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Mauricio Macri, presidente da Argentina (Foto: Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires)

 

O resultado das eleições primárias, realizadas em 11 de agosto, na Argentina despertou todas as desconfianças sobre o país, sua política e economia. Em disparadas diárias, o dólar passou dos 60 pesos, as taxas de juros atingiu  83% e o risco país superou os 2.000 mil pontos básicos, valores só praticados em situação de calote da dívida.

A reação já é uma velha conhecida dos argentinos. Nos últimos 18 anos, sempre que o país entra em estado de crise a população revive os traumas provocados pelo medo da hiperinflação, congelamento de depósitos, restrições, queda das reservas internacionais e moratória da dívida.

Com tanta pressão, o governo do presidente Mauricio Macri optou por suspender o pagamento dos serviços da dívida externa, com o intuito de preservar as reservas internacionais, e anunciou que vai estender os prazos dos pagamentos de curto prazo. A medida não produziu o efeito desejado nos mercados e os setores produtivos só enxergam riscos. Os produtores agropecuários se encontram em estado de alerta máxima.

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“Há uma total incerteza sobre o que ocorrerá com a safra de soja, milho, girassol, sorgo”, que começa a ser implantada em setembro e termina em janeiro, afirmou à revista Globo Rural o analista Arturo Navarro. Segundo ele, “em qualquer país do mundo seria natural semear em um governo e colher em outro, mas a transição na Argentina é uma roleta russa e não sabemos se as políticas que ajudaram a melhorar o setor nos últimos quatro anos serão preservadas ou voltaremos às restrições”.

A referência diz respeito à forte possibilidade de que a chapa Frente de todos, vencedora das primárias, repita o bom desempenho eleitoral no primeiro turno marcado para 27 de outubro. Formada pelos peronistas Alberto Fernández e a ex-presidente Cristina Kirchner, a fórmula traz resquícios dos anos de governo kirchnerista que foram considerados os piores em termos de politicas para o setor (2007 a 20015). 

Retenções

Fernández foi o Chefe de Gabinete, equivalente à Casa Civil, na gestão do falecido Néstor Kirchner (2003-2007), e no primeiro ano de Cristina, quando o kirchnerismo tentou emplacar a Resolução 125, que buscava implantar um esquema de alíquotas móveis muito elevadas para os impostos sobre as exportações (retenções) do setor.

A medida terminou sendo derrotada no Congresso, mas foi o início de uma grande divisão no país entre o campo e o governo. Na ocasião, Alberto se opôs á ideia, mas defendia o governo que representava. Ele terminou saindo da Casa Rosada um ano depois. O fantasma das elevadas retenções e medidas de restrições à comercialização como cotas de exportação, congelamentos e controles de preços, entre outras, voltam a assombrar os produtores e os analistas. 

Lopéz, que é um consultor muito conhecido pelos agricultores e viaja por todo o país, disse que os produtores rurais “têm muito medo e não sabem se vão enterrar o que estão semeando” (Foto: USDA/CCommons)

 

O candidato Fernandez se reuniu com os representantes das principais instituições representativas dos produtores rurais e fez um apelo para que se esqueçam do conflito e comecem uma nova relação. Ele disse aos líderes rurais que não poderá eliminar as retenções por causa das necessidades fiscais do Tesouro, mas descartou as ideias que agitaram fantasmas do passado como a criação de um organismo para controlar os preços internos dos produtos ou qualquer outro mecanismo de distorção do comércio ou restrições das exportações. 

“Hoje é uma promessa e ninguém tem segurança disso. É preciso esperar e ver qual é o plano do governo”, contrabalançou o analista Gustavo López, da consultoria Agritrend. “A desconfiança é com base na experiência que tivemos antes. Não sabemos quem vai manejar o poder, se Cristina ou Alberto”, afirmou. Ele recordou que Cristina e Néstor nunca tiveram aprecio pelo campo. “Eles queriam acabar com a Argentina agroindustrial para tornar o país só industrial, mas quem paga a festa é a agroindústria”, argumentou.

