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Polícia Federal (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

 

Suspeitas de pagamento de propina a fiscais federais agropecuários levaram, nesta terça-feira (1/10), à realização da 4ª fase da Operação Carne Fraca, que investiga supostas irregularidades na indústria de carnes do Brasil. A Polícia Federal (PF) destacou 280 agentes para cumprir 68 mandados de busca e apreensão em pelo menos nove estados: Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso, Pará, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Chamada de Romanos, em referência a um dos livros da Bíblia, a ação visa apurar indícios de corrupção passiva praticada por auditores fiscais, que receberiam vantagens indevidas para favorecer “grupo empresarial do ramo alimentício, que passou a colaborar de forma espontânea com as autoridades”. A prática ilegal, que envolveria uma movimentação financeira estimada em R$ 19 milhões, teria sido interrompida em 2017.

De acordo com a Polícia Federal, o maior número de mandados foi cumprido no Estado de Santa Catarina: 22. Depois aparecem Rio Grande do Sul (15), Goiás (10), Paraná (9), Mato Grosso (6), Rio de Janeiro (2), São Paulo (2) e Pará (1). Dos 60 fiscais investigados, 39 ainda estavam trabalhando em plantas frigoríficas, mas já tiveram seu afastamento determinado pela Justiça.

“As buscas serviram para confirmar o que já existe com muita robustez nos autos. A atuação dos fiscais fora do padrão era no sentido de privilegiar o grupo de alguma forma. Ou acelerando um procedimento, ou atrasando quando era conveniente. Ou não atrapalhando”, explicou o delegado responsável pela operação, Maurício Moscardi, em entrevista coletiva concedida em Curitiba (PR).

Unidade da empresa BRF (Foto: Lucas Tavares/Agência O Globo)

 

BRF colabora

Moscardi confirmou que a BRF vem colaborando com as investigações de forma espontânea. A empresa foi criada há dez anos a partir da fusão entre Sadia e Perdigão. A companhia tinha sido alvo direto da fase anterior da Carne Fraca, chamada de Operação Trapaça, a qual resultou até na prisão de altos executivos, entre eles, o ex-CEO, Pedro Faria. O delegado garantiu que a atitude da BRF foi espontânea e sem condicionantes.

Segundo ele, as vantagens oferecidas pela BRF a fiscais iam desde pagamentos em dinheiro, passando por contratos com empresas fictícias para firmar contratos com o grupo, e até mesmo concessão de planos de saúde. Em alguns casos, o pagamento da propina para os fiscais era feito por intermediários. Um deles, a União Avícola, que tem como sócio o ex-senador mato-grossense Cidinho Santos.

Até antes da fusão entre as empresas Sadia e Perdigão, havia pagamento de fiscais para facilitar a atividade da empresa

Maurício Moscardi, delegado responsável pela Operação Carne Fraca

“Todas as vantagens eram realmente para não atrapalhar o andamento da empresa ou para ter alguma agilidade, um procedimento acelerado, aprovar alguma coisa referente a aprovar o abate de frangos com mais agilidade”, disse ele. “Era óbvio que se tratava de uma política antiga da empresa. Era uma cultura antiga. Até antes da fusão entre as empresas Sadia e Perdigão, havia pagamento de fiscais para facilitar a atividade da empresa de uma forma”, explicou. O delegado disse ainda que, da parte da companhia, todos os envolvidos no esquema de pagamentos não fazem mais parte do quadro de funcionários.

Em nota, a BRF negou ter havido em suas instalações qualquer ação de busca e apreensão relativa à operação desta terça-feira. E que tem colaborado com as autoridades para o esclarecimento dos fatos apurados pela PF e pelo Ministério Público Federal. A empresa “reitera o compromisso de sua administração com a adoção de um sistema eficaz, eficiente e integrado de compliance”.

Também em comunicado, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), destacou que os fatos apurados na Operação Romanos ocorreram até 2017. E que recebeu, nesta terça-feira, as informações sobre o servidores envolvidos nas investigações e estão tomando as devidas providências.

“O Ministério reafirma a plena confiança em sua área de fiscalização agropecuária, já reestruturada, e entende que essa situação é uma exceção à regra e não compromete a atuação dos seus 2.500 fiscais”, diz a nota.

