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Navio carregado com contêineres no Porto de Vitória (Foto: Emiliano Capozoli)

 

 

 

Centenas de carretas, com 38 toneladas cada uma, circulam todos os dias pelo Sistema Anchieta-Imigrantes, que liga a capital paulista à Baixada Santista, transportando café. O “cavalo mecânico” serpenteia pelas curvas e túneis da Serra do Mar rebocando dois contêineres com 640 sacas de 60 quilos. Sentado na boleia, seu José Henrique David não tira o olho da pista. Ele faz esse trajeto há 20 anos transportando o grão: “A estrada é boa”. “Mas a descida da serra é muito perigosa. Se o caboclo descer correndo, com certeza vai sofrer acidente. Mas eu ando devagarinho. Vejo acidente toda semana. Nem me assusto mais com isso.”

A carga transportada por José Henrique vale R$ 200 mil. É o “ouro negro” que transformou o Brasil no maior produtor e exportador de café do mundo. Já foi carregado em lombo de mula e dos escravos, em carro de boi, por ferrovia e hoje circula sobre rodas.

Depois de percorrer 1.400 quilômetros nos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, chegamos a conclusão de que o café passeia por milhares de caminhos, mas todos eles, ou quase todos, vão desembocar no Porto de Santos, que recebe 80% da produção brasileira destinada à exportação. E, no caso da safra capixaba, há uma viagem sem muita lógica, mais longa do que deveria. São muitos os desafios para escoar a safra recorde de 61,6 milhões de sacas colhida em 2018 nos rincões mais distantes, como Rondônia, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Paraná, São Paulo, Minas e Espírito Santo. A produção brasileira é suficiente para abastecer o mercado interno e ainda sobram 41 milhões de sacas para serem exportadas a mais de 100 países, o que rende US$ 5 bilhões por ano em divisas.

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Num país gigantesco como o Brasil, é preciso uma operação de guerra para escoar a safra. Primeiro tem de colher, secar e levar ao armazém, enfrentando atoleiros e pontes caindo aos pedaços. Depois, começa a distribuição da safra para o mercado interno e externo.

Márcio Candido Ferreira, vice-presidente do Centro de Comércio de Café de Vitória (Foto: Emiliano Capozoli)

 

Minas Gerais produz quase metade da safra brasileira de café arábica. O café dos mineiros ganha cada vez mais espaço no mercado e a produtividade das lavouras vem crescendo ano a ano. “Pena a gente não ter praia”, lamentam eles. Seria bom para tomar banho – e bom também para exportar café. Sem porto marítimo, só restam aos mineiros aperfeiçoar os meios de levar a produção até a beira-mar.

Uma experiência a ser copiada é a da Cooxupé (Cooperativa Regional de Cafeicultores de Guaxupé), no sul de Minas. Depois de carregar os contêineres, os caminhões estacionam no Redex (Recinto Especial para Despacho Aduaneiro), um pátio gigantesco, onde a carga é inspecionada pelos fiscais do Ministério da Agricultura e da Receita Federal. Feito isso, o caminhão segue para o porto com a carga lacrada e pronta para entrar no navio. Normalmente, esse serviço é feito na entrada do porto, onde há filas quilométricas. Mas os caminhões da Cooxupé “furam a fila”, porque já chegam prontos para descarregar nos navios. Deivison Ricciardi Ferreira, responsável pela logística da cooperativa, diz que o sistema é revolucionário.

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“Além de evitar as filas lá no porto, nossos caminhões descarregam dois contêineres cheios e trazem de volta dois vazios para o Redex. Com isso, a gente resolveu um problema grave, que era a falta de contêineres”, diz ele. “A cooperativa recebe 6 milhões de sacas de café por ano de todo o sul de Minas. Nossa capacidade de armazenagem é de 2,6 milhões de sacas, então temos de ter agilidade para escoar tudo isso.”

De Guaxupé até o Porto de Santos são 377 quilómetros. Numa viagem de automóvel, seriam no máximo cinco horas, mas as carretas levam de oito a nove, disputando espaço com milhares de outros veículos. Desembaraçando a carga, é possível reduzir o tempo da viagem e economizar até 30% no custo do transporte. Isso engrossa o lucro dos produtores, que todo fim de ano esperam ansiosos pelos dividendos distribuídos pela cooperativa.

