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O Agro é Delas – Nayara Scheffer (à esq.) e, na sequência, Kleidimara Pessoa, Letícia Scheffer e Aline Bortoli: quatro herdeiras de 32 fazendas e mais de 500 mil hectares (Foto: Fernando Martinho)

 

Herdeiras do maior conglomerado agropecuário do mundo, o Grupo Bom Futuro (GBF), sediado em Mato Grosso, as primas Aline Bortoli e Kleidimara Pessoa, ambas com 34 anos, Nayara Modolon Scheffer, de 30 anos, e Letícia Scheffer, de 24, representam o novo rosto do agronegócio brasileiro.

Essas quatro mulheres querem mostrar que, além da produtividade da lavoura e dos números que movimentam a economia do país, o posicionamento feminino nos negócios do campo pode mudar os rumos do setor. “Você tem duas alternativas: assumir a posição de filha ou colocar a mão na massa e fazer acontecer. Queremos garantir o futuro”, afirma a publicitária Aline, mãe de três meninos.

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As mulheres da família Maggi Scheffer estão escrevendo um novo capítulo da história do agronegócio e imprimindo nele, na prática, os preceitos da equidade de gênero, um termo que se refere ao tratamento justo para todas as pessoas, independentemente do gênero ou ramo de atividade em que atuam.

“Não é igualdade: o homem tem a força física, que permite que ele faça um trabalho pesado, a mulher tem a capacidade de enxergar nas entrelinhas”, diz Kleidimara, administradora de empresas, mãe de duas meninas. “E tudo bem se for ao contrário. Somos pessoas com habilidades diferentes.”

Aline, Kleidimara, Nayara e Letícia comandam o Instituto Farmun, uma organização criada por elas há cerca de um ano com o objetivo de elvar informações reais sobre o setor de agronegócios a alunos das rede pública de ensino em Mato Grosso. Há alguns anos, também partiu delas a iniciativa do projeto Sementes do Futuro, que oferece educação, cultura e lazer aos funcionários do grupo, um total de 7 mil colaboradores, e às cidades no entorno das 32 fazendas que possuem. “Sabemos como é passar a infância numa fazenda”, conta a advogada Nayara. “Quando criança, eu só pensava: vou crescer e fugir para a cidade grande”, ri.

Não queremos que a nova geração se afaste do campo. Nós podemos levar educação, cultura e lazer à fazenda

Nayara Scheffer

Nayara Scheffer (Foto: Fernando Martinho)

 

A caçula da turma, Letícia, formada em administração de empresas, complementa o pensamento da prima, demonstrando também a preocupação com o futuro. “Não queremos que as novas gerações pensem assim ou que as famílias se afastem do campo, migrem para as cidades porque os filhos precisam estudar”, afirma.

“As estatísticas mostram que as mulheres têm dificuldades em voltar para o mercado de trabalho após a maternidade, pois não têm onde deixar seus filhos ou porque não há flexilidade de horário nas empresas, por exemplo. Nós temos a possibilidade de levar educação, cultura e lazer até as fazendas.”

O objetivo das herdeiras do GBF é criar uma estrutura para que as futuras gerações permaneçam atuando no setor do agronegócio e construam um futuro mais próspero, sem precisar migrar para a cidade.

“Os nossos pais vieram para a região para desenvolver a agricultura no Cerrado. Os tempos eram outros, o foco deles era outro. Nós, da segunda geração, tivemos a oportunidade de nos preparar e podemos acrescentar aos negócios”, afirma Aline.

“Investir em pessoas é a única garantia de que teremos um futuro melhor. Os empresários rurais têm a obrigação de cultivar as pessoas, principalmente as mulheres, que são as formadoras de opinião nas famílias, e os jovens, que são, literalmente, o futuro.”

Intercâmbio

As primas Maggi Scheffer se reúnem todas as segundas-feiras na sede do GBF, em Cuiabá (MT), para uma reunião do “conselho de família”. Cada uma representa um galho do grupo, formado por quatro núcleos familiares, e é nessa ocasião que falam sobre negócios, investimentos (todas têm empreendimentos particulares, em sua maioria propriedades rurais), novos projetos e o que fazer para irem além dos números e planilhas.

“A gente tem uma ideia, vai juntando com as iniciativas da outra, e por aí vai. Foi assim que surgiu o projeto Sementes do Futuro, iniciativa educacional voltada ao meio ambiente, o projeto Separô, de reciclagem, que reverte fundos para os funcionários, e o Instituto Farmun”, conta Letícia.

“Um dia, o diretor comercial do grupo chegou e disse que não poderíamos mais parar de investir em pessoas porque as nossas ações estavam refletindo nos resultados das vendas e na imagem do grupo de uma forma muito positiva”, conta Nayara.

Há quase dois anos, elas instituíram nas escolas das fazendas (das 32 propriedades, 26 têm escolas infantis com grade extracurricular) o ensino bilíngue, em português e inglês, e aulas de artes, com foco em teatro. “Queremos que as crianças e os jovens sejam nossos funcionários no futuro, com acesso à melhor educação e  conhecimento e que possam se divertir”, afirma Kleidimara.

O empresário rural tem a obrigação de cultivar pessoas, principalmente a mulher, que é a formadora de opinião

Aline Bortoli

 Aline Bortoli (Foto: Fernando Martinho)

 

No final do ano passado, por meio de uma parceria entre o Instituto Farmun (nome que nasceu da junção das palavras farm, que significa fazenda em inglês, e mundo, em português) e a rede pública de educação e tecnologia de Mato Grosso, foi possível realizar o primeiro concurso para viabilizar bolsas de estudos no exterior.