Denúncias

O sindicato que representa os fiscais federais agropecuários (Anffa Sindical) informa, também em nota, que a Operação Carne Fraca foi executada em função de denúncias feitas por profissionais da categoria. E que, diante do que chamou de “inação” do Ministério da Agricultura, outros órgãos competentes foram alertados.

Na visão da entidade, uma das causas dos problemas detectados pela Carne Fraca em suas diversas etapas é o que identificou como “ingerência política em cargos eminentemente técnicos”. O sindicato reafirma sua defesa de que os cargos de natureza técnica sejam exercidos por servidores de carreira.

Segundo o sindicato, entre os 68 alvos da operação, 22 são fiscais federais e outros 46 são “outros profissionais, muitos deles pagos pela indústria”. “O Anffa Sindical defende, como sempre defendeu, que todos os que cometem atos ilícitos sejam investigados, condenados e punidos, como já ocorreu com alguns dos auditores e empresários identificados na primeira fase da Carne Fraca”, diz.

Em entrevista à Globo Rural, o ex-senador Cidinho Santos confirma ser sócio da União Avícola e diz que a empresa possui um contrato com a BRF. Entretanto, nega conhecer alguma irregularidade apresentada pela Polícia Federal e desconhece quem seja o fiscal que participaria do esquema de propina. Santos ainda afirma que está à disposição das autoridades para colaborar com a investigação.

Mercado

Na entrevista coletiva, o superintendente regional da Polícia Federal no Estado do Paraná, delegado Luciano Flores de Lima, avaliou que a Operação Carne Fraca se tornou uma das principais iniciativas de combate à corrupção no setor de proteína animal. Segundo ele, as ações têm coibido irregularidades que coloquem em risco a saúde pública e a livre concorrência.

A fiscalização é bem vista pelos outros países e isso fortalece a credibilidade do comércio brasileiro no mercado internacional

Luciano Flores de Lima, superintendente regional da Polícia Federal no PR

“Vai fortalecer o Brasil como um país sério que controla sua produção e aquela crítica que talvez tivesse havido no passado, de que pode afetar a produção brasileira, as exportações, com o decorrer do tempo, a gente verificou que fortaleceu ainda mais. A fiscalização é bem vista pelos outros países e isso fortalece a credibilidade do comércio brasileiro no mercado internacional”, afirmou.

Impactos no setor

Analistas de mercado ouvidos pela Globo Rural avaliaram que ainda é cedo para medir eventuais impactos desta fase da Carne Fraca sobre a produção e as exportações de proteína animal do Brasil. De acordo com eles, é preciso avaliar a extensão das ações das autoridades.

Representante do setor de aves e suínos, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) informou, por meio de nota, que apoia as investigações das autoridades e que o setor está comprometido com a transparência e garantia de qualidade dos produtos. E que não espera eventuais efeitos do que chamou de “fatos passados” sobre a indústria de proteína animal brasileira.

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Relembre a Operação

A primeira fase da Carne Fraca foi deflagrada em 17 de março de 2017 pela Polícia Federal. Eram investigadas denúncias de corrupção de fiscais, além de problemas de qualidade de produtos. Na época, vários países suspenderam temporariamente a importação da carne brasileira. E lideranças do setor questionaram a forma como a Polícia Federal divulgou as informações da operação.

A segunda fase da Operação foi deflagrada em 31 de maio de 2017. Chamada de Antídoto, a ação cumpriu três mandados de busca e apreensão e um de prisão preventiva. O principal alvo foi Francisco Carlos de Assis, ex-superintendente regional do Ministério da Agricultura no Estado de Goiás, flagrado em interceptações telefônicas falando sobre destruição de provas.

A terceira fase da Operação, com a BRF como principal alvo, foi feita em 2018 para cumprir 91 mandados judiciais, entre prisão temporária, condução coercitiva e busca e apreensão em unidades da empresa no Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Goiás e Rio Grande do Sul. Então ministro da Agricultura, Blairo Maggi chegou a dizer que o governo enfrentou essa fase com mais tranquilidade que a primeira.
Source: Rural

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