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Celso Moretti, presidente da Embrapa (Foto: Wenderson Araujo)

 

 

"No mundo privado, a palavra mudança é a tônica e, para nós do setor público, mudança causa arrepio.” Com essa frase, o novo presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Celso Moretti, diz a que veio: propor mudanças na estatal.

Agrônomo e doutor pela Universidade de Viçosa, ele assumiu o compromisso de chefiar a Embrapa em janeiro deste ano. Entre suas incumbências está o corte de funcionários, além de estreitar laços internacionais e administrar R$ 3,7 bilhões.

Para 2020, há apostas estratégicas: edição genômica, agricultura digital, sistemas integrados, microbiomas e alimentos à base de proteína vegetal. Para tudo isso, ele conta com a iniciativa privada.

 

Globo Rural – Afinal, qual o orçamento da Embrapa para 2020?
Celso Moretti – Nós tivemos a aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA), em que os recursos destinados à Embrapa foram praticamente da mesma ordem de 2019, o que é algo em torno de R$ 3,7 bilhões. Nós assinamos, por ano, algo em torno de 200 a 250 contratos de parceria com empresas de todos os tamanhos, desde uma pequena companhia de sementes até uma das maiores  do mundo. Temos um portfólio grande de projetos com o setor privado, o que também nos garante recursos.

GR – Dos R$ 3,7 bilhões, quanto é destinado à pesquisa?
Moretti – É difícil a gente precisar o valor exato da pesquisa. Eu considero que os R$ 3,7 bilhões que são colocados anualmente na Embrapa são para financiar a pesquisa. Se eu falar ‘nós vamos aplicar mais ou menos entre R$ 200 milhões e R$ 250 milhões por ano’, não dá 10% do orçamento, isso é porque não estou considerando o salário dos pesquisadores, dos analistas, dos técnicos, dos assistentes… Então, na verdade, não é o número verdadeiro. Eu acho que estou sendo mais justo com todos aqueles que contribuem quando falo que estamos aplicando por ano os R$ 3,7 bilhões.

GR – E quanto dos recursos virá via títulos do Tesouro?
Moretti – Em função da regra de ouro do Orçamento, você só pode comprometer até um determinado percentual do seu orçamento com pagamento de pessoal e outras obrigações. O governo federal não poderia colocar o recurso que estava portando acima de um determinado limite, então 55% vêm do Tesouro e os outros 45% vêm da emissão de títulos. Tudo é orçamento federal. É só uma forma diferente de aportar recursos. Nós vamos trabalhar para que cada vez mais o setor privado possa contribuir com recursos. E tem várias ideias. Os americanos fazem muito isso com os chamados checkoffs, em que uma pequena percentagem de uma saca de soja vai para um fundo, gerido pelos produtores, geralmente com a participação de alguém da pesquisa e alguém da universidade. Os produtores de soja de Illinois, no norte dos Estados Unidos, têm a Illinois Soybeans Association (ISA). E, aqui no Brasil, a gente precisa pensar mais nesse modelo.

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GR – No Brasil existe algum modelo semelhante a esse?
Moretti – Nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, tem um fundo chamado Funcema (Fundo Nacional de Controle da Vespa-da-Madeira). São 100 empresas que trabalham com eucalipto e pínus e colocam uma percentagem da produção delas por hectare num fundo. O Brasil, ano passado, produziu 34 bilhões de litros de leite. Imagina fazer uma desoneração de 1 centavo por litro de leite; são R$ 340 milhões. Se um centavo é muito, então um terço de centavo, e a gente teria R$ 110 milhões. Com isso, a gente financia quatro ou cinco anos de pesquisa para a cadeia produtiva do leite. A gente resolve o problema de mastite, brucelose, tuberculose, quem sabe até o carrapato. Desse recurso, não vem um centavo para a Embrapa. O que a gente está propondo é que esse fundo seja criado e gerido pelos próprios produtores, com a participação de um pesquisador da Embrapa e um da universidade, e eles lancem editais uma vez ou duas vezes por ano para resolver problemas. Eu conversei sobre isso com a ministra (Tereza Cristina, da Agricultura), ela achou uma ideia interessante, e a gente precisa avançar.

