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Soja Intacta, herdada pela Bayer na compra da Monsanto. Patente questionada na Justiça (Foto: Sérgio Zacchi)

 

O produtor rural tem utilizado cada vez mais as tecnologias transgênicas aplicadas na agricultura, cativado pelos benefícios trazidos pelo uso da tecnologia, que o ajudam a ganhar em volume de produção e minimizar os riscos inerentes à atividade rural. Nada de anormal haveria se essa relação entre empresas de biotecnologia (fornecedores da tecnologia) e produtores rurais fosse pautada por uma relação mais transparente, o que parece não estar acontecendo pela experiência nacional.

 A cada safra, o produtor desembolsa um valor considerável de seus ganhos para adquirir tecnologias transgênicas patenteadas presentes em sementes de soja, algodão, milho etc. A justificativa das empresas de biotecnologia para a cobrança de royalties seria os organismos geneticamente modificados (OGMs) patenteados presentes nas sementes comercializadas, responsáveis pelos ganhos de produtividade e menor vulnerabilidade a pragas e lagartas. Aí surgem os primeiros questionamentos.

A tecnologia é protegida por quais patentes? Os títulos patentários estão vigentes? Será que os requisitos de patenteabilidade foram preenchidos? O evento transgênico presente na semente ou processo de introdução dele (que estariam protegidos por patente) guardam identidade com o objeto protegido pelos títulos patentários? Se houver mais de um título patentário, deve haver a redução proporcional de royalties à medida que as tecnologias patenteadas passem a integrar o domínio público? Qual a justificativa para a manutenção da cobrança de royalties na medida em que essas tecnologias vão perdendo sua eficácia?

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Esses questionamentos surgem justamente porque se trata de uma invenção autorreplicável (ou seja, a semente que abriga o OGM, objeto de proteção patentária, pode ser replicada pelo produtor a cada nova safra), de modo  que, pelo modelo construído pelas empresas de biotecnologia, o produtor precisa se obrigar ao pagamento de royalties a cada novo uso.  

Partindo dessa premissa, torna-se mais do que legítimo ao produtor rural ter acesso a todas as informações que lastreiem o pagamento de royalties pelo uso da tecnologia. A cobrança safra pós safra só se legitima mediante a disponibilização de informações mínimas a respeito da proteção da tecnologia que dão respaldo à essa cobrança.

O ponto central, portanto, é trazer lições de direito civil e de propriedade industrial para se concluir que essa relação se legitimará aos desenvolvedores e titulares de biotecnologia a partir de um processo de transparência na relação estabelecida com o produtor, de modo que o contrato contenha informações essenciais que lastreiem a cobrança. Torna-se urgente que as empresas desse mercado se conscientizem da necessidade de prestar informações de forma clara e objetiva.

Se não houver essa conscientização, o único caminho será uma alteração na legislação de propriedade industrial (Lei 9.279/96) que regularize e disponha sobre a diferença entre dois produtos distintos: a invenção de um objeto qualquer (de mecânica, por exemplo) e outro autorreplicável. No caso do primeiro produto, ao ser vendido (já incorporado o preço da tecnologia) não se cobra mais royalties nas próximas vendas (teoria do first sale ou primeira venda), já para objetos patenteados autorreplicáveis, a cobrança é feita a cada nova venda ou uso (conforme estabelecem as empresas de biotecnologia).  Justifica-se, nesse caso, uma alteração legislativa a fim de impor ao titular da tecnologia a obrigatoriedade de apresentar – a cada nova venda – informações sobre os títulos patentários, prazo de vigência e o resultado técnico esperado pelo uso da tecnologia.

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Por fim, a existência de supostos “outros direitos” que dariam lastro à cobrança de royalties (acaso existentes) deveriam ser delimitados e efetivamente demonstrados, excluídos, por razões lógicas, direitos decorrentes de (i) segredo de negócio (já que a patente revelaria eventual segredo, tornando-o público), (ii) conhecimento ou know how (já que se é autorreplicável o produtor não precisa ser um expert no assunto para replantá-la), (iii) ou ainda supostos direitos regulatórios (aqui, entenda-se que eventuais autorizações regulatórias não legitimam a cobrança de royalties, primeiro por falta de previsão legal, segundo porque é pressuposto para a própria comercialização do produto).

O que se pretende aqui é tão somente chamar a atenção de especialistas da área instigando-os a um maior debate a fim de que, ouvidos todos os interessados, haja uma revisão e alteração da legislação da propriedade industrial vigente (Lei 9.279/96), de modo que as invenções autorreplicáveis recebam, pelas particularidades acima mencionadas, um tratamento legal apropriado evitando-se incertezas e, ao mesmo tempo, propiciando uma relação mais sadia e duradoura entre produtores rurais e empresas de biotecnologia.

*Mestre e Doutor pela PUCSP, Sócio do Escritório Reis, Souza e Takeishi Advogados. É advogado da Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) e Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão (Ampa) nos processos contra as patentes de biotecnologia da Bayer para soja e algodão.
Source: Rural

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