações referentes a uma nova pesquisa realizada com trabalhadores brasileiros durante a pandemia, que mudou para sempre as relações entre funcionários e empregadores. Para Shiozawa, o momento pede, sobretudo, cuidado e transparência com os funcionários. E quem não estiver disposto a isso certamente terá dificuldades para se recuperar do tombo.

Globo Rural: A pesquisa foi realizada antes da pandemia. Como as empresas estão lidando com este momento?

Ruy Shiozawa: Nenhum de nós passou por uma situação tão crítica como essa. Além da pesquisa geral, que fazemos constantemente, fizemos uma outra para entender como as empresas estavam se organizando e lidando com este momento. E nessa pesquisa capturamos algumas coisas interessantes. Uma boa parte dos entrevistados disse que estava trabalhando igual ou mais do que antes. Esse dado dá para ler de várias maneiras. Há um esforço, uma concentração maior para superar a situação. Por outro lado, tem o desafio para os líderes, de como administrar a carga de trabalho. Se está trabalhando mais, precisa observar com atenção. O segundo ponto é que, se separarmos os pesquisados por faixas etárias, amais sensível à crise, e também a mais ansiosa, é formada pelos jovens.

GR: Quais as razões, na sua opinião?

RS: Esta é a primeira grande situação grave que essa geração está enfrentando. O pessoal de mais idade já passou por outras – troca de moeda, economia de cabeça para baixo, etc. Então, hoje a pandemia assusta quem acabou de sair de casa, iniciou uma família ou assumiu uma prestação do carro ou imóvel, por exemplo. Esses têm mais medo de perder a renda, o emprego.

GR: E qual o papel das empresas diante disso?

RS: Há uma demanda maior sobre as empresas e os gestores para se aproximar das pessoas. Ouvir mais, até para que possam  extravasar suas dificuldades. O normal é que as pessoas estejam todas preocupadas. O bom gestor precisa estar sensível a isso. Comoestáminha equipe? Porque as condições individuais, de cada um, são específicas. Vai ter um colaborador que tem infraestrutura e espaço físico para trabalhar. O outro, talvez não. Quando se está na empresa, o gestor tem controle sobre isso. Com as pessoas em casa, não.

GR: Que tipo de ações é importante executar agora?

RS: Conversas gerais são sempre importantes para passar o sentimento de equipe, de que todos estão juntos. A conversa individual também é muito importante. Se estamos com uma questão pessoal, não vou me expor e contar em um grupo. Se estou mal, depressivo, jamais vou falar numa reunião com 100 pessoas. Muitos têm receio de falar para “não pegar mal”.

GR: Ainda há muita empresa com gestão fechada, conservadora, ou a maioria já se modernizou?

RS: Antes da pandemia, muitas empresas já adotavam o home office e já estavam preparadas para uma gestão remota, não só o trabalho remoto. A gestão precisa mudar. A gestão tradicional que muitas empresas praticavam, de ver o horário de chegada, de saída, mudou. Agora, é uma nova gestão e tem muito líder que não estava preparado e nem sabe o que fazer nessa hora.

GR: O que empresas e gestores modernos devem fazer?

 

É HORA DE FAZER UMA NOVA GESTÃO, DE CRIAR AMBIENTES DE CONFIANÇA, DIÁLOGO, TRANSPARÊNCIA E ABERTURA

RS: O melhor agora é criar uma ambiente de confiança, de diálogo, transparência, abertura. E não perder tempo em usar um software para saber quanto tempo o funcionário está trabalhando. É hora da gestão por resultados, e não por horários. Temos recebido empresas que poderiam estar com pessoas em casa e não liberam. Ainda tem empresa que, se não ver a cara da pessoa, acha que o funcionário vai sacanear. Essa relação é tóxica. Quando você cultiva a relação de confiança, o desempenho é outro.

GR: E em momentos de crise, imagino, isso é mais fundamental ainda.

RS: Sim. Temos dados desde 1997, acompanhando o desempenho das empresas no mercado. Terminamos agora um projeto com a B3 que compara a rentabilidade no mercado das empresas premiadas. O detalhe é que, quando passa por uma crise, o mercado todo cai, mas as empresas que neste momento estão reforçando o relacionamento com colaboradores, melhorando os ouvidos, elas saem com agilidade e velocidade muito maior que as demais, que ficam meses tentando se reorganizar depois da crise. E mesmo quem ficou, se tiver oportunidade, vai embora, porque a confiança ficou abalada.

GR: Este foi o segundo ano de avaliação de empresas que atuam no agro. O que vocês notaram de diferente?

RS: No caso do agro, setor pilar da economia brasileira, é onde deveríamos ser campeões de práticas. Mas não dá para dizer isso ainda. Tem muita coisa retrógrada, e a não renovação das empresas demonstra isso. Briga de poder e todas aquelas coisas que vemos em seria dos acontecem muito mais do que a gente imagina. Isso significa perda de oportunidade. Não só para a empresa, mas para o país. Os chineses estão fazendo a parte deles.

GR: Renovar significa mudar pessoas?

O AGRO PRECISA APROVEITAR O MOMENTO E RENOVAR OS MODELOS DE GESTÃO. SE VAI TER DE MUDAR PESSOAS, ISSO É UM SEGUNDO DEBATE

RS: Se vai ter de mudar gente ou não, isso é um segundo debate. O agro precisa aproveitar o momento e fazer uma renovação nos modelos de gestão. Está com ímpeto de melhorar, evoluir, trazer tecnologia, práticas de gestão novas, com destaque ao tema pessoas. Se você cuidar de pessoas, as outras metas serão mais fáceis. Dou três dicas: primeiro, trabalhar propósito. O agro é privilegiado porque o produto em geral tem a ver com alimentação e com a saúde. Muitas empresas fazem bem e em outras parece que esse tema não existe. Segunda dica: crie um ambiente de confiança, seja transparente. Terceiro: evite guerras entre as áreas e valorize o trabalho colaborativo.

GR: Em relação à diversidade, há diferenças no agro em relação aos demais setores?

RS: Mulher é só o primeiro tema mais visível e evidente. Dentro das empresas, é meio a meio. No agro, é menor. E, quando vai subindo na hierarquia, cai muito. No setor, não há nenhuma falta de diversidade depõe contra a inovação. Se eu gero produtos para o mercado de consumo e se o mercado é metade homens, metade mulheres, e só homens decidem, claro que tem viés. O mesmo acontece com a população LGBTQI+, étnico-racial. Inovação é diversidade. Se não tiver, vai perder espaço.

GR: Como reverter isso?

RS: A empresa pode estimular a preparação de mais gente. Logo quando começamos a fazer o trabalho sobre mulheres, destacamos as empresas com melhores práticas. Uma delas tinha muitos engenheiros, área dominada por homens. O que essa empresa fazia: visitava escolas do segundo grau para fazer palestras e estimular as estudantes a prestar engenharia. Detalhe: eles também envolviam as famílias, porque, quando a filha chegava em casa e falava que queria fazer engenharia, muitos pais desestimulavam. Tem coisa que não consegue resolver de imediato, mas, se atuar nas duas pontas, dá uma mensagem clara. Dica: busque diversidade já nos candidatos às vagas. Enriqueça o processo. Garanta que tenha sempre mulheres, negros, LGBTQI+ na lista. Estimule, peça indicações dentro da organização. Está mais do que provado que isso é benéfico para as empresas e para a sociedade.

Source: Rural

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