GR – Do orçamento da Embrapa, 85% são destinados aos salários. Isso se mantém?
Moretti – Esse valor era próximo dos 85% antes de começarmos o Programa de Demissão Incentivada (PDI). Nós desligaremos 1.300 pessoas aproximadamente até junho. Temos autorização do Ministério da Economia para repor até 75% do quadro de pessoas que sairão. Então, no segundo semestre, a gente vai ter um número mais real em relação aos que saírem e quanto aqueles que ficaram estão impactando na folha de pagamento da Embrapa.

GR – Essa reposição prevista está garantida?
Moretti – Nós temos a autorização (para realizar concurso), mas isso não quer dizer que faremos este ano, provavelmente não. Isso será negociado, primeiramente, com o Ministério da Agricultura e, depois, com o Ministério da Economia.

GR – E quanto à política de remuneração?
Moretti – Nosso plano de carreiras da Embrapa teve melhorias significativas ao longo dos tempos. Existe uma competição na busca por bons cérebros. Então, em vários momentos, nossos pesquisadores são assediados para sair da Embrapa e ir para o setor privado ou para fora do país. Eu acho que hoje os profissionais da Embrapa são bem pagos, é um salário digno, competitivo, e o que a gente tem feito é cobrá-los para fazer jus ao pagamento que recebem e fixá-los no país.

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GR – Até onde a Embrapa vai sozinha e em qual momento começa o trabalho das instituições privadas?
Moretti – Na década de 1990, quando a gente não tinha a Lei de Proteção de Cultivares e a Lei de Propriedade Intelectual, as grandes empresas multinacionais que trabalham mundo afora com genética não faziam grandes apostas no mercado brasileiro porque não tinham segurança de que aqueles investimentos teriam retorno. Aí, na década de 1990, com as leis, o capital privado se sentiu mais seguro de fazer investimentos mais pesados, e a Embrapa foi saindo e passando a quem de direito. Na minha visão, não cabe ao Estado produzir semente, empacotar, colocar num saquinho e depois na gôndola do mercado. O setor privado é que realmente deve, inclusive arriscar, gerar renda, gerar emprego e pagar impostos, que depois são reinvestidos na pesquisa. O papel do Estado é fazer pesquisa, gerar conhecimento, estabelecer parcerias com o setor privado e, na hora em que o setor privado assumir algo para tocar em frente, vamos cuidar de outra coisa.

GR – Trabalhar com empresas privadas não significa privatizar, correto?
Moretti – De forma alguma. Tenho convicção de que a empresa não deva ser privatizada, mas isso não impede que atuemos de forma agressiva no mercado, nas parcerias, na captação de recursos, na monetização de nossos ativos e na captura de valor.

GR – Quais são as apostas da Embrapa para 2020?
Moretti – Nós estamos fazendo quatro ou cinco apostas para 2020. A primeira é edição genômica, ver como essas tesouras genéticas vão nos ajudar a obter produtos melhores, mais competitivos, eficientes e resistentes a pragas e doenças. A segunda é a questão da agricultura digital. Eu vejo que os sistemas integrados vão continuar tendo um papel importante, de intensificação sustentável, como a ILPF. Outro assunto são os microbiomas e os alimentos à base de proteína vegetal, isso é algo que ainda vai fazer um barulho enorme até 2030. Hoje, nós já temos uma parceria com uma empresa de Niterói, que está fazendo hambúrguer à base de fibra de caju. O Brasil produz 60 mil toneladas de fibra de caju por ano. A biologia de precisão, a fermentação de precisão, isso em cinco anos vai ter avançado drasticamente e vai ser extremamente disruptivo.

GR – Como você enxerga esse mercado de proteína vegetal?
Moretti – Existe uma demanda do consumidor, mas, como  ele é muito ocupado, às vezes não tem tempo de pensar o que quer. Então você tem de ir lá e oferecer. Obviamente, a gente atende à demanda, mas tem outras vezes que a gente trabalha na fronteira do conhecimento, e vai colocar a tecnologia à disposição. Por isso a importância de ter pessoas pensando o futuro, imaginando o que pode vir.
Source: Rural

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