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Remessas de carne suína do Brasil para a China em 2019 cresceram 61% (Foto: Getty Images)

 

 

 

*Publicado originalmente na edição 415 da Revista Globo Rural (maio/2020)

A tormenta causada pelo novo coronavírus mudou o mundo repentinamente e, após o caos, um fato é dado como certo: as pessoas ao redor do planeta deverão adotar novos hábitos de consumo. E isso impactará a produção de alimentos, como já ocorreu durante a crise, quando as medidas restritivas impostas para conter o avanço da pandemia infectaram importantes canais de consumo do agro.

Os especialistas são unânimes sobre o cenário pós-Covid-19: o mundo ficará mais cuidadoso com o que come, principalmente com as carnes. A demanda por informações sobre as condições sanitárias em que foi produzida a proteína animal tende a ocorrer até mesmo na China, principal cliente do mundo e epicentro da crise mais recente.

Essa preocupação já estava latente no continente asiático desde 2018, quando começou um surto de peste suína africana (PSA) – doença virótica que acomete os suínos, a proteína animal mais consumida na China – que levou o gigante asiático no ano passado a abater 50% do seu plantel e ir às compras.

 

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O efeito para o agronegócio nacional foi positivo. Em volume, as remessas de carne suína para a China em 2019 cresceram 61%, as de carne bovina registraram alta de 53% e as de frango, 34%. No ano passado, o mercado chinês se tornou o maior importador de carnes do Brasil: o volume embarcado cresceu 46% (para 1,34 milhão de toneladas) e a receita aumentou 75% (para US$ 4,5 bilhões).

Embora não apresente riscos aos seres humanos, a PSA acendeu uma discussão sobre os cuidados sanitários no manejo dos animais. De acordo com o Rabobank, as criações de fundo de quintal foram o principal vetor de disseminação da PSA no país.

“Metade da produção suína chinesa vinha de produção familiar de baixo nível tecnológico”, diz Wagner Yanaguizawa, analista do banco holandês. Em outras palavras, metade da carne suína da China era proveniente de animais alimentados com “lavagem”, isto é, os restos de comida que sobram nos pratos da família.

No entanto, tais criações rudimentares tendem a desaparecer. “As ações do governo se concentram em deixar a produção mais homogênea em território chinês. Diminuir pela metade as propriedades de produção familiar e aumentar o perfil de médias e grandes propriedades, que podem melhorar a gestão e elevar o nível tecnológico da produção”, explica Yanaguizawa.

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Outra mudança implementada pelas autoridades chinesas no final de fevereiro foi banir a venda de animais silvestres para o consumo no país. A medida foi uma consequência direta da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), que surgiu no ano passado na China e está sendo atrelada a um mercado popular da província de Wuhan, conhecido por comercializar animais silvestres vivos, cujos pratos são considerados iguarias gastronômicas.

A suspeita é que o novo vírus tenha vindo dali. Provavelmente o morcego-ferradura-chinês, que teria transmitido o vírus para o pangolin (um mamífero que lembra o tatu), e deste para o homem.

O vírus que colocou o mundo em quarentena trouxe à tona uma série de questionamentos. Um deles é sobre o impacto do avanço do desmatamento de florestas. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), “as doenças transmitidas por animais silvestres para seres humanos estão em ascensão e pioram à medida que hábitats selvagens são destruídos”.

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No caso da China, até o início deste ano, o governo permitia a comercialização e o consumo de 54 espécies de animais silvestres nos chamados mercados populares, conhecidos pela falta de higiene, muito em decorrência da forma precária em que esses bichos eram mantidos, vivos, em gaiolas no local.

Mas, ao contrário do que sugere o nome desses estabelecimentos, o consumo de animais selvagens não é mais tão popular no gigante asiático. Uma pesquisa de 2014 mostrou que 52,7% dos chineses entrevistados não eram a favordo consumo da fauna silvestre. A rejeição aumentou com o surgimento do novo coronavírus e provocou um rebuliço no Weibo, o Twitter chinês, uma das redes sociais mais movimentadas no país. A campanha #rejectgamemeat (em português, rejeite carne de caça) atraiu 45 milhões de visualizações e fez o governo mudar de posicionamento.

(Foto: Getty Images)

 

Embora os brasileiros não tenham o costume de comer animais silvestres, a Secretaria de Defesa Agropecuária, do Ministério da Agricultura, possui uma série de programas sanitários para combater as zoonoses, doenças transmitidas naturalmente entre homens e animais, que podem ser de produção (boi, frango, suíno) ou de companhia (cachorro, gato).

O fato é que os protocolos sanitários, que garantem a segurança alimentar na produção de carnes, serão cada vez mais requisitados no mundo. A recente pandemia do coronavírus despertou uma preocupação maior sobre a transferência de vírus do reino animal para seres humanos.

Em março deste ano, Alemanha e Filipinas registraram foco de gripe aviária, um subtipo H5N6 do vírus da influenza, que levou as duas nações a sacrificar as aves, como medida sanitária para evitar a transmissão para outros animais e humanos. Também vale lembrar a epidemia de H1N1 em 2009, conhecida como gripe suína, por ter sido primeiramente detectada em porcos. Causada pela combinação dos vírus Influenza A de suínos, aves e humanos, a doença provocou centenas de mortes no mundo.

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Uma das consequências desse emaranhado de doenças é deixar as pessoas com o radar ligado para a origem da carne que compram. Não só a procedência, mas toda a rastreabilidade, cuidados sanitários desde a produção, passando pelo abate e logística de distribuição, para garantir a qualidade do alimento à mesa.

Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que representa os setores de aves e suínos, aposta na qualidade do produto nacional. “Quando há um ambiente de desconfiança, a carne congelada – que passou por um processo industrial e foi analisada na origem e no destino – dá segurança a quem vai consumir”, diz.

Essa nova realidade reforça a pesquisa elaborada pela Euromonitor, em 2019, que apontou o consumo consciente como um dos drivers de mercado para os próximos anos. No segmento de carne, há demanda tanto de clientes como de investidores por maior transparência sobre boas práticas na produção animal.
Source: Rural

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