Skip to main content

Steve Sonka (Foto: Joana Colussi/ Editora Globo)

 

*Publicado originalmente na edição 414 de Globo Rural (abril/2020)

Análise de dados é o tempero secreto do big data, que significa um grande volume de informações geradas por uma atividade. A afirmação é de um dos pensadores mais influentes no mundo sobre esse tema aplicado na agropecuária, o pesquisador norte-americano Steve Sonka.

Consultor internacional e professor emérito de estratégia agrícola da Universidade de Illinois (EUA), Sonka alerta que é muito fácil se encantar com a dimensão e o volume de dados gerados, mas ressalta que o big data sozinho não gera valor.

saiba mais

Agro é mais blindado contra ciclos econômicos, mas tem desafios, diz consultora

 

Em entrevista à Globo Rural, o estudioso, que nos anos 1980 criou o primeiro programa de computador dedicado ao uso nas fazendas, falou sobre os desafios e as barreiras que ainda cercam a adoção de tecnologias digitais na agricultura. Sonka vê oportunidades para o avanço do big data no agronegócio, em especial nos países em desenvolvimento.

Globo Rural – Você costuma afirmar que big data é mais do que números. O que significa?
Steve Sonka – O big data geralmente é referido como algo singular, mas não é. Big data é a capacidade de extrair informações e criar insights em um ambiente onde anteriormente não era possível. Os avanços tecnológicos estão alimentando essa crescente capacidade, que envolve computação, armazenamento, comunicação e detecção. É fácil se encantar com a dimensão e volume do big data. No entanto, apenas gerar muitos dados não é o suficiente. Dois fatores são importantes: variedade e análise. Variedade é uma dimensão por vezes ignorada. Na agricultura de dados, a realidade do “que são dados” é amplamente expandida. Essa expansão é alimentada por uma vasta gama de sensores, de telefones celulares a smartwatches (relógios inteligentes). Na agricultura, isso significa capturar digitalmente o desempenho em tempo real de culturas nas lavouras e de animais na pastagem. A análise dos dados é o tempero secreto do big data. Sem a análise, apenas com muitos números, não é possível criar valor.

GR – Quais as principais implicações do uso de dados na agricultura?
Sonka – Vemos muitos avanços para melhorar a eficiência e aumentar a eficácia. Os ganhos de eficiência são mais visíveis. Por exemplo, o GPS e o piloto automático permitem ao agricultor evitar a sobreposição na lavoura, reduzindo o consumo de combustível. Já em termos de eficácia não estamos tão avançados, especialmente em relação à perspectiva da cadeia alimentar. Nesse cenário, os dados combinados com avanços na coordenação de negócios podem reduzir o desperdício em todo o sistema.

GR – O uso de dados na tomada de decisão varia entre produtores. O que explica essa diferença?
Sonka – Quando o big data é incorporado a máquinas (por meio de sensores e controle automatizado) vemos uma adoção bastante uniforme. No entanto, como em toda a sociedade, alguns agricultores tendem a confiar na intuição, enquanto outros são mais analíticos. Acredito que tanto a intuição quanto a análise contribuem para uma tomada de decisão eficaz. Precisamos desafiar os desenvolvedores de tecnologia agrícola a fornecer informações em formatos que possam falar com as duas formas de tomada de decisão.

GR – O custo e a mão de obra qualificada são barreiras?
Sonka – Embora custo e mão de obra sejam fatores importantes a serem considerados, não são barreiras intransponíveis. Em tempos de baixas margens de lucro, a ausência de mecanismos para os produtores compararem os retornos financeiros do uso de tecnologias digitais é uma barreira mais significativa. Muitos agricultores têm milhares de dólares investidos em tecnologia digital. Embora acreditem que isso seja bom para o negócio, faltam ferramentas para quantificar o real valor econômico.