Sergio Oliveira, cafeicultor de São Pedro da União, no sul de Minas (Foto: Emiliano Capozoli)

 

Sergio Oliveira, do município de São Pedro da União, que fica perto de Guaxupé, recebeu a reportagem quando supervisionava a colheita dos seus 280 mil pés de café. A máquina avança pelo cafezal fazendo o serviço que antes era realizado à mão. A colheita mecânica já é utilizada por mais de 50% dos cooperados da Cooxupé. Substitui a mão de obra, que antes consumia 40% dos custos de produção e agora caiu quase pela metade. “A gente lamenta o desemprego que está causando”, diz ele. “Mas não tem outro jeito. O preço do café varia muito e, se a gente bobear, leva prejuízo.”

SISTEMA DE PARCERIA

Os produtores do Estado do Espírito Santo ocupam o segundo lugar na produção brasileira de café. O relevo montanhoso não permite a entrada de colheitadeiras. Um motorzinho, usado nas roçadeiras, “quebra o galho”. A mão mecânica substitui a humana na colheita e ajuda a baratear o custo. Mas não substitui o homem para operar o motor. Cultivado basicamente por pequenos e médios produtores, com mão de obra familiar, o café é uma das poucas culturas que ainda usam o sistema de parceria.

Emílio Horst, do município de Iúna, no sul capixaba, cultiva 50 mil pés de café junto com outros quatro parceiros. Eles ficam com 40% do resultado e ele com 60%. “Hoje, se não fizer parceria e agregar valor, o café dá prejuízo, porque os custos são muito altos, principalmente a mão de obra da colheita”, diz.

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O transporte do café para o exterior é um dos maiores problemas no Espírito Santo. Até 2002, todo o volume exportado embarcava no Porto de Vitória e seguia direto para os Estados Unidos e Europa. Mas os navios usados atualmente são bem maiores e não entram no canal estreito e raso do centenário porto da cidade.

 

Ricardo Rezende, especialista em logística da estatal Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo), diz que o porto recebe cerca de 4 milhões de sacas de café por ano, mas leva só até Santos. “Lá os contêineres são descarregados e ficam aguardando os grandes navios que vão para o exterior.”  Somando o custo do frete Vitória-Santos-Hamburgo, na Alemanha, são R$ 15,70 a saca. O dobro do que custaria, a preços de hoje, se esse café embarcasse de Vitória direto para Hamburgo, como ocorria antigamente.

Mas o Porto de Vitória leva até Santos só a metade da safra exportada pelo Espírito Santo e leste de Minas. Sobram 4 milhões de sacas, que são transportadas de caminhão. Deste total, 1 milhão de sacas seguem para o Porto do Rio de Janeiro, a 524 quilômetros de Vitória, pela BR-101. E outros 3 milhões de sacas viajam mais de 1.000 quilômetros até o Porto de Santos pela BR-101 e 116. Antes de chegar a São Paulo, as carretas pegam o Rodoanel e seguem pela Rodovia dos Imigrantes até Santos.

Emílio Horst, produtor de café de Iúna, no sul do Espírito Santo (Foto: Emiliano Capozoli)

 

Somando o custo do frete até o Porto de Santos mais o transporte de navio para chegar até Hamburgo, são R$ 35,87 a saca, um dos custos mais altos do Brasil. Além disso, as estradas do Espírito Santo estão entre as piores do país. Na última pesquisa da CNT (Confederação Nacional do Transporte), metade delas recebeu avaliação regular, ruim e péssima. A principal rodovia federal, a BR-101, que corta o Espírito Santo de norte a sul, só tem cerca de 30 quilômetros de pista dupla. Nenhuma carga pode circular por ali sem seguro, porque os roubos são frequentes.

“O certo seria construir um novo porto para receber grandes navios e usar o antigo só para o transporte do café do mercado interno”, diz Márcio Candido Ferreira, vice-presidente do Centro do Comércio de Café de Vitória. “Hoje, enviamos mais de 5 milhões de sacas de café conilon, por rodovias, para os Estados de Alagoas e Ceará, que industrializam o produto e distribuem para o Norte e Nordeste. O frete rodoviário custa de R$ 22 a R$ 25 por saca. Mas poderia custar de duas a três vezes menos se o embaque ocorresse no Porto de Vitória e seguisse por cabotagem até o Porto de Fortaleza”, afirma Márcio.

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Source: Rural

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