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Estouro da barragem da Vale em Brumadinho atingiu propriedades rurais (Foto: Lalo de Almeida / Ed.Globo)

 

Antônio Francisco de Assis Nunes conta que ainda não conseguiu voltar a produzir hortaliças, um ano depois do rimpimento da barragem de Brumadinho (MG). Seo Tonico, como é conhecido, é um dos agricultores que tiveram suas propriedades atingidas pela lama  da mina do Córrego do Feijão, da Vale. “Ficamos sem cabeça nem condições de continuar fazendo alguma coisa. As coisas estão cada vez mais difíceis, ficamos sem a terra que a gente produzia”, lamenta o agricultor.

Os rejeitos da barragem cobriram grande parte de plantações do produtor e atingiram equipamentos para beneficiar as hortaliças, que carregavam dois caminhões por dia. A parte da lavoura que não foi alvo da lama perdeu-se pela impossibilidade de irrigar. Outras nove famílias tiravam o sustento da área, trabalhando em parceria com ele.

Passado um ano, o agricultor admite que conseguir outra propriedade nas mesmas condições é difícil. Mas espera por uma solução. “Estamos na expectativa de que vai acontecer. Estamos tentando, mas, até hoje, não conseguimos retomar a atividade ainda, não”, diz ele.

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O presidente da Federação dos Trabalhadores da Agricultura de Minas Gerais (Fetaemg), Vilson Luiz da Silva, ressalta a urgência de uma solução para os pequenos produtores da região. Destaca que, quem não teve a propriedade atingida pela lama, foi prejudicado pela falta de água para irrigar e pela desconfiança: sabendo que o produto era de plantação próxima do rio Paraopeba, contaminado pela lama, o mercado deixou de comprar.

“Os agricultores familiares estão a ver navios até hoje”, protesta. “O auxílio emergencial resolve o momento, mas queremos que eles sejam reassentados em um lugar com condições de ter água, energia elétrica, infraestrutura básica para produzir. A Vale continua tendo lucro. Por que não resolve isso rápido?”, questiona Vilson, criticando também a atuação do Estado.

O rompimento da barragem 1 da Mina do Córrego do Feijão causou 270 mortes. Ainda há 11 desaparecidos. Nesta semana em que se completa um ano da tragédia, o Ministério Público de Minas Gerais apresentou denúncia por homicídio duplamente qualificado contra representantes da Vale e da Tuv Sud, empresa que certificou a barragem que se rompeu.

A lembrança do primeiro ano da tragédia também será marcada por ações de protesto. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), organizou uma marcha cobrando a punição dos responsáveis e o atendimento aos atingidos pela tragédia. Neste sábado (25/1), a Arquidiocese de Belo Horizonte, ligada à Igreja Católica, prevê a realização de atos e celebrações religiosas em memória das vítimas.

"Prestação de contas"

De seu lado, a Vale afirma que vem adotando as ações necessárias e divulgando relatórios de “prestação de contas”, mencionando ações sociais, ambientais e acordos de indenização. Questionada por Globo Rural sobre as medidas voltadas para os agricultores, a empresa informa, em nota, que uma equipe técnica tem dado assistência em Brumadinho e outros 15 municípios da Bacia do Paraopeba.

“Provê água potável para fins de consumo humano, irrigação e dessedentação animal. A Vale também fornece ração, cercas e bebedouros para evitar o contato dos animais com o rio Paraopeba. A entrega é feita por meio de fardos de água mineral e caminhões-pipa. Mais de 570 milhões de litros de água já foram fornecidos para propriedades rurais até 21 de janeiro de 2020”, diz a nota.

O comunicado da mineradora acrescenta que foram feitas doações emergenciais de R$ 15 mil para produtores com atividade produtiva em áreas atingidas e de R$ 50 mil para agricultores impactados. Foram fechados com agricultores 60 acordos de indenização e outros 68 estão em andamento.