A inovação nas tecnologias digitais é um ‘esporte global’. Portanto, não devemos nos concentrar apenas em EUA, Brasil e China

 

GR – Na década de 1980, quando você criou o Computers in Farming, já se previa que chegaríamos à era da inteligência artificial?
Sonka – A inteligência artificial era um campo de estudo ativo nos anos 1980. No entanto, a abordagem usada na época era estudar especialistas e tentar replicar as decisões que eles tomavam. O grande aumento no poder computacional e nas análises desde então permitiu que hoje a inteligência artificial explore os próprios dados para determinar as regras que serão incorporadas. Na agricultura atual, um dos principais desafios é determinar os melhores meios de combinar essas regras baseadas em dados com o conhecimento científico relacionado à produção agrícola.

GR – Como os investimentos em pesquisa podem ajudar?
Sonka – Ao longo de grande parte da história, os agricultores tomaram decisões baseadas apenas na observação e na lembrança. Há cerca de 100 anos, métodos científicos foram introduzidos, trazendo recomendações para melhorar a eficiência da produção. Agora, as tecnologias digitais estão mudando esse paradigma, permitindo que sejam coletadas evidências específicas. Os investimentos do setor público em pesquisas têm o potencial de gerar ganhos substanciais, especialmente nos países em desenvolvimento. Além disso, embora a eficiência da produção seja uma meta importante, a agenda de pesquisas futuras deve incorporar contextos ambientais e sociais.

GR – É possível prever em quanto tempo o big data e a inteligência artificial serão difundidos?
Sonka – Esses termos já são amplamente mencionados no agronegócio. No entanto, seu uso não é preciso, o que contribui para a falta de entendimento comum. Pode levar uma década para que isso ocorra por completo.

GR – Como Brasil, China e Estados Unidos podem ser protagonistas nesse processo?
Sonka – Devido ao tamanho das empresas agrícolas nesses países, a aplicação de tecnologias digitais é extremamente importante. Nos próximos anos, poderemos analisar a adoção nos três países como os experimentos da vida real. Embora as tecnologias empregadas sejam similares, os contextos empresarial e social são muito diferentes. Essas diferenças terão um impacto considerável no tocante aos ganhos proporcionados pelo uso da tecnologia. No entanto, devemos lembrar que a inovação nas tecnologias digitais é um “esporte” global. Portanto, não devemos nos concentrar apenas nesses três grandes players para antecipar ameaças e oportunidades.

 

É muito importante que dediquemos mais atenção à inovação em tecnologia no contexto da agricultura nos países em desenvolvimento

 

GR – A percepção de valor do uso de dados é um desafio a desenvolvedores?
Sonka – Há muitos anos, Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos, criou o termo “exuberância irracional”. Por vezes, esse termo se aplica às agtechs. Os desenvolvedores contam os milhões de hectares de soja nos EUA e no Brasil, afirmando que suas tecnologias podem ganhar alguns dólares em cada hectare e que o retorno econômico será alto. Muitas vezes, esse número é mais uma exuberância irracional do que um valor para o planejamento de negócios. Essa exuberância é uma característica do desenvolvimento tecnológico em geral, não apenas na agricultura. No entanto, as realidades físicas e comerciais dos sistemas agrícola e alimentar afetam a adoção de ferramentas digitais. O marketing bem-sucedido de uma nova tecnologia é um processo bem diferente da introdução de um sensor aprimorado para monitorar a produção de soja, por exemplo.

GR – Quais oportunidades que podem ser mais exploradas?
Sonka – É muito importante que dediquemos mais atenção à inovação em tecnologia no contexto da agricultura nos países em desenvolvimento. As melhorias de produtividade são urgentemente necessárias, e uma melhor coordenação da cadeia de suprimentos pode reduzir substancialmente as perdas desnecessárias. Como as práticas e sistemas são fracos, às vezes as inovações digitais florescem primeiro nos países em desenvolvimento. Por exemplo, o caso do M-Pesa, sistema monetário móvel do Quênia que, em vez de apenas acompanhar, liderou o crescimento do banco digital no mundo.
Source: Rural

Leave a Reply