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(Foto: Roberto Verzo/CCommons)

 

A nuvem de gafanhotos que se aproxima do Brasil pela fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina pode conter 40 milhões de insetos adultos, segundo a bióloga e única taxonomista de gafanhotos do Brasil, Maria Kátia Matiotti, do Departamento de Biodiversidade e Ecologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS).

As condições climáticas da região, quente e seco, atípicas para esta época do ano, em que as temperaturas deveriam estar mais baixas, associados ao desequilíbrio ambiental, favorecem a disseminação e a reprodução dos gafanhotos.

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Associada às condições climáticas e ambientais, a biologia do inseto favorece a formação de nuvens com alta densidade populacional, explica o entomologista agrícola Sinval Silveira Neto, colaborador sênior do Departamento de Entomologia e Acarologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP).

Segundo ele, a capacidade de reprodução e a proporção de aumento da população – a cada 10 gafanhotos em uma geração, são 10 milhões na segunda geração – tornam o controle um desafio de médio a longo prazo e exigem monitoramento constante. Uma fêmea chega a colocar de 80 a 120 ovos a cada oviposição, a depender das condições climáticas. “É um número realmente muito assustador”, avalia.

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Controle da nuvem

Segundo os especialistas, a contenção da nuvem de gafanhotos em movimento é praticamente impossível, embora o controle da praga possa ser feito com pulverização aérea no momento em que pousarem.

“Quando a nuvem está em movimentação, é praticamente impossível contê-la. Uma pulverização aérea para derrubá-los é praticamente inviável. O que a gente precisa se preocupar é com as paradas dessa nuvem. Ao anoitecer, a nuvem pousa em alguma região. Se a gente conseguir monitorar onde ela vai pousar, é possível diminuir bastante a população de adultos com uma pulverização”, explica Silveira Neto.

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Durante a migração, eles migram para determinados locais propícios para a criação, e essa procura se dá encontrando uma lavoura ou um lugar com condições climáticas favoráveis para o acasalamento. Segundo o entomologista, o momento de controle da população também deve ser feito depois da postura das fêmeas no solo. 

“Aí é que entra a possibilidade grande controle porque, depois do período médio de 15 a 20 dias de incubação, a depender do clima, nascem as primeiras ninfas, que são bem pequenas (sem asas ainda) e ficam agrupadas. São alvos muito fáceis de serem exterminadas com uma pulverização. Mas isso requer a determinação do local de postura. Por isso, a importância do acompanhamento da nuvem”, salienta.

Estratégia no campo

Com mais cerca de 20 dias, as ninfas sofrem mais duas trocas de pele, passando por uma segunda fase de desenvolvimento, quando começam a se movimentar através de saltos (as asas ainda estão em formação).

Neste período, segundo o especialista, é o momento em que o controle químico é mais eficaz, pois é possível acompanhar a movimentação dos pequenos gafanhotos e estabelecer armadilhas como valetas no chão onde são aplicados inseticidas em pó (como o próprio malation ou outro fosforado) que exterminarão as ninfas no momento da passagem delas.

“Se isso não for possível, eles vão completar o ciclo, com cerca de 90 dias, e passam ao estado adulto, quando vão formar outra nuvem de gafanhotos. Não é um negócio tão simples assim não, mas exige um acompanhamento constante, requer uma equipe em campo”, alerta.

(Foto: Fearca e Senasa/Divulgação)

 

Agrotóxicos fosforados são produtos mais antigos e baratos, amplamente usados no controle de pragas agrícolas, e comumente usados no controle de nuvens pequenas de gafanhotos que ocorrem no Brasil em outras épocas. Para o entomologista agrícola, o uso do fipronil – uma das recomendações de uso do Ministério da Agricultura da Argentina – é muito radical e letal para insetos sociais, como abelhas e formigas.

O gafanhoto (Schistocerca cancellata) é uma espécie migratória com hábito gregário, podendo percorrer, em média, 150 km por dia. Ou seja, migram em grupos em busca de alimento e condições favoráveis à reprodução e sobrevivência. “Tudo isso devido ao aquecimento global, que gera condições diferentes em todas as regiões. E a velocidade que eles voam é muito alta”, ressalta Maria Kátia.

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Praga histórica

 

O evento não é novo no país. A taxonomista lembra que, na década de 1940, ocorreu uma nuvem de gafanhotos da mesma espécie. “Ocorre essa nuvem por dois fatos: o clima quente e seco, que é favorável para eles, e a falta de inimigos naturais na área de plantações, onde aplicam muito agrotóxico, muitas vezes sem manejo adequado”, explica a especialista, que já teve até histórico familiar de perda de cafezal no RS devido a uma nuvem de gafanhotos.

Segundo a bióloga, os principais inimigos naturais dos gafanhotos – pássaros, sapos, fungos e bactérias – são diretamente afetados pelo uso descontrolado de agrotóxico nas lavouras, dificultando o controle do aumento da população de gafanhotos.

Essa ausência dos inimigos naturais faz com que não haja como segurá-los e tentar salvar uma plantação de trigo ou milho agora. Só se tivesse vindo com um bom tempo e uma prevenção

Maria Kátia Matiotti, bióloga e taxonomista de gafanhotos na PUC/RS

No Paraguai e na Argentina, por onde a nuvem tem passado nas últimas semanas deixando rastros de destruição nas lavouras, o clima também estava quente e seco, favorável à dispersão. Na primeira metade do século 20, o gafanhoto migratório foi o mais prejudicial na Argentina, causando perdas significativas em culturas e campos em grandes regiões.
Source: Rural

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