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Thais Zylbersztajn Fontes, gerente de sustentabilidade do Rabobank (Foto: Rogério Albuquerque/Ed. Globo)

 

*publicada originalmente na edição 411 de Globo Rural (janeiro/2020)

Globo Rural  Como é uma fazenda sustentável?
Thais Fontes   Quando a gente fala de sustentabilidade, é importante lembrar o tripé do agronegócio: ser socialmente justo, ambientalmente correto e economicamente viável. É preciso produzir com o menor impacto possível ao meio ambiente, gerar emprego, renda e ter retorno financeiro, senão o processo não é sustentável. A gente costuma brincar que o produtor que está no vermelho não pensa no verde. Então ele precisa ter todos os elos caminhando em conjunto para ter uma fazenda sustentável.

GR  As mudanças climáticas geram a preocupação com a sustentabilidade ou é uma questão de o consumidor estar mais consciente?
Thais  Quando a gente fala em mudanças climáticas, o produtor rural é um dos mais impactados, como uma chuva fora de época que pode quebrar toda a produção. Onde se produz soja, se a temperatura aumentar 2 ºC, ele vai conseguir produzir da mesma forma? Algumas regiões produtoras de determinadas commodities podem deixar de ser em um futuro próximo. Quando a gente fala do consumidor, as mudanças climáticas passam a fazer parte do vocabulário das pessoas, que passam a querer tomar ações e fazer escolhas, como saber de onde vem o alimento, quem é o produtor e como se produz. Essas são informações que a tecnologia vai trazer, como a rastreabilidade que é possível pelo uso do QR Code. O consumidor tem um papel importante, porque no final das contas é quem decide se vai ou não consumir.

GR  O Rabobank tem atrelado metas de sustentabilidade para liberar financiamento a grandes grupos. Isso é uma tendência global?
Thais  Sim. Cada vez mais a gente vê empresas assumindo compromissos que envolvem governo, acionistas e até mesmo a comunidade, o consumidor. O Rabobank tem o AGRI3, um fundo desenvolvimento junto à Organização das Nações Unidas (ONU) que visa destinar US$ 1 bilhão para o desenvolvimento sustentável. Essas empresas, ao assumir compromissos de sustentabilidade, são parceiras das instituições financeiras para o atingimento das metas. 

 

GR  Isso é uma forma de multiplicar as práticas sustentáveis no campo?
Thais  Sim, mas não só no caso dos grandes grupos. De pequenos produtores também. Hoje, o Rabobank tem uma avaliação socioambiental de todos os produtores rurais da carteira de clientes. Eles recebem uma nota, que é um dos componentes do cálculo da taxa de juros. Quanto melhor for a avaliação socioambiental, menor será a taxa de juros.

GR  O que é um produtor com uma nota elevada de sustentabilidade?
Thais  Ele precisa estar de acordo com as legislações ambiental e trabalhista. Elas têm detalhes, então encontrar um produtor que esteja 100% de acordo é muito difícil. A gente tem uma política de responsabilidade socioambiental que traz 16 critérios que são considerados pelo banco como critérios de exclusão. Eu não posso operar com clientes identificados num desse critério. Por exemplo, a falta de um registro em carteira de um funcionário é um fator importantíssimo. O Rabobank elaborou um manual de boas práticas que traduz a legislação ambiental e trabalhista para uma linguagem mais simplificada. Ele não esgota todas as legislações, mas traz os requisitos mais importantes das legislações ambiental e trabalhista.

GR  O pagamento por serviço ambiental seria uma ferramenta importante de estímulo a melhores práticas?
Thais  O pagamento por serviço ambiental é uma forma de você motivar o produtor a cumprir e implementar ações de impacto ambiental. Se ele faz uma ação que traz um benefício, como é o caso de uma boa prática como a redução de carbono, isso vai impactar no clima e em quem mora na cidade. Então, por que não receber por isso? A gente tem o caso de Extrema (MG), em que os produtores são pagos por cuidar das cabeceiras dos rios, e isso transforma a região num exemplo de produção de água, que vai para outros municípios. É um exemplo de como o pagamento por serviço ambiental pode dar certo.

 

GR  Qual a maior dificuldade do produtor na questão da sustentabilidade?
Thais  Eu acho que é o conhecimento. Quando a gente fala de uma transição para a sustentabilidade, o produtor precisa entender o que  ele vai ganhar com isso. Para uma fazenda se tornar sustentável, ela depende exclusivamente de o produtor querer. Se ele não quiser, ela nunca vai ser sustentável. Uma vez o produtor entendendo os benefícios que vai ter, pode tomar a decisão de transformar a propriedade e querer ser um modelo de fazenda sustentável. Alguns fatores são fáceis de mensurar. Por exemplo, se eu transformei o pasto degradado em produtivo e ganhei eficiência em número de cabeças por hectare. Agora, quando o produtor faz uma recuperação de uma cabeceira de rio, vai impactar no recurso hídrico, mas não vai conseguir perceber de um dia para o outro.

GR  E o produtor que já se considera sustentável, como identificar se há melhorias a serem feitas?
Thais  Primeiro, é preciso  identificar como está o atendimento às legislações ambiental e trabalhista. Segundo, se faz a mensuração e controla o uso dos insumos. Não basta ter a reserva legal preservada, mas quanto está usando de defensivo, de fertilizante, quanto se usa de recursos hídricos. E com esses fatores uma vez mensurados, o produtor consegue tomar uma ação para reduzi-los. É difícil falar hoje “sou sustentável e não tenho mais o que fazer”.

GR  É possível fazer esse diagnóstico sozinho ou ele precisa de apoio?
Thais  Para levar essa informação ao produtor, são necessárias duas etapas. A primeira é que, para fazer essa transformação, ele precisa receber essas informações. O que o produtor vai ter de benefício no final de tudo isso. E a outra coisa é uma assistência técnica durante todo o processo. Como implementar, controlar, mensurar e quais ações tomar.

GR  Os produtores se sentem pressionados a colocar em prática a sustentabilidade?
Thais  O produtor tem de entender que o compromisso de originação faz parte das operações das indústrias, e isso acaba recaindo sobre ele. Quando você fala de uma pressão da indústria, ela tem compromisso de originação, então não quer soja de área embargada e faz toda uma identificação de áreas para ver se esse produtor está originando de áreas embargadas ou não, e, se estiver, a indústria não vai querer comprar aquele produto. A gente tem muitos bons exemplos de fazendas de grãos, de pecuária, que conseguem via certificação de RTRS (Round Table Responsible Soy) demonstrar o atendimento à legislação e a boas práticas.

GR  Você vê espaço para essa certificação se expandir?
Thais  Não é todo produtor que adere, e uma coisa que se discute é a abertura de mercado. O produtor implementa todos os requisitos que estão na certificação, paga por isso e continua vendendo para a mesma pessoa, ao mesmo preço. Então, quais são os incentivos que a gente pode dar ao produtor para que eles queiram buscar a certificação? Quando a gente fala em pagamento de prêmios, por exemplo, isso parece um pouco assustador para o mercado, mas, quando tem muitos países exigindo compromissos de originação, então que se utilize esse selo como uma forma de mostrar que se está produzindo certo. Os produtores dizem hoje que, se tivesse mercado, eles poderiam certificar muito mais. Falta esse incentivo.
Source: Rural

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