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 (Foto: Jorge Andrés Paparoni/CCommon)

O dólar elevado e a maior pulverização das exportações argentinas de trigo impulsionaram as cotações do cereal no mercado interno, que subiram 45% desde janeiro até o final de maio. A corrida da população aos supermercados em março, por causa da preocupação com desabastecimento durante o período de quarenta imposto pelo coronavírus, também contribuiu para a alta de preços, pois coincidiu com a entressafra brasileira, quando a disponibilidade doméstica é menor.

Segundo analistas do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP), que acompanham as negociações entre as cooperativas e os moinhos, os preços nos dois maiores estados produtores do país, Paraná e Rio Grande do Sul, tiveram elevação de 47,9% e 49,8%, respectivamente.

No Paraná, o preço da tonelada cotado pelo indicador do Cepea, que estava em R$ 876,97 no começo de janeiro, passou para R$ 1.297,39 ao fim de maio, aumento de R$ 420,42. Na última sexta-feira (5), o indicador fechou em R$ 1.275,64. De maneira similar, o Rio Grande do Sul viu a cotação do alimento passar de R$ 800 no começo do ano para R$ 1.198,47 ao final da última semana, ágio de R$ 398.

Lucilio Alves, pesquisador do Cepea que analisa o mercado de trigo, explica que mesmo com o fechamento de bares, restaurantes e padarias – o chamado food service -, a compra de derivados do cereal continuou em alta. "Em um primeiro momento, tivemos um deslocamento de demanda pontual com o isolamento social. Apesar da restrição de alimentação fora do domicílio, que consiste em vendas importantes de farinha e produtos derivados, houve maior demanda em supermercados para o consumo doméstico”, afirmou.

Abastecimento

 

A expectativa é que com a entrada da safra brasileira, plantada entre abril e agosto e colhida a partir de setembro, os preços do cereal de inverno sofram algum recuo no segundo semestre, acompanhando a maior disponibilidade para o mercado interno.

De acordo com o Departamento de Economia Rural (Deral) da Secretaria de Agricultura do Paraná, o Estado já tem 75% da sua área plantada, sendo 77% das lavouras em boas condições. No Rio Grande do Sul, o plantio deve ser intensificado na primeira quinzena de junho, e, em meio às boas condições climáticas, a área plantada deve sofrer um acréscimo de 15%, segundo a Emater-RS

"As estimativas para o trigo seguem otimistas, em razão dos preços atrativos e do comportamento do clima em maio, que incentivam o cultivo da safra de trigo no Sul do país. Depois de enfrentar uma quebra expressiva na safra de soja e milho, a expectativa é de que os produtores dessas regiões tendam a minimizar os impactos negativos com o plantio do cereal”, diz trecho do levantamento de safra divulgado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no começo de junho.

Por isso, o Brasil deve aumentar a sua produção neste ano em 535,7 mil toneladas, cerca de 10,4%, para o total de 5,69 milhões de toneladas, segundo estimativa da Conab. Em relação à área plantada, está previsto um crescimento de 6,7% sobre à safra passada, por volta de 137 mil hectares a mais, para o total de 2,17 milhões de hectares.

No entanto, o trigo é um dos poucos produtos agrícolas em que o Brasil não é autossuficiente, pois depende do produto importado para suprir a demanda interna por farinha, massas, pães, mistura para bolos, entre outros. Segundo a Conab, o Brasil importará 7,3 milhões de toneladas neste ano, diferença entre o consumo e a produção interna.

Portanto, esse mercado é mais sensível à oscilação cambial. Cotada em cerca de R$ 4 em janeiro, a moeda americana chegou a R$ 5,90 em meados de maio por conta das crises econômica e política – agora, tem operado pouco abaixo dos R$ 5.

Além da matéria-prima dolarizada, outro fator que acendeu o alerta na indústria foi a diversificação no destino da produção argentina. Historicamente, o país é o principal fornecedor do Brasil. “Houve uma demanda muito forte pelo trigo argentino. Até houve preocupações se o país teria excedentes para exportar e suprir a demanda por trigo do Brasil nesta temporada. Isso também contribuiu para o aumento nos preços”, diz o analista Jonathan Staudt Pinheiro, da consultoria Safras & Mercados.

Segundo Carlos Cogo, diretor da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio, 43% da exportação argentina em 2019 teve como destino final o mercado brasileiro, com a Indonésia em segundo lugar, com 16%. No acumulado do primeiro quadrimestre, entretanto, há um contraste neste cenário: 22,3% do trigo argentino veio para o Brasil, enquanto 17,6% foi para a indonésia.