Angústia

Lopéz, que é um consultor muito conhecido pelos agricultores e viaja por todo o país, disse que os produtores rurais “têm muito medo e não sabem se vão enterrar o que estão semeando”. Ele contou que quando conversa com os homens do campo vê angústia por todos os lados. “Não sabem se vai chover; se vão poder pagar os insumos cotados pelo preço do dólar e não há teto para a desvalorização; não sabem qual será o preço dos transportes que também sobem ao ritmo do dólar e, finalmente, não sabem qual será a margem de lucro que terão com a venda da safra porque os valores das retenções podem ser mudados”, enumerou.

A desconfiança é com base na experiência que tivemos antes. Não sabemos quem vai manejar o poder, se Cristina ou Alberto"

Gustavo López

A angústia e a desconfiança se refletem em uma pesquisa realizada pela consultoria Zorraquín + Meneses, logo depois das primárias, apontando que 51% dos entrevistados planejam mudar seus investimentos, enquanto que 28% opinaram que pretendem mudar a estrutura da atual safra 2019/2020, 34,1% estão avaliando esta possibilidade de mudança e 37,9% vão manter a rota traçada. A pesquisa foi feita sobre uma mostra de 548 referentes de empresas agropecuárias.

“Poderia ocorrer o mesmo que ocorreu ao longo do governo kirchnerista: quem planta trigo e milho vai migrando para a produção de soja que é mais resistente e rentável, apesar de que a oleaginosa é o primeiro produto alvo para sofrer com uma alta de retenções”, explicou o consultor.

Lopez pondera que “tudo vai depender de qual será a política agraria que o novo governo vai utilizar” e recordou que a vantagem de Macri com o campo foi obtida através de três mudanças importantes para o comércio de grãos, que é o segmento que mobiliza mais a economia argentina: o esquema de retenções foi reduzido drasticamente no caso da soja, de 35% para 18%; e no milho e trigo caiu de 20% para 10% (em todos os casos, somam-se quatro pesos para cada dólar exportado); foram eliminados os mecanismos (ROES) pelos quais eram estabelecidas cotas e restrições ao comercio internacional; e o cambio foi unificado e liberado, o que ajudou na compra de insumos. Estas medidas levaram a produção agrícola a crescer de 110 milhões de toneladas para 140 milhões de toneladas, com uma tendência de forte crescimento. 

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Interrogação

Segundo a pesquisa, 70% acham que qualquer candidato que vencer as eleições vai elevar as alíquotas das retenções sobre as exportações do agro. E essa é a grande interrogação no setor, mas não é a única. Os analistas e produtores temem o impacto do câmbio, pois a alta volatilidade pode provocar distorções no mercado. “Não descartaria que voltem a 35% de retenções para soja e 20% para trigo e milho, e é preciso considerar o desdobramento cambial e as ideias de integrantes da equipe de Fernandez de impor regulações para desacoplar os preços internos dos externos com uma volta da junta de grãos”, opinou Lopez. 

A junta de grãos foi uma área do Estado que operava no país nos anos 90 na compra da safra para regular os preços do mercado interno. Naquela época, a Argentina produzia 9 milhões de toneladas e trigo e o consumo interno era de 6 milhões. Hoje produz 21 milhões de toneladas e, como o consumo se manteve estável, sobram 16 milhões de toneladas para serem exportadas para países como o Brasil, principal importador do grão.

Segundo a pesquisa, 70% acham que qualquer candidato que vencer as eleições vai elevar as alíquotas das retenções sobre as exportações do agro (Foto: pergamino13cr/CCommons)

 

Vale recordar que Macri havia prometido acabar com as retenções em 2020. Mas mesmo que ele consiga reverter os resultados das primarias e ser reeleito, qualquer presidente que assumir vai precisar da arrecadação de impostos via campo, coincidem Navarro e López, especialmente depois do anúncio de negociação de alargamento dos prazos da dívida. Atualmente o governo arrecada em torno de US$ 6 bilhões anuais com as retenções. Se há um aumento das alíquotas para o valor praticado no final do governo de Cristina, essa arrecadação subiria para algo em torno de US$ 9 bilhões.

“É um imposto fácil demais de arrecadar para ser desprezado por qualquer governo”, disparou Lopez, enquanto que Navarro concluiu: “qualquer presidente que assuma em 10 de dezembro terá que fazer um forte ajuste que não foi feito nestes últimos anos será antipático. Caso contrário, voltaremos ás politicas populistas que não resolvem os problemas de fundo da Argentina, em especial
Source: Rural

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