Ainda neste ano, um estudante mato-grossense embarcará para um intercâmbio. O jovem de 16 anos vai estudar em Iowa, o Mato Grosso dos  Estados Unidos. “Nós somos a geração que tem o poder de mostrar o que realmente acontece na fazenda, numa empresa: não somos números, somos pessoas construindo o país”, ressalta Letícia.

A primeira geração da família Scheffer é conhecida no Brasil. Os irmãos Eraí, Elusmar, Fernando e Marina, com o marido Zeca, engrossam a lista de agricultores sulistas que migraram para o Centro-Oeste nos anos 1970 e transformaram Mato Grosso numa potência  agrícola mundial. 

Hoje, comandam um império com 530 mil hectares cultivados com grãos, um rebanho de 130 mil cabeças de gado, um criatório de peixes amazônicos com 250 hectares e negócios diversos nas áreas de fibras, sementes, energia hidrelétrica, aviação e imóveis.

Infância na fazenda

As meninas tiveram uma infância típica de fazenda. Cresceram disputando com irmãos e primos o sucesso nas tarefas do dia a dia e a sua vez de pilotar um trator ou uma colheitadeira. “Nunca teve esse negócio de menina isso e menino aquilo”,diz Nayara. “Era todo mundo igual.”

Elas lembram com orgulho que o pilar da família, a avó Luzia, sempre pregou que não havia diferença entre eles e elas. Luzia morreu há dois anos e deixou o seu legado. Dos 13 herdeiros, nove são mulheres.

Algumas ocupam cargos de chefia em setores operacionais, posições que em muitas fazendas são exclusivas dos homens. “Tem prima que sobe na máquina, toca o rebanho, lida com frente de trabalho, roda esse Mato Grosso inteiro”, conta Kleidimara. “E tem primos que estão aqui conosco comandando o negócio no escritório, tocando e criando outros empreendimentos que agregam valor ao grupo”, complementa Letícia.

Aline e Kleidimara nasceram com dois dias de diferença e, além dos negócios em família, são produtoras rurais independentes. “Fui buscar conhecimento em piscicultura porque precisava fazer alguma coisa diferente”, diz Aline.

Já Kleidimara toca uma fazenda, de menor porte, sozinha. “Aprendi a lidar com os problemas de qualquer produtor rural pequeno”, afirma. Seus passos são seguidos por Nayara, que, junto com a irmã, está colhendo a segunda safra de grãos, e Letícia, que tem três irmãs. “Hoje, o pessoal da região já acostumou, mas, no começo, estranhava aquele monte de mulher tocando a lavoura”, lembra.

O pessoal da região estranhava quando via aquele monte de mulher tocando a lavoura

Letícia Scheffer

Letícia Scheffer (Foto: Fernando Martinho)

 

Agronomia

A presença de mulheres nas empresas do agronegócio vem aumentando no Brasil e, segundo especialistas em recrutamento no setor, o país é um dos que mais contratam mulheres, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos e na Europa.

“O cenário está mudando nos últimos anos. As áreas de suporte das empresas estão absorvendo mais mulheres, porque os cargos atuais exigem formações mais diversificadas”, explica a consultora em executive search da Weplace, a engenheira agrônoma Sílvia Carvalho.

“A mentalidade das lideranças também mudou, e há um comprometimento maior das organizações em implementar políticas corporativas de equidade de gênero”, diz. O problema maior, segundo ela, esbarra na formação acadêmica dos profissionais. “As empresas do agronegócio no Brasil ainda contratam mais homens porque eles são a maioria com formação em agronomia.”

De acordo com Sílvia, o número de agrônomas está crescendo no país, mas a disparidade nas universidades ainda é grande. Na Escola Superior Luiz de Queiroz, em Piracicaba (SP), houve um aumento de ingressantes  mulheres, mas o número de matriculadas em agronomia foi o que teve o menor crescimento.

A participação passou de 30%, em 2002, para 36%, em 2019. Em engenharia florestal, em 2002, as mulheres representavam 28% da matrículas e, no ano passado, 66%.

Com a minha fazenda, aprendi a lidar com os problemas de qualquer produtor rural pequeno

Kleidimara Pessoa

Kleidimara Pessoa (Foto: Fernando Martinho)

 

O último censo agropecuário, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2017, também apontou mudanças no campo. O levantamento diz que 1.714.416 mulheres se autodeclararam chefes de um empreendimento rural; 946 mil delas, a principal gestora; e 817 mil, cogestoras.

Em 11 anos, a proporção das chefes de fazenda subiu de 12,6%, em 2006, para 18,6%, em 2017. Segundo o IBGE, elas são produtoras, gerentes e responsáveis diretas pelas principais atividades nas fazendas. “Os players agrícolas estão sendo liderados por mulheres, e isso está mudando o cenário no campo e terá um papel importante no futuro”, diz a consultora. “A empregabilidade para a mulher nas fronteiras agrícolas será maior”, afirma Sílvia.

Assim como em Mato Grosso, onde as herdeiras do GBF estão transformando o setor, o Brasil tem expoentes femininas em toda a cadeia produtiva, dentro e fora da porteira, na ciência, na política e no mundo corporativo.

Acesse o a seção Agro É Delas, no site da Globo Rural e confira essas e outras histórias de mulheres do agronegócio brasileiro.
Source: Rural

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