A Vale marcou a divulgação do balanço do quarto trimestre e de todo o ano de 2019 para 20 de fevereiro. No terceiro trimestre do ano passado, a empresa lucrou  R$ 6,5 bilhões, com faturamento de R$ 40,7 bilhões. Nos nove primeiros meses, no entanto, acumulou prejuízo de R$ 264 milhões, desempenho vinculado às despesas relacionadas à tragédia de Brumadinho, de R$ 24,1 bilhões.

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Subsecretário de Política e Economia Agropecuária da Secretaria da Agricultura de Minas Gerais, João Ricardo Albanez, explica que o Estado montou um comitê para coordenar as ações relacionadas a Brumadinho. O objetivo é formar canais de comunicação com representantes da Vale, Ministério Público e Defensoria Pública, que também acompanham os desdobramentos da tragédia.

Albanez relata que, em um primeiro momento, foi feita uma avaliação emergencial da situação das áreas rurais, considerando condições de estradas, acesso à energia elétrica e alimentação e água para os animais. E, segundo ele, foram estabelecidos ainda protocolos de vacinação de animais resgatados do lamaçal, levados para duas fazendas onde receberam tratamento.

O subsecretário informa também que, entre projetos em andamento para recuperar a atividade agropecuária da região, está o que chama de zoneamento ambiental e produtivo. Segundo ele, esse trabalho pretende analisar desde as condições das áreas das propriedades até mesmo acesso à internet nesses locais.

“Vai permitir uma análise da ocupação do solo, preservação de nascentes, uso do solo, onde poderiam ser desenvolvidas algumas culturas, recuperação de pastagens degradadas”, afirma ele.

Ainda de acordo com Albanez, o governo estadual ainda aguarda resultados de análises de amostras de pescado da região da Bacia do Paraopeba para monitorar se há contaminação por metais pesados. Trabalho semelhante foi feito na pecuária leiteira.

“Estamos tabulando todos os resultados. Estamos esperando a consolidação para não haver nenhuma manifestação sem ter todas as informações. Estamos na fase final e dentro de 60 dias devemos apresentar algum resultado”, diz o subsecretário.

Antonio Francisco de Assis Nunes, o Seo Tonico, em área que antes era plantação e foi invadida pela lama. Agricultor perdeu toda a produção de hortaliças na tragédia (Foto: Lalo de Almeida/Ed.Globo)

 

Assistência técnica

O produtor rural Celso Correia diz que a desconfiança em relação à sanidade dos produtos agrícolas da região prejudicou seus negócios. Ele relata que, diante da tragédia, quem comprava a mercadoria dele, passou a rejeitá-la. Cebola, couve e espinafre deixaram de ir para o mercado e ele deixou de faturar.

“Tive que vender uma caminhonete para pagar as contas”, diz o agricultor, de 46 anos. Celso conta que planta hortaliças e milho. E que alguma coisa já conseguiu voltar a vender. “Mas ainda é pouco. A área que estou plantando é menor. Não adianta plantar muito para perder”, lamenta.

Foi avaliando casos como o dele que o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), iniciou neste mês uma iniciativa para promover assistência técnica a agricultores da região. Lançado ainda em meados de 2019, o projeto, chamado de Superação Brumadinho, tem a intenção de orientar agricultores com áreas em condições de retomar a produção.

“São produtores que têm interesse em continuar. Teve produtor que perdeu 90% da produção. Mas tem terra com condições de continuar produzindo”, diz Luana Frossard, coordenadora nacional do projeto.

De acordo com o Senar, a iniciativa inclui a Federação de Agricultura e Pecuária de Minas Gerais (Faemg) e o Ministério da Cidadania. Desde o lançamento, foram feitos estudos da situação das famílias e a capacitação dos técnicos para agora iniciar o trabalho de campo. A assistência, gratuita, será feita durante dois anos, com visitas bimestrais aos participantes.

“Vamos auxiliar a recuperar a padronização do produto, a regularidade da oferta e aumentar a produtividade para ter escala”, afirma Luana.

Luana Frossard, coordenadora nacional do programa de apoio aos agricultores de Brumadinho, lançado pelo Senar (Foto: Divulgação/Senar)

 
Source: Rural

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