Para os próximos meses, a tendência é que o Brasil compre mais trigo fora do Mercosul, onde há uma cota de 750 mil toneladas sem a Tarifa Externa Comum (TEC). Acima dessa quantidade, a tarifa de importação é de 10%

Em abril, a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) chegou a solicitar ao governo federal que estendesse a isenção de tributos sobre o trigo importado de fora do Mercosul até o final do ano, visando a redução de custos do setor.

“O preço vai continuar alto por conta do mercado apertado na Argentina. Vamos ter mais trigo do Paraguai, Uruguai, Rússia e dos Estados Unidos. Deve ser alongado o prazo para a compra sem a TEC, para não encarecer ainda mais o produto”, afirmou o presidente da Abitrigo, o ex-embaixador Rubens Barbosa.

Indústria

No mercado varejista, produtos derivados de trigo devem ficar mais caros nas prateleiras dos supermercados. "O timing do repasse no varejo é demorado, porque usa os estoques e compra de acordo com a demanda. Mas, obviamente, se os moinhos estão com estoques baixos e fazem a aquisição de matéria-prima mais cara, isso será repassado até que chegue a nova safra", afirma o consultor Carlos Cogo.

Em seu anuário de 2020, a Abimapi (Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados) estima um crescimento entre 3% a 5% do setor ao longo deste ano por conta dos reflexos do coronavírus. Em termos de faturamento, isso varia de R$ 1,10 bilhão a R$ 1,83 bilhão, em um mercado que movimentou R$ 36,7 bilhões no último ano.

Esse dinâmica de alta foi impulsionada nos meses de fevereiro, março e abril, quando chegou a 15%. "Favorecem esse movimento a estocagem feita por famílias, com medo de desabastecimento, e a praticidade no consumo desses produtos, especialmente depois do fechamento de restaurantes pelo país", diz trecho do documento.

Dona das marcas Piraquê, Vitarella, Basilar e Adria, a M. Dias Branco é líder no segmento de massas e biscoitos, com 34% de participação de mercado. No primeiro trimestre deste ano, a empresa teve um aumento de 22,4% nas vendas, para 476,5 mil toneladas. Isso impactou diretamente nos resultados financeiros da empresa, que registrou elevação de 24,3% (R$ 319,8 milhões) na receita líquida, para R$ 1,63 bilhão, e de alta de 140,8% no lucro líquido, com crescimento de R$ 80 milhões, para o total de R$ 137 milhões.

Segundo Segundo Fábio Cefaly, diretor de novos negócios e relações com investidores da M. Dias Branco, além do aumento no consumo, o resultado do primeiro trimestre foi decorrente de uma série de mudanças na estratégia comercial da empresa, como o modelo de precificação, o agrupamento de áreas em diferentes regiões e discussão com os varejistas. Outra estratégia para o bom desempenho nos primeiros três meses do ano foi ampliar os estoques da matéria-prima na virada de 2019 – em média, a companhia conta com estoques para quatro meses.

“Fizemos compras muito acertadas, com alongamento dos estoques, trigo de qualidade muito boa e também em relação aos preços. Compramos no momento em que a cotação do trigo estava abaixo dos US$ 200, e o câmbio estava abaixo de R$ 4,95. Isso deu espaço para ter um primeiro trimestre bom em receita, mas também em termo de custos”, disse o executivo.

A empresa não revela a composição da matéria-prima por categoria de seus produtos. No conjunto, é cerca de 40% de trigo, sendo maior em farinhas e menor em biscoitos. Por conta do preço do trigo no mercado internacional, houve um reajuste de 6% nos produtos. “Neste momento, estamos avaliando a necessidade de um segundo aumento. Se fizermos, será para recompor margem”, pontua Cefaly.

Para o diretor de novos negócios da empresa, a oscilação do dólar é o principal fator para as altas recentes do trigo. “O que a gente tem visto é que o câmbio tem sido a principal variável que está influenciando nos preços. Há três semanas, estava perto dos R$ 6. Hoje, já está abaixo de R$ 5”, explicou.

Com a entrada do produto brasileiro no mercado, deve haver um alívio na pressão deste custo para a indústria. “A nossa expectativa é de ver uma diminuição do preço no segundo semestre, por conta da safra brasileira, além da safra argentina no final do ano”, finalizou o executivo.
Source: Rural

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